Ex-funcionário denuncia comentários racistas de dono de empresa em BH: ‘Senzala subiu de patamar’

Racismo
Diretor teria chamado o funcionário de ‘criolo’ mais de uma vez (FOTO ILUSTRATIVA: Joca Duarte/Creative Commons)

Um homem negro de 37 anos denuncia o dono da empresa em que atuava com contabilidade, em Belo Horizonte, por uma série de comportamentos e comentários de cunho racista feitos no ambiente de trabalho. O economista entrou com pedido de rescisão indireta pouco antes de completar um ano na empresa, e agora procura a Justiça para lutar por seus direitos.

O homem, que pediu para não ser identificado, contou ao BHAZ que o diretor-geral da empresa do ramo de mineração em que ele trabalhava o chamou de “criolo” mais de uma vez. Já a empresa, que não terá o nome divulgado por causa de processo judicial em andamento, nega qualquer acusação.

Formado em economia e em ciências contábeis, o denunciante entrou na empresa em outubro de 2020. Ele conta que, ainda na entrevista de emprego, funcionários o advertiram dizendo que o diretor era “um pouco ríspido e difícil de lidar”, mas que os dois não manteriam muito contato no dia a dia.

Comentários racistas

Cerca de 15 dias depois do início do seu trabalho na empresa, o homem encontrou o dono do empreendimento pela primeira vez. “Ele chegou e todo mundo ficou apreensivo. Entrou na sala dele, mas pouco depois voltou para a sala onde eu ficava com meu gestor e outras duas pessoas”, relata.

Segundo o profissional, o diretor se apresentou para ele e para outra funcionária que havia entrado recentemente, além de cumprimentar os outros trabalhadores. Pouco depois, ele teria voltado à sala do setor e se dirigido ao economista.

“Ele me chamou e disse, ‘aqui, você já ouviu falar que existe uma raça de cavalo chamada crioulo?’. Eu não entendi, disse que nunca tinha ouvido falar e ele deu uma risadinha de deboche. Logo depois disso, eu fiquei abalado e achei muito estranho, mas relevei”, conta.

Ao longo dos meses seguintes, o ex-funcionário manteve pouco contato com o dono da empresa. Em uma das poucas interações entre os dois, o diretor teria feito outro comentário de cunho racista, dessa vez direcionado a mais trabalhadores negros.

“Dois outros funcionários do setor em que eu trabalhava também são negros. Um dia, ele passou pela nossa sala, que fica no segundo andar, e disse, ‘é, tô vendo que a senzala subiu de patamar’, deu uma risada e entrou na sala dele”, relata.

Em outra ocasião, o dono da empresa ainda teria ficado surpreso ao descobrir o nome do economista, comentando: “nunca vi criolo com esse nome”.

O estopim

Já no dia 29 de setembro, depois de poucas interações entre os dois ao longo do ano, o comportamento do dono da empresa foi a gota d´água para que o economista parasse de aceitar a situação calado e pedisse demissão.

“Ele estava nervoso com algo da empresa, entrou, não cumprimentou ninguém e foi para a sala dele. Eu fico de costas para a sala, e depois de uns dois minutos ele falou: ‘ô, criolo, vem cá, tô querendo falar com você'”, começa.

“Eu não acreditei naquilo, não acreditei que ele estava falando comigo. Chamei uma colega, perguntei: ‘será que ele usou esse termo comigo mesmo?’. Ela se fez de desentendida, mas era óbvio que era comigo, porque não tinha mais nenhum homem na sala no momento”, conta.

Depois de processar a informação, ele se levantou e foi até a sala do diretor, que pediu que ele se sentasse. Conforme o relato, o dono da empresa teria pedido que o economista fizesse um trabalho para ele, já que outro funcionário não estaria desempenhando o papel do jeito certo.

“Eu saí da reunião transtornado, liguei para a minha esposa e ela disse que era um crime ele me chamar daquele jeito. Pouco depois, encontrei com ele [o diretor] na escada e ele disse: ‘é, criolo, é a primeira vez que tô dando alguma coisa pra você fazer, vamos ver se não vai me decepcionar e se vai fazer direito. E depois ainda tem pessoas que me chamam de racista'”, detalha.

A partir de então, o economista já não conseguia mais trabalhar e decidiu que, depois que o expediente acabasse, não voltaria mais para a empresa. Ele diz que contou o que aconteceu para o gestor do setor, que teria concordado com sua decisão de deixar o emprego.

Abalo e justiça

Quando chegou em casa depois daquele dia, ele recebeu o apoio da esposa, que o incentivou a denunciar formalmente o ocorrido. Ele registrou boletim de ocorrência no dia 30 de setembro e, pouco depois, procurou o advogado Gilberto Silva.

O economista conta que, em 37 anos, nunca tinha passado por nenhuma situação parecida. Até hoje, ele segue muito abalado pelo ocorrido e agora busca seus direitos. “Quando eu me lembro, fico até nervoso, realmente não é justo. Não quero que isso aconteça com ser humano nenhum, independentemente do tipo de crime que for”, desabafa.

Gilberto Silva, que representa a vítima, afirmou que todas as providências cabíveis estão sendo tomadas. Procurada pelo BHAZ, a empresa do ramo de mineração declarou que desconhece as denúncias e nega qualquer ocorrido.

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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