Morador de rua é ignorado ao agonizar de dor na Praça da Estação

Morador de rua
Mesmo agonizando de dor, morador de rua foi ignorado na Praça da Estação (FOTO ILUSTRATIVA: Amanda Dias/BHAZ)

Atualização às 18:30 do dia 10/03/2021 : O título e o texto desta reportagem foram editados após a assessoria da Secretária Municipal da Saúde, responsável também pelo Samu, recuar e informar que as cicatrizes de queimaduras da vítima eram antigas.

Um senhor em situação de rua foi socorrido na manhã desta terça-feira (9) após ser ignorado mesmo agonizando de dor na Praça da Estação, ponto de intensa movimentação no Centro de Belo Horizonte. Inicialmente, testemunhas e o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) informaram que a vítima tinha queimaduras, mas, posteriormente, a equipe médica da UPA afirmou se travam de cicatrizes antigas – mesmo aparentando estar em carne viva.

“Ninguém socorreu ele, ele estava queimado desde o final da madrugada. É muito triste ver que tem pessoas que fazem isso e pessoas que ignoram completamente a situação. Na Praça das Estação, o metrô abre às 5 horas da manhã, passando gente praticamente em cima dele desde antes dele pegar fogo”, informou ao BHAZ Anne Menezes, responsável por acionar o socorro do Samu por volta das 8h.

Um dos moradores em situação de rua que estava ajudando a vítima contou à mulher que ninguém atendeu aos pedidos de ajuda. “Ele [o senhor] tremia de dor, se arrastava de dor no chão e ninguém fazia nada. E o morador de rua falando assim para mim: ‘Eu não consigo chamar o Samu, eu não tenho telefone’. Eu disse para ele que chamaria, depois da ligação, perguntei: ‘Por que vocês não ligaram antes?’ Foi quando ele me respondeu: ‘A gente pediu ajuda, ninguém quis ajudar'”, revelou.

Confirmação e reviravolta

A Secretaria Municipal de Saúde foi procurada pelo BHAZ para confirmar se um homem, de fato, havia sido resgatado com queimaduras graves. Questionada sobre detalhes dos ferimentos e o diagnóstico inicial, a assessoria se limitou a confirmar que o “Samu foi acionado hoje na manhã desta terça-feira (9) para atendimento de um homem com cerca de 50 anos que foi encaminhado para a UPA Centro-Sul com queimaduras”.  

A reportagem também procurou autoridades policiais: Polícia Civil, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar. A primeira afirmou que o caso não tinha sido registrado e, portanto, não teve atuação. O Corpo de Bombeiros seguiu linha semelhante, já que o poder público foi acionado após o suspeito atentado e a PM também não tinha sido acionada – nem mesmo pelo Samu.

Após a publicação inicial desta reportagem, a PM foi acionada pelo Ministério Público para conferir a situação do morador em situação de rua. Os militares afirmam que receberam da equipe médica da UPA a informação de que o homem, na verdade, estava internado com suspeita de Covid, já que as cicatrizes de queimadura eram antigas.

Mais tarde, questionada sobre o não acionamento de autoridades policiais, a assessoria do Samu informou que “no momento do exame, não foram identificados sinais de queimadura, entretanto foi observado sintomas respiratórios, sendo assim, o paciente foi conduzido conforme os protocolos clínicos”.  

O relato

De acordo com o relato dos moradores de rua à mulher, um carro parou no local entre 5h30 e 6h. “Pelo o que eles falaram, o carro parou… Na hora que o carro parou, eles viram, e aí uns homens foram andando… No que foram andando, jogaram a gasolina e jogaram fogo muito rápido”, contou Anne. “Eles falaram: ‘Passou uns playboy doidão aí e jogaram fogo nele, não deu tempo da gente acudir'”.

Os responsáveis, sempre conforme testemunhas, fugiram do local depois de atacarem o senhor em situação de rua. “Saíram e arrancaram o carro”, completa a mulher. Depois do crime, o corpo dele ficou em carne viva. “Ele estava com a pele muito visível na carne viva, estava destampado porque o cobertor dele também pegou fogo. Então ele estava com metade do cobertor, com as pernas todas queimadas e um dos pés praticamente atrofiou”, disse.

Posteriormente, no dia seguinte à publicação inicial desta reportagem, a Polícia Militar descartou essa possibilidade, de um crime envolvendo homens fugindo em um carro. Nenhuma imagem de fogo na Praça da Estação durante a madrugada foi identificada pelas câmeras administradas pelos militares.

Invisibilidade

O homem foi negligenciado por todos que passaram pela estação e o flagraram agonizando de dor. “Ele estava na Caetés no meio da rua, no meio da calçada, estava jogado entre o meio fio e a calçada, tremendo. E ninguém falava nada, como se fosse normal um homem sentir dor daquela forma, acha que porque é morador de rua, não merece atenção, não sente dor”, desabafou Anne.

“Nesse horário, o fluxo já é muito grande, gente chegando para trabalhar no Centro o tempo inteiro”, disse. “Com certeza já tinha gente quando jogaram fogo nele, com certeza alguém viu alguma coisa, é uma sucessão de ignorar o ser humano muito longa. Ele tá ali, é invisível, a parte invisível da nossa cidade, é muito doido isso, ter seres humanos que para a maioria das pessoas não são considerados humanos. Ele e um poste dá na mesma”, desabafou, a partir da versão recebida por outros moradores de rua e por flagrar o que identificou como “carne viva”.

Quando chamou o Samu, a mulher precisou ser acalmada pelos profissionais do outro lado do telefone. “Eu liguei pro Samu, eles me acalmaram, porque eu estava chorando muito. Uma moradora de rua me agradeceu pela ajuda. Eu falei: ‘Não tem como não ajudar, é um ser humano’. Mas ela me respondeu: ‘As pessoas não veem a gente como um ser humano, igual você está vendo'”, contou, comovida.

Uma situação de 20 minutos na manhã de Anne fez com que ela parasse para refletir. “Estamos em uma onda de ignorar a Covid, ignorar o fechamento, essa individualidade reflete muito do que a gente está vivendo no todo. Essas pessoas não existem só no Natal, para levar comida uma vez por mês, tirar foto e postar no Instagram”, finaliza.

Nota Samu

A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que o SAMU foi acionado hoje na manhã desta terça-feira (9) para atendimento de um homem com cerca de 50 anos que foi encaminhado para a UPA Centro Sul com queimaduras”. 

Edição: Thiago Ricci

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