Uma parede de quase 5 metros de largura pintada a mão pelo artista modernista Alberto da Veiga Guignard num casarão de um bairro nobre de BH simplesmente desapareceu. A obra de arte, avaliada em milhões de reais e parte do patrimônio histórico da capital mineira, “sumiu” de um casarão localizado na avenida do Contorno, 7.871, no Cidade Jardim, região Centro-Sul de Belo Horizonte, um dos metros quadrados mais caros da cidade.
O casarão pertence à família do médico e ex-reitor da Universidade Federal de Brasília, Caio Benjamin Dias, morto em 2010.
O imóvel no qual a obra de Guignard era parte está em processo de tombamento pela Prefeitura de BH desde 2007, o que faz com que qualquer ação na propriedade só seja autorizada com anuência dos órgãos responsáveis. Mas nada foi feito e os proprietários iniciaram uma obra no local.
“Após denúncia de irregularidades em função de uma obra no imóvel, foi realizada uma fiscalização conjunta no local com técnicos do Patrimônio e da Subsecretaria de Fiscalização. A ação, no dia 29/05, constatou que havia uma obra em andamento sem nenhuma autorização, seja alvará emitido pela Secretaria Municipal de Política Urbana, seja anuência prévia emitida pelo órgão de proteção”, diz trecho da nota da Prefeitura de BH.
Na fiscalização, além da obra irregular, foi “constatada a retirada da parede da varanda da casa,
que servia de suporte para composição musiva de Franz Weissmann e para a obra em têmpera sobre reboco “Visões de Minas” de autoria de Alberto da Veiga Guignard”. E mais: questionado sobre o paradeiro da parede de quase 5 metros de largura, o engenheiro responsável pela obra irregular disse que a obra de arte já não estava mais em Minas Gerais.
O responsável pelo imóvel foi notificado e a obra embargada dada a ausência de licenciamento para se reformar imóvel em processo de tombamento.
Obra de Guignard foi presente a amigos
A obra foi pintada por Guignard na fase em que o pintor fluminense se mudou para BH. Na época, Guignard morava de favor na casa de amigos e, como retribuição, pintou objetos, portas e paredes.
“Sem família, alcoólatra e com uma fissura congênita no palato que o impedia de se alimentar e falar corretamente, ele usava o expediente não só por falta de dinheiro, mas em busca de convívio”, escreveu o jornalista Marcelo Bortoloti no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo em reportagem de 2011 sobre a deterioração das obras de Guignard em BH.
Em um dos parágrafos, o jornalista cita a situação da pintura ‘Visões de Minas’: “Com 11 metros quadrados, está num local em Belo Horizonte onde hoje funciona uma loja. Um livro já foi escrito a seu respeito, mas quem entra ali mal vê o painel, coberto por cabides de roupas”, descreve Bortoloti, autor da biografia Guignard: Anjo Mutilado.
No artigo, uma das obras do mesmo tipo do pintor é avaliada por especialista em cerca de R$ 2 milhões na época, valor que teria mais que dobrado se corrigido pela inflação do período.
Não bastasse, a parede não é composta apenas por obra de Guignard. A outra face abriga musiva de Franz Weissmann, escultor austríaco que se mudou para o Brasil com 11 anos.
Ambas integravam imóvel desenhado pelo arquiteto mineiro Sylvio de Vasconcelos. Devido às intervenções não autorizadas, a Prefeitura de BH, por meio do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte, notificou os proprietários do imóvel a regularizar as “intervenções clandestinas e recomposição/restituição dos bens integrados pertencentes ao bem cultural, pertencente ao Conjunto Arquitetônico Sylvio de Vasconcellos e ao Conjunto Urbanos Bairro Cidade Jardim” e a procuradoria de BH acionou o Ministério Público por causa da supressão de obras de arte incorporadas ao imóvel.