No Dia da Visibilidade Trans, mulher trans é assassinada em Contagem

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Michelle Almeida foi assassinada no Dia da Visibilidade Trans (Reprodução/@DudaSalabert /Facebook + Reprodução/Google Street View)

Michele Almeida, de 45 anos, entrou para a infeliz estatística de pessoas transexuais assassinadas. Com marcas de crueldade, ela foi morta a facadas e teve o corpo abandonado às margens da avenida Tereza Cristina, no bairro Vila São Paulo, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. O assassinato volta a reforçar a violência contra pessoas trans: Minas é o quarto estado do Brasil com mais mortes desse público em 2020.

“Mataram a facadas a Michele Almeida, minha colega e aluna da ONG Transvest. Facadas no pescoço… Ela era uma trans calma e meiga. A facada rasgou todo o pescoço dela”, lamentou, em publicação nas redes sociais, Duda Salabert, idealizadora da ONG Transvest, primeira pessoa trans eleita vereadora em BH e a mais votada da história na capital mineira.

Os ferimentos citados por Duda foram constatados pelos policiais que atenderam a ocorrência. Conforme o registro, a vítima estava em um matagal e apresentava profundas perfurações na região do pescoço, além de cortes nas costas. Quando os policiais chegaram, encontraram muito sangue e insetos ao redor da vítima.

O corpo de Michele foi reconhecido após o irmão dela ir ao IML (Instituto Médico Legal) ontem (31), visto que a familiar estava desaparecida. A execução, conforme lembrou Duda Salabert, “aconteceu justamente no Dia Nacional da Visibilidade Trans“.

Mataram a facadas a Michele Almeida, minha colega e aluna da @ongtransvest . Facadas no pescoço…Ela era uma trans…

Publicado por Duda Salabert em Domingo, 31 de janeiro de 2021

Mais angústia

Além de lidar com a morte cruel da parente, a família de Michele ainda precisou lidar com a falta de instrução de profissionais do IML para conseguir fazer o reconhecimento e liberação do corpo. “Ele [o irmão da vítima] me disse que o IML está burocratizando a liberação do corpo, pois, segundo o IML, ‘é um homem com documento de mulher, então tem que fazer outros processos'”.

A liberação do corpo aconteceu na manhã desta segunda-feira (1º), após intervenção de Duda. “A direção do IML me ligou e vamos fazer uma reunião com o instituto, a Polícia Civil, o Ministério Público para episódios como esse não se repitam, já que é uma tradição do IML burocratizar a retirada e o reconhecimento de pessoas trans”, disse, em entrevista ao BHAZ.

A vereadora relatou a angústia da família que não conseguia a liberação para se despedir da parente. “A mãe da Michele estava quase infartando de sofrimento e angústia, segundo o irmão dela me contou”. Michele deu entrada no IML sem identificação, pois, segundo a ocorrência, não portava documentação.

Procurada pelo BHAZ, a assessoria da Polícia Civil – responsável pelo IML – reforçou que o corpo chegou ao instituto sem identificação e, tão logo um documento de identificação foi apresentado, a liberação foi autorizada. “Na ocasião [sexta-feira], os familiares foram orientados e, nesta manhã (1º), foram novamente contatados e então compareceram ao IML com a documentação solicitada permitindo, assim, a liberação do corpo que foi retirado pela funerária”, diz, em trecho da nota (leia na íntegra abaixo).

Nenhum suspeito de cometer o crime foi preso até o momento.

Homicídio aumenta

O Brasil registrou no último ano pelo menos 175 assassinatos de pessoas trans. O número é 41% a mais do que o registrado em 2019, quando 124 trans foram mortas. Os dados são do Dossiê Assassinatos e Violência Contra Travestis e Transexuais Brasileiras em 2020, produzido pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil) e IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação).

Minas Gerais, segundo o estudo, é o quarto estado da federação com o maior registro de mortes: 17. O número é mais do que triplo do registrado em 2019, quando cinco pessoas foram assassinadas. O estado com mais morte de trans em 2020 foi São Paulo, com 29, seguido do Ceará (22) e Bahia (19).

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Dados dos Assassinatos de pessoas trans no Brasil entre 2008 e 2020 (Reprodução/Antra)

Duda repercute os dados apontados pelo levantamento. “A violência aumentou e a brutalidade também. Segundo este estudo, 77% dos assassinatos acontecem com violência exagerada, assim como aconteceu com Michele. Na maioria dos casos, as mortes acontecem nos espaços públicos, justamente o espaço utilizado por essas pessoas para se prostituírem”.

Para acontecer uma mudança no cenário, a vereadora de BH defende a empregabilidade destas pessoas. “A sociedade precisa entender a importância de contratar pessoas trans. O emprego é o primeiro requisito para combater esta estrutura odiosa que existe”, finaliza.

Nota da Polícia Civil

“A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que procura promover a liberação de corpos de toda e qualquer vítima, de forma célere e solidária com os familiares da vítima. Todavia, é necessário seguir os trâmites administrativos legalmente impostos evitando problemas com os procedimentos cartoriais e funerários. No caso da vítima no caso demandado, o corpo deu entrada no Instituto Médico Legal Dr. André Roquete (IMLAR), sexta-feira (29/1), sem identificação e após a necropsia e o reconhecimento pelos familiares, a única pendência para a liberação seria a apresentação de um documento original e legível de identificação da vítima. Na ocasião, os familiares foram orientados, e, nesta manhã (1/2), foram novamente contactados e então compareceram ao IMLAR com a documentação solicitada permitindo, assim, a liberação do corpo que foi retirado pela funerária”.

Edição: Thiago Ricci
Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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