Uma casa e muitas histórias. Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, tem um imóvel tombado como patrimônio histórico. Só que engana-se quem pensa que é uma construção como outra qualquer. Trata-se da Casa dos Cacos – o nome já sugere e é bem isso: totalmente decorada com pequenos fragmentos de louça e cerâmica.
O espaço localizado no bairro Bernardo Monteiro está em obras de restauração, iniciadas em maio deste ano, e o BHAZ foi conhecer a história da edificação. A casa encanta pela beleza, mesmo diante da reforma que passa. De cara, a elefanta Fifi “recepciona” o visitante.
Do chão até o teto, lá estão os cacos formando belos mosaicos que encantam pessoas de todas as idades. Tudo fruto da “arquitetura orgânica” do geólogo Carlos Luís de Almeida.
“A Casa dos Cacos é muito singular e única. Trabalho de poeta e de uma vida. Começou a ser construída na década de 1960 e se estendeu por quase 30 anos. Seu Carlos tinha amor por ela”, conta Monique Pacheco, secretária de Cultura de Contagem, em entrevista ao BHAZ.
O começo de tudo
O imóvel foi comprado logo depois do geólogo ter se aposentado e, inicialmente, seria um lugar para a família passar os finais de semana, já que era uma casa de campo.
“Quando o Carlos aposentou, começou a fazer mosaicos na varanda da própria casa, no bairro Carlos Prates, em Belo Horizonte. Ele fazia a decoração em um corredor. Assim que comprou o imóvel, em Contagem, passou a desenvolver o talento por lá”, revela Lúcio Honorato, assessor da Secretaria de Cultura.
Carlos trazia os cacos, desembarcava na estação ferroviária e contava com a ajuda das crianças para chegar até a casa: “Dizem que ele era uma pessoa muito sociável. As pessoas iam até ele e levavam cacos. Ele ainda ia até o baixo centro e ganhava doações dos donos de lojas de louças”.
A casa foi tomando forma aos poucos, e Carlos contava com a ajuda de várias pessoas para atingir o objetivo. Tudo na casa leva cacos, do rolo de papel higiênico, da toalha do banheiro, até a televisão e o telefone.
Tudo ‘espontâneo’
“A casa foi feita detalhe por detalhe. Não teve um projeto. Ela é uma arquitetura orgânica e espontânea, feita de acordo com as coisas que chegavam. Tem desde o prato dado por vizinho até louça da esposa do ex-presidente Ernesto Geisel. O Carlos tinha contatos com pessoas famosas e políticos”.
Juscelino Kubistchek é um dos políticos que já passaram pela casa e deixou até mesmo uma carta sobre a visita.
“Meu caro amigo Carlos, ao visitar a sua Casa de Cacos, quando aí passei, galvanizou-me o coração sentimental e a alma tornou-se imensamente inefável pela elevada beleza inaudita que veio estuar-me e encantar-me, deixando-me profundamente sensibilizado”, comentou o ex-presidente do Brasil.
Carlos era uma “pessoa excêntrica”, conforme define Lúcio. Isso fez com que fosse até mesmo no programa do Chacrinha. Uma vez, começou a usar uma roupa de cacos, mas teve deixá-la de lado por conta dos ferimentos que provocava, além do peso.
Restauração
A Casa dos Cacos foi comprada pela Prefeitura de Contagem em 1991 e tombada como patrimônio no mesmo ano. O espaço está fechado para visitas desde 2005 devido à necessidade de reformas. Em maio deste ano, o imóvel começou a ser restaurado. A previsão de término é no primeiro semestre de 2022.
“A cidade deu a casa como perdida e pensando que ficaria na lembrança. A reforma deste patrimônio é muito esperada. Brinco que a empreiteira que pegou a obra é corajosa, porque não é apenas uma reforma. Tem que pegar caco por caco, mexer na estrutura e manter tudo da forma como era”, destaca Monique.
O projeto, além de restaurar a estrutura física do imóvel e dos elementos decorativos que compõem a casa, pretende construir, nos fundos, um anexo com um café, um espaço administrativo e um mirante que vai proporcionar uma vista panorâmica do local.
As obras de restauração estão orçadas em R$ 2,4 milhões com financiamento da Caixa Econômica Federal.
‘Memória afetiva’
“A Casa dos Cacos mexe com a memória afetiva das pessoas. É muito comum ouvir relatos de quem foi lá em excursão de escola, por exemplo. Existem múltiplas histórias na casa. A importância da obra vem pela questão afetiva e busca da identidade”, lembra Lúcio.
Durante os trabalhos de reforma foi encontrado um “cemitério de cacos” nos fundos da casa. “Encontraram uma fossa cheia de cacos usados na casa. A partir destes restos foram completadas algumas lacunas que existiam”, conta a secretária de Cultura.
Com o fim das obras na Casa dos Cacos, a Prefeitura de Contagem pretende fazer com que o espaço seja ainda mais conhecido.
“O espaço é muito fantástico e queremos que o Brasil e o mundo o conheçam. Este ponto turístico tem que ser revisto e revivido pelas novas gerações. Reformar é a primeira parte do processo, depois temos que dar ‘vida’ e funcionamento”, complementa a secretária.
A Casa dos Cacos fica na rua Ignez Glanzmann de Almeida, 132, no bairro Bernardo Monteiro, em Contagem.