Mulher é libertada após 38 anos vivendo situação de escravidão em MG

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Madalena Gordiano trabalhava sem remuneração e sem direito à liberdade desde os 8 anos (Reprodução/Fantástico)

Uma mulher negra de 46 anos de idade e que vivia em condições análogas à escravidão por 38 anos foi libertada, no fim do mês de novembro. Madalena Gordiano tinha a função de doméstica de uma família em Minas Gerais, e não recebia salário. Ademais, os patrões não a deixavam sair, e a mulher vivia sob vigilância. Ela recebeu resgate em um apartamento na cidade de Patos de Minas, no Alto Paranaíba. A reportagem é do Fantástico.

Uma investigação feita pelo Ministério Público do Trabalho identificou a situação em que Madalena Gordiano vivia, que eram em condições análogas à escravidão. “Ela não tinha registro em carteira, o salário mínimo garantido, férias, não tinha descanso semanal remunerado”, disse o auditor fiscal Humberto Monteiro Camasmie ao Fantástico.

A Polícia Federal e o Ministério Público do Trabalho resgataram Madalena Gordiano no dia 27 de novembro deste ano, em um apartamento no centro de Patos de Minas. “Era um quarto bem pequeno, não deve ter 3 metros de comprimento por 2 de largura, não havia janela, não havia nenhuma ventilação, era um quartinho bem abafado”, relatou Humberto Monteiro Camasmie.

Aos 8 anos de idade, Madalena Gordiano bateu na porta de uma casa pedindo por comida, pois na dela não havia o que comer. Segundo ela, a dona da casa disse que não iria dar o pão, e sim pegar a criança para morar com ela. Maria das Graças Milagres Rigueira, a dona da residência, pediu à mãe de Madalena, que tinha outros nove filhos, para adotá-la. Como não tinha condições de criar todos, a mulher concordou com a adoção.

Retirada da escola

A primeira decisão que Maria das Graças Milagres Rigueira tomou ao adotar Madalena Gordiano foi tirar a menina da escola. “Ela não quis que eu estudasse mais porque eu já estava uma mocinha. Parei até a terceira série”, contou Madalena. Ela cresceu ajudando a cuidar da casa e dos filhos de Maria das Graças, que era professora.

“Ajudava a arrumar, a cozinhar, lavar o banheiro, passar pano na casa”, relatou Madalena Gordiano. Quando questionada se ela brincava, pois ainda estava na fase da infância, a mulher respondeu que não. “Não tinha nem uma boneca”, relembrou. O dono da casa, marido de Maria das Graças, não gostava de Madalena, e brigava muito com ela. A família decidiu então dar Madalena Gordiano para um dos filhos da dona da casa, Dalton César Milagres Rigueira.

Na residência de Dalton César Milagres, a situação era a mesma. Madalena Gordiano trabalhava de domingo a domingo, se salário e com uma jornada de trabalho que iniciava muito cedo. Um vizinho da família Rigueira contou um pouco da situação de Madalena: “Ela acordava às quatro da manhã para poder passar roupa. ninguém deles podia ver ela conversando com alguém do prédio. Você via que ela ficava com medo quando eles chegavam”

Dalton não considerava Madalena como uma empregada

No depoimento, Dalton César Milagres Rigueira, que é professor de uma universidade de Patos de Minas, disse que Madalena se recusou a aceitar um quarto maior na residência. Além disso, segundo ele, a decisão de parar de estudar partiu de Madalena, e que não a incentivou porque acreditava que “ela não se beneficiaria de receber educação”.

Dalton César Milagres também declarou que não considerava Madalena Gordiano como uma empregada, e que ela considera a família dele “como sendo sua própria família”. No ano de 2001, um tio da esposa de Dalton, casou-se com Madalena, entretanto eles nunca moraram juntos. Pouco tempo depois, o homem morreu e deixou duas pensões para Madalena Gordiano, no valor total de R$ 8 mil, porém ela não tinha acesso ao dinheiro.

O professor Dalton César Milagres não permitia que Madalena tivesse acesso ao dinheiro, pois controlava a conta bancária dela. Perguntada se Dalton a levava para o banco junto com ele, Madalena Gordiano disse que “ia, mas ele não deixava eu ver. Ele me dava duzentos, trezentos [reais]”. A empregada escrevia bilhetes e colocava debaixo da porta dos vizinhos, pedindo por produtos de higiene pessoal.

A mulher passou os últimos 14 anos, em que vivia na casa de Dalton, sem contato com sua família biológica. O Ministério Público do Trabalho abri investigação contra Dalton Rigueira e a esposa Valdirene, pelos crimes de manter uma pessoa em condições análogas à escravidão e tráfico de pessoas. Maria das Graças Milagres Rigueira também pode ser investigada pelos mesmos crimes. A pena pode chegar a 20 anos de prisão.

Recomeço

Madalena agora vive num abrigo de mulheres resgatadas de situações de violência, e agora está aprendendo a viver coisas que não estava acostumada. Madalena Gordiano agora usa seu dinheiro da pensão, comprando coisas para si e cuidando da aparência, e também retomou os estudos. “A Madalena é um fruto de uma falha geral da sociedade”, disse o auditor fiscal Humberto Monteiro Camasmie.

Edição: Vitor Fernandes
Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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