Empreendedores negros assumem protagonismo e resgatam valores: ‘Povo forte’

Amanda Dias/BHAZ

Proposta aceita e negócio fechado. O contato, até então feito por e-mail, era regado de profissionalismo e respeito. No dia do encontro, no entanto, toda igualdade transformou-se em dúvida: ‘Mulher? Negra? Empresária?’. Dandara Elias precisou mostrar seu currículo, com cursos, graduações e credenciais para que pudesse ser vista, de fato, como empreendedora que é. A mineira faz parte da população que busca no afroempreendedorismo o protagonismo dos negros no mundo dos negócios.

Um intercâmbio à África do Sul, há cinco anos, trouxe a Dandara uma nova perspectiva a respeito dos problemas raciais existentes no Brasil. O preconceito, antes naturalizado, se transfigurou em força materializada na criação do grupo empresarial ‘Todo Black É Power’. A mensagem carregada pelo nome do grupo é repassada pelas ações da empresa, que busca demonstrar que todo preto tem poder com todos os seus valores e crenças naturais.

“Todas as nossas ações culminam para nos ajudar a compreender a mensagem do ‘todo black é power’. Hoje nosso grupo empresarial, que engloba o salão de beleza, o único afro shop do país e uma escola de empreendedorismo, tem a missão de emancipar a população negra com base no empoderamento estético, cultural e econômico. Porque a gente entende que dinheiro é poder, então é necessário que os negros tenham poder nesse país. E se é o dinheiro que vai dar poder, a gente vai atrás dele”, afirma Dandara em entrevista ao BHAZ.

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Sufocados também com o sentimento de não pertencimento em uma sociedade racista, José Lucas Ramalho, Warley Barros e Fernando Rodrigues, fizeram da indignação um propósito: construir o primeiro afro pub da capital mineira. O Back to Black – Afro Pub foi criado e ressalta a importância do afroempreendedorismo. Além disso, também enaltece e resgata em suas cores, cardápio e música a negritude e ancestralidade.

“A back é um lugar para que você venha e se sinta bem e se sinta aceito. Aqui você não vai receber os olhares que nós pessoas negras estamos acostumados a receber durante toda nossa vida em alguns espaços que dizem que você não os pertence”, garante José Lucas Ramalho, sócio-fundador do Back to Black.

Os três sócios ainda ressaltam a coragem exigida para a criação de um espaço que exalta a cultura afro, em meio ao racismo cotidiano. “Foi exigido coragem de nós mesmos, para abrir um espaço para exaltar as pessoas e para exaltar a cultura negra, porque poderíamos ter aberto um pub normal, mas quisemos abrir o afro pub, nós optamos por afrontar e mostrar o quão belo é a nossa cultura. A frase ‘back to black’ vem da referência de resgatar a negritude e o que a gente tem de melhor da nossa raiz”, afirma o sócio-fundador Fernando Rodrigues.

Quem o seu dinheiro empodera?

Surrealidade é o sentimento de Warley, José Lucas e Fernando diante do empreendedorismo negro. A explicação para tamanho choque está estampada em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Uma pequisa realizada entre 2016 e 2018 mostra a desigualdade na distribuição de cargos gerenciais entre brancos e negros: somente 29,9% das posições eram desempenhadas por pessoas pretas ou pardas.

“É muito surreal ver esse empreendedorismo negro acontecendo, porque esse é um projeto de quase dois anos, e nós já passamos por outros lugares e a gente nem pensava em ser empreendedor. Eu sempre tive que ser o melhor em todas as minhas profissões, não bastava ser bom, eu tinha que ser o melhor. Então estar aqui e ver tudo acontecendo, empregando as pessoas e fazendo esse dinheiro rodar entre pessoas negras é uma satisfação muito grande. Gostinho que a gente está chegando lá, juntos”, diz Warley, um dos sócios-fundadores ao BHAZ.

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O afroempreendedorismo apresenta uma nova visão para quem enxerga pessoas negras como marginalizadas e incapazes. Segundo o presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Gilberto Silva, o racismo estrutural e institucional se enfraquece com o crescimento de negros ocupando todos os setores, como os empresariais.

“Ele é importante sobretudo na questão de empoderamento das pessoas negras que são marginalizadas pela sociedade e sempre colocadas em subempregos. Então reafirmar a presença das pessoas negras em todos os setores empresariais da sociedade é importante para a busca dessa igualdade racial tão perdida no Brasil”, diz Gilberto em entrevista ao BHAZ.

Reafirmando a origem do afroempreendedorismo, Dandara, diretora do Todo Black É Power, destaca também a importância da circulação do dinheiro entre a comunidade negra. “Quando teve a abolição da escravatura, ficamos sem emprego, sem comida, sem nada. Então a gente só sobreviveu por ser extremamente empreendedor, e ser empreendedor é criar solução para um problema que está ali. Então nós somos frutos dessa resistência, desse empreendedorismo”, diz.

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O sócio-fundador da Back to Black, Warley Barros, traz também em sua fala a importância de ocupar tal lugar. “Temos que compreender cada vez mais que nosso povo é muito forte, muito lutador e são essas as características de um empresário. Pra você ser empresario hoje no Brasil, você tem que ser ser guerreiro e isso é a primícia do movimento. Então está mais do que na hora de tomar os lugares que são pra gente mesmo”, afirma.

O Movimento Black Money caracteriza essa inserção e autonomia da comunidade negra no mercado empreendedor. Um de seus pilares traz o trabalho de disseminação da filosofia de descrença dos poderes e intenção do Estado no sentido de justiça e equiparação racial. Além disso, promove a promoção do associativismo entre empreendedores negros e comunidade negra a fim de fortalecer o afro consumismo.

“É necessário pensar em quem seu dinheiro empodera, então é necessário fazer com que o dinheiro circule mais entre pessoas negras. Um dólar circula um mês na comunidade chinesa, 1 dólar circula uma semana na comunidade judaica, e 1 dólar só circula um dia na comunidade negra. Então é muito importante que a gente aprenda a gerir nosso dinheiro e compre coisas que nos representem, não só no produto mas em toda estratégia que esta por trás”, finaliza Dandara.

Amanda Dias/BHAZ

Em busca de mais espaço

Embora parte da população negra tenha encontrado no afroempreendedorismo uma forma de enfrentar o racismo, a lacuna ainda é presente na vida da maioria da população negra. Ainda segundo dados do IBGE, em pesquisa realizada entre 2016 e 2018, a população preta ou parda representava 64,2% dos desocupados e 66,1% dos subutilizados. A desigualdade persistia mesmo quando considerado o recorte por nível de instrução.

Curadora do FAN (Festival de Artes Negras), Rosália Diogo considera o evento um movimento de luta que resiste ao completar 24 anos. Mas diz que ainda existe uma qualificação muito maior a ser alcançada. “Ainda existe um racismo institucional muito grande e encontramos ele em todos os locais que transitamos e essa é uma barreira que temos que ultrapassar através de qualificações de políticas públicas”, afirma ao BHAZ.

“Os desafios são cotidianos e poucos conseguiram ultrapassar o sistema estruturado em cima do racismo. Este racismo institucional faz com que você encontre a maioria de pessoas negras em cargos de subalternização.
A gente pode mais, a problemática está no preconceito que é limitador por exemplo na hora de fazer um investimento financeiro. A hierarquia de cargos ainda é muito grande e disfarçada pelo discurso de meritocracia. Como pode ser meritocracia se as condições não são iguais?”, diz Rosália.

Amanda Dias/BHAZ

No cenário de enfrentamento do racismo institucional, em BH, há a atuação efetiva da unidade de Políticas para a Igualdade Racial, ligada à Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania. Segundo Makota Kisandembu, diretora da unidade, foi criado um programa amplo de capacitação de servidores públicos para direcioná-los a executarem um atendimento de qualidade e livre de preconceitos.

“Desde então existe um retorno da população sobre a melhora do atendimento. A ideia é finalizar o programa entregando pros servidores um material orientador com bastante conteúdo para que essa luta perpetue e se infiltre cada vez mais na sociedade”, diz Makota em entrevista ao BHAZ.

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