Um líder comunitário de BH teve candidatura barrada pelo TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas) e, até então, não poderá ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da capital. Voz forte no Morro do Papagaio, uma das maiores favelas da cidade, Júlio Fessô (Rede) recebeu 3.307 votos nas eleições municipais de 2020. No entanto, luta na Justiça para ter recurso deferido e ocupar o cargo.
Os votos recebidos por Júlio seriam suficientes para que a Rede Sustentabilidade conseguisse uma segunda cadeira na CMBH. Mas o TRE-MG barrou a candidatura “por que ele se enquadra em caso de inelegibilidade por ter condenação transitada em julgado”. Ou seja, teve o registro negado por ter sido condenado por tráfico.
Júlio foi condenado à prisão em 2006 por tráfico de drogas, e cumpriu pena até 2011. Nessa época, ele passou a trabalhar como instrutor no Programa de Prevenção à Criminalidade, dando aulas e oficinas de hip hop, serigrafia, fotografia e poesia para adolescentes. Desde então, Júlio ganhou o apelido de “Fessô”.
Ações no morro
“Eu achei um absurdo, uma vez que o argumento usado por eles não se encontra respaldo na CDJ [Comunicação de Decisão Judicial] da VEC [Vara de Execuções Criminais]. Depois de ter pago toda minha pena, preso, trabalhando e estudando no presídio, saí com o objetivo de mudar minha história, transformado vidas através de projetos e ações sociais”, diz Júlio em conversa com o BHAZ.
Atualmente, ele se destaca com ações de cidadania para jovens e moradores do Morro do Papagaio, na região Centro-Sul de BH. Júlio afirma que pagou a pena em 2011, quando passou a ir a presídios para dar palestras motivacionais com o Instituto Tio Flavio Cultural. “A Justiça e o sistema falam tanto de ressocialização, na teoria, mas, na hora de colocar em prática, a história é outra. Eu fiz a minha parte e esperava que a Justiça fizesse a dela”, diz.
Multa de 14 anos atrás
Júlio ainda afirma que acredita que, além da prisão, teria deixado de pagar uma multa de R$ 800. Segundo o processo, ele não quitou o débito, e o TRE-MG entendeu como tendo prescrito em 2013. “Essa multa não consta na Receita Federal, pois, também tenho a certidão negativa da Secretaria do Estado de Fazenda de MG. Estão alegando inegibilidade por causa de uma multa de 14 anos atrás. Multa que, segundo os meus advogados, prescreveu”, explica.
Os advogados de Júlio já estão preparando recurso junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra a decisão do TRE-MG. “Vale ressaltar que políticos elitizados concorrem nas eleições graças a liminares e tomam posse [quando eleitos] e tudo muda, favorecendo os ‘réus’; como no caso atual lá da Prefeitura do Rio de Janeiro. Justiça parcial, ou racismo institucional?”, questiona o líder comunitário.
Em defesa de Júlio
Moradores e representantes comunitários participarão amanhã (16) de um ato em defesa da candidatura de Júlio Fessô. A ação será realizada na avenida Nossa Senhora do Carmo, próximo à favela do Papagaio. Os apoiadores alegam que “o caso é mais uma demonstração da atuação racista e antidemocrática das instituições de Justiça na sua interferência no âmbito do processo eleitoral”.
O que diz o TRE-MG?
Em resposta, o TRE-MG explicou que o registro de candidatura de Júlio foi indeferido pelo juiz da 26ª Zona Eleitoral por incidir em causa de inelegibilidade, que é a condenação criminal com trânsito em julgado por tráfico de drogas. O indeferimento foi confirmado pela Corte Eleitoral, por unanimidade. Ainda cabe recurso junto ao TSE.
Nota do TRE-MG na íntegra
O Ministério Público apresentou pedido de impugnação do registro de candidatura de Júlio César porque ele foi condenado pelo crime de tráfico de drogas (processo nº. 002405897710-9), previsto no artigo 12 da Lei 6.368/1976. A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, órgão colegiado que confirmou condenação em primeira instância, foi publicada em 13 de setembro de 2006.
Como o integral cumprimento da pena ocorreu em 07/05/2013 (ID 18805473), ainda não transcorreu o lapso temporal de oito anos de inelegibilidade estabelecido pelo art. 1º, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar 64/90, acrescentada pela Lei Complementar n.º 135/2010.
O juiz Flávio Catapani acatou o pedido do Ministério Público e indeferiu o registro de candidatura. O candidato apresentou recurso, que foi enviado à Corte Eleitoral. O caso foi julgado no dia 12 de novembro e a Corte Eleitoral negou provimento ao recurso, por unanimidade, entendendo que persiste o impedimento temporário ao exercício da capacidade eleitoral passiva, por inocorrência do transcurso do prazo de oito anos da inelegibilidade. Júlio apresentou embargos de declaração, que foram rejeitados na sessão da Corte no dia 11 de dezembro.
Dessa decisão, ainda cabe recurso ao TSE. Enquanto isso, os votos registrados para ele são considerados anulados sub judice e não são computados como válidos para cálculo do resultado oficial das eleições. Cabe esclarecer, ainda, que os requisitos de candidatura envolvem, entre outros aspectos, a nacionalidade brasileira, o domicílio eleitoral e filiação partidária registrados pelos menos seis meses antes do pleito, o regular exercício dos direitos políticos, entre outros. O candidato também não pode incidir em nenhum caso de inelegibilidade, como, por exemplo, a condenação criminal transitada em julgado. Todas as informações sobre o processo de registro de candidatura podem ser consultadas no Guia do Candidato