Que o Halloween tem caído no gosto dos moradores de Belo Horizonte não dá pra negar. E ainda que a festa tenha sido “importada” dos Estados Unidos, país em que a celebração é praticamente sagrada, exemplos de contos de terror tipicamente belo-horizontinos não faltam. São dezenas de histórias de assombrações que, ainda que pouco conhecidas, narram memórias importantes da cidade.
A professora de história da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Heloísa Murgel Starling, há anos se dedica a pesquisar a origem e os “rastros” deixados pelos fantasmas de Belo Horizonte. Para ela, esses personagens tão curiosos têm o papel fundamental de contar a história íntima e imaginária da cidade.
“Os fantasmas são fragmentos de memória, eles contam a história. Eles são rastros e estão dizendo para nós que alguma coisa aconteceu aqui. Uma cidade que é constante ‘construção e destruição’, como Belo Horizonte, ela precisa gerar fantasmas para preservar os seus rastros”, explica a historiadora ao BHAZ.
Com a ajuda de Heloísa e da escritora de suspense Paloma Bernardino, o BHAZ listou alguns personagens curiosos e aterrorizantes que ajudaram a construir e a entender a história da capital.
Loira do Bonfim
Uma das lendas mais populares da cidade diz respeito a uma moça loira que tira o sono dos taxistas que rodam pela região Noroeste da cidade. Conhecida como “Loira do Bonfim”, a figura fantasmagórica é vista normalmente a noite e pede uma ajuda um tanto quanto inusitada.
“Ela era uma moça muito bonita, loira, que pedia carona para os taxistas até o bairro do Bonfim. Quando eles chegavam até o endereço, a loira sumia misteriosamente. De repente, quando reparavam a localização, eles estavam bem em frente ao Cemitério do Bonfim”, explica a escritora Paloma Bernardino.
Ao BHAZ, a pesquisadora conta que seus avós trabalhavam no Cemitério do Bonfim, que foi a primeira necrópole de Belo Horizonte. Por isso, para ela a história da “Loira do Bonfim” tem um gostinho familiar e bastante especial. “A minha avó cresceu em meio ao cemitério, porque o meu avô não tinha com quem deixar os filhos. Então minha mãe sempre me contava essas histórias”, explica Paloma.
E a relação com a lenda foi tão marcante em sua vida que acabou se transformando em livro. Baseado na lenda, o e-book “Noiva Entre Túmulos”, escrito por Paloma, conta a história de uma personagem feminina forte que busca quebrar os estigmas patriarcais de sua época.
“Eu achava muito interessante e ficava me perguntando ‘mas poxa, por que que essa moça assustava as pessoas, por que ela desaparecia?”. Então pensei que seria legal fazer um livro inspirado na lenda, não só pra trabalhar a questão da mulher, uma questão mais feminista, mas também trabalhar com uma história que seja local”, explica.
Fantasma do Palácio da Liberdade

Outra fantasma belo-horizontina que tem muita história pra contar é a da Maria Papuda, famosa por assombrar os governadores de Minas no Palácio da Liberdade, na região Centro-Sul da capital. De acordo com a historiadora Heloísa Starling, a figura aparece para cobrar justiça àqueles que tiveram suas propriedades destruídas em prol da construção de Belo Horizonte.
“O palácio está exatamente em cima de uma casa do antigo Curral del Rei. Nessa casa morava uma mulher conhecida como ‘Maria Papuda’, existem fotos que mostram ela e os filhos por lá. Daí nasceu a lenda de que ela aparece no Palácio da Liberdade, apenas para os governadores. E aquele que a enxergar, morre”, conta.
Coincidência ou não, ao menos dois governadores de Minas já morreram dentro do palácio. Um deles foi Raul Soares, governador entre 1922 e 1924, que sofreu um ataque cardíaco enquanto tomava banho.
“A morte dele foi tão convincente do ponto de vista ‘fantasmagórico’ que o Tancredo Neves se recusava a dormir no Palácio. Existe até uma lenda de que o Juscelino Kubitschek mandou criar o Palácio das Mangabeiras pra não ter que dormir lá”, conta a historiadora.
Avantesma da Lagoinha

(Moisés Teodoro/BHAZ)
Um fantasma que foi bastante famoso no século passado, mas que acabou caindo no esquecimento é o “Avantesma da Lagoinha”. Conforme conta Heloísa, ele é uma criatura disforme que aparecia na região Noroeste de Belo Horizonte, na época em que a cidade era cortada por linhas de bonde.
“Ele aparecia chorando compulsivamente, lamentando tudo o que ele perdeu na sua história. Ele então se senta na linha do bonde e o bonde descarrilha. Desde que se popularizou essa história, os motoristas passaram a andar ali de noite com o maior cuidado do mundo”, conta.
Enquanto pesquisava sobre a assombração, a historiadora disse que conversou com vários motoristas no complexo da Lagoinha, que confirmaram a presença de uma “energia diferente” no local. “Eles me diziam: ‘É, tem uma coisa esquisita ali no viaduto, professora! A senhora tem toda razão! Se até a senhora acredita, por que eu não?'”, relembra ela, entre risadas.
E só de colocar os pés naquele bairro, para Heloísa, logo ficou claro o papel do Avantesma da Lagoinha. “Quem mora ali é a parcela pobre da cidade, muitas vezes embaixo dos viadutos, e lá eles são invisíveis. Por isso eu acho bom que o avantesma apareça, para tornar visível essa dor”, conta.
Moça-fantasma da Savassi

(Amanda Dias/BHAZ)
Uma das assombrações mais melancólicas da cidade certamente á a “Moça-fantasma da Savassi”. Tema de poesia do Carlos Drummond Andrade, a lenda conta a história de uma mulher que morreu jovem, sem tempo de viver uma história de amor. Por esse motivo, ela desce a Serra do Curral e vai até a Savassi em busca dos amores perdidos.
“Você sabe que a ‘Moça-fantasma’ vai se materializar na sua frente, porque quando você anda de madrugada ali na Savassi, você sente um forte perfume de dama da noite ou de magnólia. Esse é o sinal que ela dá de que vai aparecer e te cobrar os amores que você perdeu”, explica a pesquisadora.
“Ela só vai até a rua Ceará, não chega até o centro da cidade. Quando o Sol começa a nascer, ela volta pra Serra do Curral e as pessoas que vêem ela passar acham que é só uma nuvem”, acrescenta.
Em busca de provas da aparição da “Moça-fantasma”, Heloísa foi pessoalmente caminhar pelo bairro Funcionários. No entanto, sua experiência “fantasmagórica” ficou restrita ao perfume das magnólias e damas da noite, árvores bastante numerosas naquela região.
“Eu fui andar de madrugada pra ver, mas ela não me deu a confiança. Esse negócio de ser historiador tem essa desvantagem, os fantasmas não dão confiança pra gente”, brinca.