Conheça a fantástica história do homem por trás das 200t de donativos em Brumadinho: ‘Ajudar é minha vocação’

Especialista em logística humanitária em desastres, Douglas Sant’Anna foi voluntário em Mariana, em 2015, e acabou contratado pela prefeitura de lá; doações em Brumadinho, organizadas por ele (Arquivo Pessoal/Divulgação+Defesa Civil/Divulgação)

A solidariedade da sociedade civil brasileira e mineira ultrapassou 200 toneladas de donativos em oito dias após o rompimento da barragem 1 e de duas outras estruturas – 4 e 4A – da Mina Córrego do Feijão, da empresa Vale S.A., em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, em 25 de janeiro.

A Defesa Civil do município registrou a doação de 27 toneladas de alimentos/leite, 159 toneladas de água (159 mil litros), duas toneladas de roupas, 11 toneladas de material de limpeza e 870 quilos de alimentação animal. As informações são da Defesa Civil e foram contabilizadas de 25 de janeiro a 2 de fevereiro.

E, nos bastidores de toda essa solidariedade, uma história fantástica, de um homem que se define assim: “Ajudar é minha vocação”. À frente do trabalho de organizar e contabilizar os donativos está um fluminense de 34 anos, especialista em logística humanitária de desastres, que atuou na tragédia de Mariana, em 2015, e hoje mora na cidade mineira.

Nascido em Resende (RJ), Douglas Sant’Anna da Cunha é formado em logística empresarial. Ao longo dos anos, chamado para auxiliar em tragédias e por vontade própria de se voluntariar, acabou se especializando em logística humanitária. Segundo ele, ‘por um chamado de vida’.

“Me formei em 2006 e, depois da graduação, fiz vários cursos de especialização em logística operacional. Pensava em trabalhar em uma indústria e seguir a vida, mas, em 2011, meus colegas da Academia Militar Agulhas Negras, onde eu atuei como soldado, me chamaram para ajudar nos acidentes climáticos na Região Serrana do Rio. Quando cheguei lá, vi que não havia uma ordem de receber os donativos. Então, usei meus conhecimentos de logística para ajudar”, conta.

A partir daí, Douglas sentiu que algo mais forte o chamava para atuar nessa área e passou a estudar sobre como trabalhar em desastres. Em 2013, atuou no Espírito Santo. “Vi tanta coisa, que acabei em depressão. Daí, decidi canalizar essa energia para ajudar nas tragédias, usando meu conhecimento e fazendo com que a logística ajudasse as pessoas. Já cheguei a ser cadastrado em 27 instituições no Brasil e quatro no exterior, como especialista em logística humanitária”, revela.

Voluntário em Mariana, em 2015

Em novembro de 2015, quando soube da tragédia da mineradora Samarco que se abateu sobre os povoados de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e se alastrou até chegar ao Espírito Santo, Douglas não pensou duas vezes: se voluntariou para ajudar.

“Mariana teve similaridades com Brumadinho, mas muitas diferenças. Em Mariana, o problema atingiu vários municípios e muitas pessoas, cerca de 470 famílias ficaram desalojadas, ou seja, mais de 1 mil pessoas. Aqui, em Brumadinho, a maioria dos afetados morreu. Então, nesse sentido, foi diferente. Lá, tínhamos de fazer toda a logística do que tínhamos em estoque – água, comida, roupas, material de limpeza – para ajudar as pessoas de imediato e fazer o provisionamento para os meses seguintes”, conta.

Douglas passou quatro meses em Mariana. “Num desastre como esse, é preciso não apenas receber e distribuir os donativos, mas fazer todo o estoque considerando as áreas secas, longe de uma possível contaminação, de modo que não atraia animais peçonhentos e roedores, enfim, uma série de variáveis. Depois disso, é necessário contabilizar o que foi recebido, cruzar os dados com o número de pessoas necessitadas, e fazer um planejamento, afinal, há as pessoas atingidas diretamente pelo problema e outras que vão ser impactadas, indiretamente. E elas também devem ser contempladas. O processo logístico deve prever tudo isso”, explica.

Depois de quatro meses em Minas, Douglas voltou para Resende e, em 2016, foi chamado para receber um prêmio concedido pela Prefeitura de Mariana. “Daí, me convidaram para atuar lá, ser funcionário e tudo. Larguei minha cidade, minha família e fui. Hoje, atuo como coordenador de Almoxarifado e Patrimônio da Prefeitura de Mariana. Minha mulher e filho chegaram há um ano. Nos momentos aqui em Brumadinho de tristeza, de ver a dor das pessoas, eu me mantinha forte e pensava que tudo ia se acertar, mesmo sem saber quando e como”, conta.

Comoção nacional

Segundo Douglas, o brasileiro é solidário e se comove a partir do noticiário da imprensa, mas os donativos chegam nos primeiros dias e, depois, cessam, à medida que as notícias vão se arrefecendo também. O trabalho de logística prevê isso e faz o planejamento dos alimentos que estão próximos do vencimento e do que está faltando.

“Quando ocorre um desastre, a predominância de donativos é de água e roupa. A roupa é complexa, pois é preciso deixarmos em condição de uso e as peças têm muitas peculiaridades. E as pessoas pensam: “Vou mandar um saco de roupas que vão servir para alguém”, e nem sempre é assim. Há roupas que chegam sujas, sem condições de uso… Então, não é deixar de lado a questão humanitária, mas otimizar a doação e procurar saber o que de fato aquela localidade está precisando receber”, observa.

Em Brumadinho, o ginásio poliesportivo concentrou o recebimento, organização e estocagem dos donativos, de onde Douglas se despede nesta quarta-feira (6). Quando falou ao BHAZ, ele estava finalizando seus trabalhos, assinando seu termo de cessão da Prefeitura de Mariana ao município de Brumadinho, para ir para casa.

“Acredito que há trabalhos que alimentem o corpo e que envolvem dinheiro, status; e os que alimentam a alma. Esse é meu caso. Atuar nessa área é minha missão de vida, tenho certeza”, conclui.

Distribuição do excedente

Procurado pelo BHAZ, o Servas – responsável pelo atendimento de demandas enviadas pela Defesa Civil Estadual relativas às doações e ao trabalho de voluntariado -, informou que os donativos excedentes em Brumadinho começaram a ser enviados para instituições sociais de todo o Estado, a fim de evitar perecimento. A prioridade serão instituições em vulnerabilidade socioambiental. O cadastramento de voluntários que foi feito na semana passada foi interrompido, uma vez que eles já atuaram nas ações necessárias.

O Servas informou ainda que essas ações foram adotadas na zona quente e média da área atingida. “O município é muito extenso e, com certeza, há voluntários atuando com parte da comunidade da região, mas não necessariamente nas áreas de busca. Nesses pontos, somente podem estar pessoas autorizadas pela Defesa Civil ou bombeiros”, destacou.

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