‘Backer se sentia acima do bem e do mal’: Extensão de vazamentos assusta familiares de vítimas

Vazamento tanque backer
Perícia apontou diversos pontos de vazamento na fábrica da Backer (Reprodução/Polícia Civil de MG + Moisés Santos/BHAZ)

“A sensação que a gente tem é que a Backer estava se sentindo acima do bem e do mal”. A fala de Cristiane Assis representa o sentimento de muitos familiares de vítimas do caso Backer que acompanharam, nesta terça-feira (9), a divulgação de detalhes da investigação feita pela Polícia Civil de Minas Gerais. Na coletiva de imprensa, foram apresentadas fotos que mostram diversos pontos de vazamentos identificados na fábrica da cervejaria, localizada no bairro Olhos D’Agua em Belo Horizonte.

O inquérito, com cerca de 4 mil páginas, revela que a contaminação de bebidas por monoetilenoglicol e dietilenoglicol, substâncias tóxicas usadas em processos de resfriamento, aconteceu até mesmo no ano de 2018. Entre os documentos produzidos, constam as perícias realizadas na fábrica da Backer. Fotos e vídeos mostram que um traçador fluorescente percorreu as tubulações para identificar os, até então, possíveis vazamento. Foram localizados dois grandes locais com essas falhas.

O primeiro deles seria o vazamento mais antigo – que explicaria a existência de contaminações no ano de 2018 – e foi constado na bomba e nas tubulações de um chiller, que funcionava como um grande refrigerador por onde passava o mono e o dietilenoglicol. “O segundo ponto que encontramos era dentro de um tanque [adquirido no fim de 2019] onde estava a cerveja e jorrava o tóxico, que se misturava”, contou o delegado Flávio Grossi, responsável pelas investigações.

As fotos da perícia feita com o traçador fluorescente da cor rosa mostram que, de fato, “jorrava” mono e dietilenoglicol na cerveja que estava nesse reservatório – a suspeita é de que houve falha na solda do tanque:

Tanque-Backer
Tanque adquirido em 2019 é um dos pontos de vazamento, segundo Polícia Civil (Reprodução/PCMG)

Apesar das investigações apontarem de forma precisa a origem dos vazamentos encontrados na fábrica, o delegado destacou que o uso de substâncias tóxicas em uma planta destinada à alimentação é o que de fato acarretou a gravidade das intoxicações. Os equipamentos usados na linha de produção da Backer indicavam o uso de etanol e propoetanol, segundo a Polícia Civil, mas a empresa insistia no uso do mono e do dietilenoglicol.

“Bastaria uma simples leitura de três linhas para saber que aqueles equipamentos deviam funcionar com anticongelantes não tóxicos, como álcool”, avaliou o delegado. 

Ao total, o inquérito confirma e lista 29 vítimas da síndrome nefroneural em decorrência do consumo da cerveja da Backer, sendo que sete delas morreram. Outros 30 casos suspeitos estão sob análise.

‘Completa falta de decência’

A extensão dos vários pontos de vazamento, inclusive com potencial para contaminar por completo um tanque com 18 mil litros de cerveja, assustou até mesmo familiares de vítimas. Cristiane Assis, autora da frase que abre esta matéria, perdeu a mãe, Maria Augusta de Campos Cordeiro, de 61 anos, em dezembro de 2019. Moradora de Pompéu, a vítima bebeu Belorizontina no bairro Buritis, em BH, durante uma visita a familiares e apresentou todos os sintomas da síndrome nefroneural, provocada pelo consumo da cerveja contaminada.

“É assustadora [a conclusão de que existiam vazamentos desde 2018], essa é a palavra. Uma completa falta de um processo de qualidade, de decência, de disciplina. Em vários momentos, a Backer falou com a gente que eles faziam os testes, faziam o consumo das amostras. Pessoas que falaram isso e, provavelmente, nem iam até a fábrica. Pelas fotos que a gente viu, pelas imagens, pelos relatos, era uma coisa descabida”, desabava Cristiane.

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Cristiane acompanhou de perto a coletiva e falou com jornalistas para cobrar da Backer assistência às vítimas que conseguiram sobreviver à síndrome nefroneural. “A minha mãe não volta, outras seis pessoas que vieram a óbito não voltarão. Mas precisamos que a Backer assuma agora, definitivamente, uma postura. Sem mais delongas e deméritos, eles têm dinheiro, eles têm como custear e dar esse auxílio emergencial que as famílias precisam”, concluiu Cristiane.

Por meio de nota enviada à imprensa após a coletiva, a Backer informou que “irá honrar com todas as suas responsabilidades junto à Justiça, às vítimas e aos consumidores”. “Sobre o inquérito policial, tão logo os advogados analisarem o relatório, a empresa se posicionará publicamente”, complementou, no posicionamento oficial.

Indiciamentos

Onze pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil de Minas Gerais no inquérito do caso Backer. As investigações foram divididas em dois grupos: produção e pós-produção. Ou seja, aqueles que participavam do processo de fabricação da cerveja e o que aconteceu após a divulgação dos fatos.

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Confira os indiciados:

  • Um funcionário da empresa que fornecia substâncias para a Backer indiciado por falso testemunho e extorsão. Ele exigiu que diretores da empresa de Contagem o pagasse para que ele não revelasse vídeos que mostravam uma suposta sabotagem, que não foi comprovada.
  • Um engenheiro do corpo de manutenção da cervejaria, que se omitiu ou não agiu ao descontrolar a reposição das substâncias tóxicas. Ele responderá por homicídio culposolesão corporal culposa e contaminação de produto alimentício culposa.
  • Seis responsáveis técnicos da produção, que deveriam garantir a qualidade dos produtos foram indiciadas por homicídio culposolesão corporal culposa e contaminação alimentícia dolosa, já que usavam a substância errada e descontrolada.
  • Três gestores da empresa, dentre eles a empresária Paula Lebbos, responderão pelo crime contra o consumidor por não cumprir o recall das cervejas contaminadas e não ter avisado à população sobre o risco da bebida. Eles mantiveram os produtos em estoque e mantiveram a venda. Eles responderão pelos dois crimes dolosamente.

Assista na íntegra à coletiva da Polícia Civil sobre o caso Backer: https://www.facebook.com/portalbhaz/videos/543403699684071/

Maira Monteiro[email protected]

Diretora-executiva do BHAZ desde junho de 2018. Jornalista graduada pela PUC Minas, acumula mais de 15 anos de experiência em redações de veículos de imprensa, como Record TV e jornal Hoje em Dia, e em agências de comunicação com atuação em marketing digital, como na BCW Brasil.

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