‘Não alugo pra travesti’: Imobiliária e proprietário são condenados por expulsar mulher trans

Justiça condena imobiliária transfobia
ILUSTRATIVA. Proprietário não aceitava pessoas trans no local (Cesar Ogata/ Secom)

Uma empresa de locação de imóveis e o proprietário de um flat foram condenados a pagar R$ 10 mil em indenização para uma mulher trans, após expulsá-la do imóvel por transfobia. A 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu o crime e ambos foram obrigados a reparar a ex-moradora.

O caso ocorreu no ano passado. A jovem teve o contrato de locação cancelado logo depois de chegar ao apartamento e se instalar no imóvel. De acordo com o processo, a autora firmou contrato de locação com intermediação da imobiliária.

Porém, um dia após ter se mudado, recebeu a notícia de que o proprietário não iria mais assinar o contrato e que o dinheiro pago em depósito seria devolvido, devendo se retirar do imóvel. O fato teria sido motivado por preconceito em relação à identidade de gênero dela. Procurada pelo BHAZ, a envolvida preferiu não se manifestar sobre o assunto.

Motivação preconceituosa

A relatora do recurso, desembargadora Rosangela Telles, afirmou que as provas mostram de forma muito clara que os motivos que levaram os réus a romperem as negociações configura “danos morais”.

“No sexto áudio disponibilizado, referido litisconsorte afirma expressamente que ‘da última vez havia falado que não queria alugar para travesti’, porque estaria ‘dando problema no prédio’. Afirma, inclusive, que já havia pedido para a imobiliária que ‘travestis’ não tivessem acesso ao imóvel, razão pela qual estava muito ‘chateado’ com a situação.”

Além disso, a magistrada destacou que houve “abalo a direitos de personalidade”, pois a autora, vindo de outro estado, teve sua expectativa de residir na Capital paulista frustrada em razão de preconceito.

“É claramente perceptível que, ao impedir a concretização do contrato de locação, o proprietário acabou por reafirmar estigmas sociais de modo pérfido, cerceando um sujeito de direitos de sua livre esfera negocial e o privando de acesso a imóvel que seria destinado à sua moradia temporária.”

Riscos até para saúde

A psicóloga Maria Rafart explica que a divisão na sociedade, que admite apenas a existência binária, dos gêneros masculino e feminino, não dialoga com outras vivências, sejam elas trans ou não-binárias. “Todas as outras condições que estivessem fora destes códigos sociais, como diferentes gêneros ou orientações sexuais, eram consideradas [há tempos] como doenças e aberrações de caráter a serem corrigidas.”

“A história da aceitação da diversidade é cheia de perseguições e injustiças, e somente há duas gerações é que os movimentos sociais desta mudança têm mais destaque. Logo, há pessoas que ainda possuem dentro de si ideias binárias, heterocêntricas e androcêntricas – o que vai desaguar, no fim, em manifestações homofóbicas e transfóbicas”, explica a especialista.

Um dos problemas que podem ser gerados por essa falta de acolhimento é a “prisão psíquica”, onde a pessoa passa a ter medo de si próprio e dificuldade em enxergar quem realmente é, conforme esclarece a psicóloga.

“Frequentemente pessoas LGBTQI+ relatam que tiveram grandes dificuldades, muitas vezes desde a infância, em assumir a sua condição para si mesmas – tinham medo da decepção da família heterocêntrica, medo da rejeição da sociedade, medo de não receber apoio, e medo do abandono”, afirma Maria.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative

Edição: Roberth Costa
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

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