Reitores depõem e movimentos protestam contra operação que investiga desvios na UFMG

Movimentos protestaram contra a condução de profissionais da UFMG

A operação “Esperança Equilibrista”, da Polícia Federal, realizada na manhã desta quarta-feira (6) cumpriu 8 mandados judiciais de condução coercitiva e 11 mandados judiciais de busca e apreensão na capital. A operação investiga o desvio de recursos públicos destinados à construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela Universidade Federal de Minas (UFMG).

O reitor da UFMG, Jaime Arturo Ramírez, e a vice-reitora, Sandra Goulart Almeida, foram conduzidos coercitivamente pela PF. Além deles, a professora Heloísa Starling; o ex-ministro e ex-reitor, Clélio Campolina; e o ex-reitor Ronaldo Pena também foram conduzidos. O presidente da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira, também foi conduzido para prestar esclarecimentos.

Segundo o delegado Leopoldo Lacerda, o inquérito policial foi instaurado em março deste ano, após verificarem a construção inacabada do museu. “Desde então, a gente fez contatos com a Controladoria Geral da União (CGU) e com o Tribunal de Contas da União (TCU) para ver se existia algum procedimento desses órgãos sobre irregularidades. Após isso, descobrimos que os órgãos possuíam informações graves a respeito de irregularidades no projeto”.

De acordo com o delegado, entre as irregularidades estão documentos com informações falsas, bem como assinaturas de bolsistas e prestação de contas que não condiziam com a movimentação bancária.

De acordo com a PF, mais de R$ 19 milhões já teriam sido gastos na construção e em pesquisas de conteúdo para a exposição. No entanto, acrescenta a PF, até o momento apenas a obra referente a um dos prédios estaria sendo feita e, mesmo assim, estaria inacabada.

Ainda segundo os investigadores, quase R$ 4 milhões teriam sido desviados por meio de fraudes em pagamentos feitos pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), que foi contratada para fazer os estudos de conteúdo e a produção de material para a exposição.

Os desvios já identificados ocorreram por meio do pagamento a fornecedores sem relação com o escopo do projeto e bolsas de estágio e de extensão. As bolsas variam entre R$ 1,5 mil e R$ 8 mil. “Ainda não identificamos o destinatário final dos valores. Até o momento, os bolsistas que não receberam bolsas serão tratados como vítimas, até porque suas assinaturas foram falsificadas. Vamos intimá-los para que prestem esclarecimentos”, explica o delegado.

Professores e movimentos protestam

Após a condução dos reitores e professores pela Polícia Federal, funcionários da UFMG e militantes de sindicatos protestaram em frente à sede da Polícia Federal, no bairro Gutierrez, na região Centro-Sul da capital. Os grupos se manifestaram contra a maneira como a operação foi conduzida.

A técnica administrativa e coordenadora-geral do Sindicato dos Trabalhadores das Instituições de Ensino Federais (Sindifes), Neide da Silva Mendes, diz que todos foram pegos de surpresa pela operação. “A Polícia Federal chegou ao campus buscando provas contra o projeto do Memorial da Anistia Política do Brasil. Esse projeto acontece na universidade desde 2008, ou seja, já transpassou seis gestões. Ele teve problemas na fundação e construção do prédio, não chegou verba suficiente para dar prosseguimento ao projeto. Se forem ao campus da Pampulha, vocês vão ver obras paradas lá”, afirma.

Segundo Neide, a acusação contra a faculdade é inverídica. “A universidade está sendo acusada de desvio de verbas. Isso não é verdade. A UFMG está permanentemente em contato com órgãos de controle para garantir a construção do memorial. Acreditamos que esse é mais um ataque à universidade pública”, diz.

A polícia não tem mais o que fazer?

A deputada federal Margarida Salomão, que também é presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Federais, afirmou em nota, que a operação é uma violência inadmissível. “Será que a polícia não tem mais o que fazer além de conduzir reitores coercitivamente? Isso é uma violência simbólica e inadmissível. Um país que investe contra a sua universidade, contra sua pesquisa, contra a sua academia é um país que se condena à mediocridade, à obscuridade, à insignificância”, disse.

A parlamentar destacou que o reitor e a vice-reitora não se negaram em momento algum a dar informações sobre qualquer suspeita administrativa. “Prender o reitor da UFMG, é um tapa na cara de todos nós. É uma afronta. É uma violência inapropriada, deliberada e inadmissível”, afirmou.

Segundo ela, a operação é uma repetição maximizada do que aconteceu na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e acabou com a trágica morte do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier, “um homem inocente que, como tantos que trabalham na universidade, têm como seu único bem a reputação. É preciso lembrar que a UFMG é uma das maiores universidades brasileiras. É de um projeto acadêmico que estamos falando. Essa violência ainda é pior porque ela arrasta para o cenário o estudo da anistia brasileira e dos excessos da ditadura. As terríveis memórias da ditadura, que também invadiu os Campi, prendeu, caçou, torturou e matou”, conclui.

Lideranças sindicais e deputados deram entrevista coletiva à tarde, contra a forma como os reitores da Universidade foram abordados (Vitor Fórneas/Bhaz)

Sindifes questiona condução coercitiva

“Não somos contra a Justiça, desde que ela seja real”. Dessa forma que Cristina Del Papa, coordenadora-geral do Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Federais de Ensino Superior (Sindifes), opina sobre a condução coercitiva de professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realizada, na manhã desta quarta-feira (6), pela Polícia Federal (PF).

Em coletiva no auditório da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) estiveram presentes a professora Eli Iola Gurgel de Andrade, da faculdade de Medicina; os deputados estaduais Cristiano Silveira, Rogério Correa e André Quintão, ambos do PT, além de Geraldo Pimenta do PCdoB. A presidente do PT-MG Aparecida de Jesus e Beatriz Cerqueira presidente da CUT-MG também compareceram.

Cristina Del Papa destacou que a ação da PF foi coordenada e que tem como objetivo destruir e descredenciar a imagem da universidade. “Não é de hoje que a educação é foco de resistência. São justamente essas instituições que possuem papel fundamental na denúncias aos ataques. A denúncia é infundada, pois nos últimos três mandatos de reitoria, a UFMG teve todas as contas aprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU)”, disse.

Para a professora Iola o fato de a operação ser chamada de “Esperança Equilibrista” é de um “cinismo”, como ela se refere, pois a música faz alusão às pessoas que estiveram fora do país durante o período militar. Ela acredita que há motivação política na operação. “Querem nos golpear com esse nome, dado justamente a nós, que conquistamos a anistia a duras penas e que tivemos nossa juventude perdida em razão desse processo”, afirmou a professora.

Sobre a coletiva de imprensa da PF a professora foi categórica ao dizer: “se eu não tivesse ido, não acreditaria”. Um dos aspectos que mais intrigaram a professora foi o fato de não haver prova concreta sobre o caso. “A denúncia é de formação de quadrilha, mas as provas ainda serão produzidas. É impressionante a vagueza da denúncia e a precisão da denúncia”, destacou.

“Perguntamos ao delegado qual era a prova do desvio de recursos. Para nossa surpresa ele disse que era um livro. Fiquei muito impactada com tudo que ocorreu”, concluiu a professora, que leciona na universidade desde 1982.

Deputados apóiam universidade

Os parlamentares que estiveram presentes destacaram a importância da UFMG no cenário nacional e enfatizaram que estarão juntos com a comunidade acadêmica. “Queremos realizar um audiência pública o mais rápido possível, a Comissão de Direitos Humanos da ALMG está olhando isso”, disse Rogério. Foi destacado que a PF será convidada para participar.

A tragédia de Bento Rodrigues foi lembrado pelo petista, pois os responsáveis pelo desastre não foram conduzidos coercitivamente. “Ninguém da Vale ou Samarco foram constrangidos. Na UFMG além de serem conduzidos fizeram um show midiático”, lembrou.

Para elucidar o caso, o parlamentar disse sobre o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Carlos Cancellier de Olivo que suicidou após ser preso pela Operação Ouvidos Moucos. A data da audiência pública ainda será definida.

Mobilização prosseguiu no campus no final da tarde

As 16h, a mobilização prosseguiu com uma assembléia dos professores, no prédio da Reitoria da UFMG. Nessa assembleia, ficou definido que o Conselho Universitário, instância máxima de decisão na universidade, irá reunir-se nessa quinta-feira às 9h, para decidir como a instituição irá se posicionar diante dos fatos.

As 17h, também no prédio da Reitoria, foi realizada uma assembleia unificada, que reuniu o corpo técnico da universidade, professores e estudantes. Os pronunciamentos batem na mesma tecla de que o ato teve como objetivo o enfraquecimento da universidade pública. O professor Bruno Teixeira, do Departamento de Engenharia, diz  que o corpo docente está assustado com o gesto da Polícia Federal. O problema, segundo ele, foi o modo como a condução coercitiva foi feita. “Foi como na época da ditadura”, disse ele.

UFMG divulga nota

No final da tarde, a UFMG divulgou nota sobre o assunto, cuja íntegra é a seguinte:

Na manhã desta quarta-feira, 6 de dezembro, membros da comunidade universitária foram levados para prestar depoimento na sede da Polícia Federal, em Belo Horizonte, em inquérito policial.

Por se tratar de apuração que tramita em sigilo, a Universidade não pode se manifestar sobre os fatos que motivam a investigação em curso.

Entretanto, dada a transparência com que lida com as questões de natureza institucional, a UFMG torna público que contribuirá, como é sua tradição, para a correta, rápida e efetiva apuração do caso específico”.

Atualizada às 20h20, para inclusão da cobertura da assembléia unificada e da nota oficial da UFMG.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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