Imagens de satélite mostram destruição da Serra do Curral nos últimos 20 anos; mineradora é investigada pela PF

14/04/2025 às 18h52
(Reprodução/Google Earth)

A Serra do Curral, patrimônio tombado de Belo Horizonte, está no centro de uma investigação conduzida pela Polícia Federal (PF), que apura um esquema de mineração ilegal na Mina Corumi, localizada no bairro Jardim Taquaril, região Leste da capital mineira. De acordo com as autoridades, a mineradora Empabra (Empresa de Mineração Pau Branco) usou, durante anos, o pretexto da recuperação de uma área devastada para lucrar com a extração de minério. Em nota, a empresa diz que atua com transparência, responsabilidade e com “o firme propósito de transformar a área em um corredor ecológico” (leia nota abaixo). Um vídeo feito pelo BHAZ mostra o impacto na Serra do Curral ao longo dos anos.

As imagens feitas pelo Google Earth mostram, em vista aérea, a transformação da área da Mina Corumi ao longo de duas décadas. A sequência começa em 2004, quando a região ainda exibia vegetação preservada e relevo regular. Com o passar dos anos, as imagens revelam o avanço da atividade minerária, marcada pela formação de taludes e abertura de cavas, que substituem gradualmente a paisagem natural.

A reportagem teve acesso ao relatório apresentado pela PF à Justiça. O documento detalha que a exploração da região funcionava a partir da utilização fraudulenta de um Plano de Recuperação de Área Degradada (Prad) como fachada para exploração econômica ilegal.

Os empresários da Empabra contaram com a conivência de agentes públicos que atuavam tanto no nível municipal quanto federal. Esses servidores, segundo a Polícia Federal, facilitaram ou acobertaram as práticas ilegais, omitindo informações técnicas relevantes, aprovando documentos com dados falsos ou enganosos e, com isso, permitindo a continuidade da mineração. Além disso, houve manipulação de dados técnicos e científicos para disfarçar a atividade.

A ação da mineradora teria ainda destruído a nascente de um córrego que cedeu lugar para cavas de mineração. O relatório descreve que as ações da empresa causaram “absurda deterioração física e dos recursos ecossistêmicos de bem tombado, de grande interesse para a população de Belo Horizonte”.

Imagens de satélite evidenciam a destruição da região ao longo dos anos (capturas dos anos 2004 e 2024):

Plano de recuperação

A exploração ocorreu enquanto estava vigente um plano que previa a recuperação da região, aprovado em dezembro de 2008. De acordo com o histórico, a Empabra explorou a Mina Corumi entre 1958 a 1990, quando a Serra do Curral foi tombada como patrimônio ambiental, histórico e paisagístico em Belo Horizonte.

“Após décadas de exploração econômica do patrimônio municipal, com consequente degradação do meio ambiente, caberia à EMPABRA a recuperação da área, diante do princípio do ‘poluidor pagador'”, diz trecho do relatório. A máxima estabelece o dever do poluidor em responder pelos custos sociais das medidas de prevenção e controle da degradação causada por sua atividade.

O plano previa que a recuperação teria como objetivo “o retorno do sítio degradado a uma forma de utilização de acordo com um plano preestabelecido para o uso do solo, visando a obtenção de uma estabilidade do meio ambiente”.

Para isso, a empresa deveria remover os resíduos estocados na mina e realizar a recuperação dos taludes. Estavam previstas a retirada de 2 milhões de toneladas de finos estocados, além de mais 2 milhões de toneladas de material oriundo do processo de retaludamento — 4 milhões de toneladas no total. O prazo estimado para a conclusão da recuperação era de quatro anos.

Entre os objetivos estava a devolução da “função social empenhada na reabilitação e destinação futura da área”. O plano também destacava que haveria uma “inevitável valorização do espaço e o resgate das condições urbanísticas no entorno”.

No entanto, os levantamentos mostram que os empresários responsáveis pela mina passaram a explorar a região a partir de 2014, instalando cavas de mineração mesmo após a retirada do material previsto.

Modus operandi

Ainda conforme a Polícia Federal, a mineração ilegal só foi possível por causa da associação com funcionários públicos que viabilizaram a operação da mineradora. Eram eles os responsáveis por aprovar, permitir ou se omitir diante de irregularidades que favoreceram a continuidade da exploração.

Além da aprovação do Plano de Recuperação, houve ausência de fiscalização por parte dos órgãos competentes, apesar de denúncias e evidências de exploração no local.

Os servidores também teriam sido, de acordo com a PF, coniventes com documentos e relatórios apresentados pela empresa que continham dados falsos ou imprecisos. Outro problema foram os pareceres técnicos favoráveis emitidos, mesmo quando o empreendimento contrariava a legislação ambiental e as normas relacionadas ao tombamento da Serra do Curral.

Segundo o relatório, o minério era extraído por meio da criação de cavas sob a justificativa de “sumps” (bacias escavadas no solo para conter água e sedimentos). O exemplo mais claro desse esquema foi o chamado Sump 4, que era, de fato, a cava principal da mina. A Empabra, após a assinatura do Prad, intensificou a exploração, aprofundando essa estrutura até alcançar o lençol freático, causando impactos ambientais severos.

Antes e depois da Serra do Curral (Reprodução)

Imagens de satélite indicam uma progressiva retirada de material desde 2014, com formação de pilhas e abertura de novas estradas para escoamento. Em 2016, já se podia observar uma configuração de mina totalmente operante, com a cava aberta e avanços evidentes na extração do minério.

Evolução da cava de mineração (Reprodução)

Além do Sump 4, também foi identificado um esquema semelhante no chamado Sump 3. Essa estrutura, de menor porte, foi inicialmente aprofundada sob a justificativa de contenção ambiental, mas a perícia revelou que se tratava de uma “área de lavra de material ferruginoso”, que passou a ser explorada sem licença. A atividade mineradora continuou até que o terreno foi rebaixado ainda mais em 2017, destruindo completamente o curso d’água do Córrego Taquaril e causando um impacto ambiental irreversível.

A Polícia Federal pediu à Justiça o afastamento cautelar de servidores públicos da Agência Nacional de Mineração (ANM) diretamente envolvidos no esquema de mineração irregular. Medidas cautelares como mandados de busca e apreensão, e sequestro e bloqueio de bens dos investigados também foram solicitadas.

Procurada pelo BHAZ, a ANM informou que “colabora integralmente com as autoridades e cumpriu todas as determinações judiciais”. Veja a nota na íntegra abaixo.

Danos ambientais

A destruição do Córrgo do Taquaril está entre os principais impactos listados pelas autoridades no caso da Empabra. Durante as operações de mineração, o vale do córrego Taquaril foi amplamente escavado, devido à presença de rochas mineralizadas ao longo do curso, especialmente nas áreas das nascentes.

A cava principal, Sump 4, foi aberta diretamente sobre a nascente e outras escavações foram exploradas sobre o curso original, causando a obliteração do curso d’água.

Além disso, os taludes resultantes das escavações não receberam estabilização geotécnica e revegetação. Por isso, as estruturas “estão sujeitas a intensos processos erosivos que contribuem para o carreamento de sedimentos para fora da área”.

O documento cita ainda o desmatamento, que deixou o solo exposto, e as escavações que avançaram sobre o terreno de terceiros, rebaixando o terreno de maneira irregular e sem autorização.

Nota da ANM na íntegra

Agência Nacional de Mineração (ANM) reafirma seu compromisso com a transparência e a integridade na gestão dos recursos minerais do país. Diante da operação deflagrada pela Polícia Federal, com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF), a ANM informa que colabora integralmente com as autoridades e cumpriu todas as determinações judiciais.

Por se tratar de um processo que corre em segredo de justiça, a ANM não pode fornecer detalhes específicos sobre a investigação. No entanto, a Agência tem o maior interesse em esclarecer os fatos e reforçar sua atuação para garantir que o setor mineral opere dentro dos mais altos padrões de legalidade e responsabilidade socioambiental.

Nota da EMPABRA na íntegra

A Empresa de Mineração Pau Branco (EMPABRA) atua com total transparência e responsabilidade para promover o fechamento definitivo da Mina Corumi, localizada na Serra do Curral, com o firme propósito de transformar a área em um corredor ecológico, com um parque verde, limpo e acessível à população mineira, especialmente aos moradores de Belo Horizonte.

Entre 2012 e 2018, cerca de 60% da área impactada pela atividade minerária já havia sido recuperada, o equivalente a quarenta campos do Estádio Mineirão. No entanto, a paralisação das atividades desde 2018 provocou a degradação progressiva das obras ambientais realizadas naquele período, comprometendo os avanços obtidos.

A EMPABRA sempre pautou sua atuação pelo rigoroso cumprimento das leis e normas ambientais, operando com total conformidade e respaldo legal. Todas as ações realizadas na Mina Corumi entre 2012 e 2018 foram devidamente autorizadas pelos órgãos competentes. Após a suspensão abrupta das operações em 2018, somente em 2023 foi concedida autorização formal para o escoamento do estoque remanescente acumulado.

A retirada e comercialização do material depositado em pilhas no interior da mina – fontes de erosão intensa e assoreamento dos sumps – foi uma medida emergencial e indispensável à segurança ambiental e à integridade das comunidades situadas a jusante.

Contudo, a EMPABRA ainda não possui autorização para a continuidade e conclusão da recuperação ambiental total da área, uma vez que tal processo exige licenciamento prévio e aprovação por parte de diversos órgãos reguladores, estaduais e federais. Impasses institucionais, semelhantes aos enfrentados em 2015 e 2018, voltam a dificultar esse processo, comprometendo não apenas a recuperação ambiental como também colocando em risco real a segurança das comunidades do entorno.

Com seriedade e responsabilidade, a EMPABRA mantém uma equipe técnica altamente qualificada, respaldada por pareceres geotécnicos validados por especialistas internos e consultores externos de reconhecida expertise. A empresa também contratou auditoria externa independente, conforme recomendação expressa do Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Prefeitura de Belo Horizonte e Agência Nacional de Mineração (ANM).

A EMPABRA reafirma, assim, seu firme compromisso com o encerramento definitivo das atividades minerárias na Mina Corumi e com a completa restauração da área, viabilizando sua incorporação ao Parque das Mangabeiras e a criação de um verdadeiro corredor ecológico para a cidade de Belo Horizonte.

Isabella Guasti

Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022 e também de reportagem premiada pelo Sebrae Minas em 2023. Vencedora do prêmio CDL/BH de jornalismo 2024.

Isabella Guasti

Email: [email protected]

Jornalista graduada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022 e também de reportagem premiada pelo Sebrae Minas em 2023. Vencedora do prêmio CDL/BH de jornalismo 2024.

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