Painéis de publicidade nos ônibus: sobram dúvidas e faltam esclarecimentos

Publicidade em ônibus está sendo discutida após denúncia do Bhaz

De tempos em tempos, a polêmica em torno do aumento das passagens dos ônibus de Belo Horizonte volta com força ao debate público e à mídia local, mobilizando usuários, vereadores e movimentos que reivindicam o passe livre ou a tarifa zero. Nesta arena, de um lado, estão empresários sedentos por elevar o valor da passagem de ônibus a índices acima da inflação ou mesmo a valores que sacrificam ainda mais o bolso de quem utiliza diariamente o transporte público. De outro, com poder de veto, está a prefeitura.

Durante a campanha eleitoral, ano passado, uma das promessas do então candidato a prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, seria a de abrir a “caixa preta da BHtrans”, expressão por ele cunhada durante o período eleitoral para designar o mistério que estaria por trás das regras para o reajuste das passagens. Com isso, Kalil esperava dar transparência aos critérios que norteiam os reajustes. Um ano depois de empossado, Kalil não conseguiu atingir seu objetivo.

Pensando em ajudar o chefe do executivo na difícil tarefa de “abrir a caixa preta da BHTrans”, o Bhaz tenta desatar o nó de uma das pontas deste mistério. O portal teve acesso a uma ação movida pelo empresário Francisco Gonçalves Riccio, dono da empresa JF Publicidade, contra a Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte S/A (BHTrans), o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH) e a empresa Frontti Mídia, que hoje  comercializa os painéis de publicidade nas traseiras dos ônibus de BH – o Mídia Ônibus.

Entre 2000 e 2010, a JF Publicidade e outras seis empresas atuavam na comercialização destes painéis, tornando-se uma das maiores empresas a operar no segmento. A empresa chegou a ter 27% dos 1.628 veículos que eram utilizados na época para a venda deste espaço publicitário.

Até o ano 2000, esse serviço era explorado exclusivamente pela Fênix Comunicação, que tornou-se concessionária após vencer licitação aberta pela BHTrans com esse objetivo. Ocorreu, porém, que a empresa descumpriu algumas cláusulas do contrato. Por isso, foi alvo de ação judicial por parte da Prefeitura de BH (PBH) e perdeu a exclusividade de operar o serviço. Entre 2000 e 2008, com o contrato da Fênix sub judice, a PBH ficou impedida de abrir nova licitação para a exploração do serviço. Por isso, a solução foi abrir esse mercado, temporariamente, para outras seis empresas, além da Fênix. Entre as empresas convidadas, estava a JF Publicidade, que já operava no metrô da capital.

Durante todo esse período, a receita da comercialização desses espaços publicitários era distribuída segundo um único critério: 40% iam para a Câmara de Compensação Tarifária, 40% para o SetraBH e 20% para a BHTrans. Cabia à BHTrans gerenciar o sistema, emitindo a nota fiscal para todos os valores pagos pelas empresas que exploravam o serviço.

Mudança nas regras do Mídia Ônibus foi feita na gestão de Fernando Pimentel e mantida por Márcio Lacerda e Alexandre Kalil

Três prefeitos e uma mesma situação

A mudança nas regras veio em 2008, na administração do prefeito Fernando Pimentel, quando a BHTrans, em vez de abrir a licitação, decidiu transferir a operação do serviço para o SetraBH. Isso foi feito sem licitação, cuja realização estava prevista no edital 131/2008, aberto pela BHTrans para a exploração do sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte pela iniciativa privada por 20 anos. Em 2017, o sistema transportou 346 milhões de de usuários, incluindo aqueles com direito à gratuidade, segundo dados disponíveis no site da BHTrans.

O contrato com os quatro consórcios vencedores da licitação foi assinado em agosto daquele ano. Em dezembro, um aditivo ao contrato transferiu para o SetraBH a exploração destes espaços publicitários, tendo o sindicato optado por contratar a empresa Frontti Mídia para ser a única responsável pela exploração do Mídia Ônibus.

A distribuição da receita obtida com o serviço também sofreu modificação. Do total, 80% passaram a ser destinados ao SetraBH, ficando a BHTrans com os 20% que já recebia. A Câmara de Compensação Tarifária, que ficava com 40% do total arrecadado, deixou de existir e, por isso, desapareceu do rateio dos valores. Apesar de receber 20% das receitas do Mídia Ônibus e de ser responsável por fiscalizar e regular o serviço, a BHTrans não assina, em momento algum, o contrato original do SetraBH com a Frontti Mídia, nem mesmo está presente nos cinco aditivos que se seguem ao documento inicial.

O contrato firmado entre o SetraBH e a Frontti Mídia previa a contratação de, no mínimo, 1.628 ônibus. No primeiro aditivo, esse número sobe 1.665. Mas, no segundo aditivo, de 2014, houve uma redução para 1.000, número que foi mantido até junho de 2015. Entre julho de 2015 e março de 2016, ocorre uma nova redução do número de ônibus – de 1.000 para 750.

A Frontti Mídia descumpriu um dos aditivos que ela própria havia assinado. Foi o segundo, que em sua cláusula 3ª, previa que o número de ônibus para exploração de publicidade voltaria a ser de 1.665. Mas, contrariando o que estava no contrato, esse aumento não aconteceu, tendo ocorrido, entre 2015 e 2016, o contrário – uma nova redução do número de ônibus, desta vez para 750. A medida causou queda na arrecadação mensal que chegou a R$ 420 mil, totalizando em doze meses, R$ 3,7 milhões, o que também causou redução no valor do que é repassado à BHTrans.

Entre 1° de abril de 2016 e 28 de fevereiro deste ano, a Frontti Mídia reduziu novamente o número de veículos, agora para 450 coletivos, o que provocou uma queda de quase 50% – de R$ 420 mil para R$ 252 mil mensais – no valor do que a empresa deveria arrecadar. Entre março e junho deste ano, os 450 ônibus contratados geraram uma receita de R$ 1,008 milhão. A estimativa é que no período 2017/2018 esse valor seja de R$ 3,024 milhões, correspondente, porém, a apenas um quarto dos R$ 11,18 milhões previstos se a empresa Frontti Mídia estivesse respeitando o contrato inicial que previa a exploração de 1.628 ônibus. Nos aditivos, não consta justificativa para os cortes. Em nenhum dos aditivos consta assinatura de representante da PBH ou mesmo da BHTrans, que são fiscalizadores e reguladores do serviço.

Entre 2008 e 2017, aumento o número de ônibus sem publicidade rodando nas ruas de BH (Maick Handder/BHaz)

Ministério Público questiona Prefeitura de BH

Na 1° Vara da Fazenda Municipal de Belo Horizonte corre uma ação civil pública que questiona a BHTrans, o SetraBH e a Frontti Mídia. Ação segue lenta e, no momento, está na fase de perícia dos documentos encaminhados pelo empresário e dono da JF Publicidade, Francisco Gonçalves Riccio. “Acontece coisa neste contrato de maneira escandalosa que o município deveria estar gerindo, mas ele simplesmente não aparece”, afirma o dono da JF Publicidade.  

No Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) um inquérito civil conduzido pelo promotor João Medeiros Silva Neto recomendou, em 21 de maio de 2014, que a PBH realizasse licitação para a “utilização do espaço publicitário correspondente ao painel traseiro do ônibus”. O promotor qualificou como inválida a transferência, sem licitação, da exploração dos espaços publicitários para empresas particulares, já que a alteração, segundo o MPMG não foi “justificada e motivada”. Na ocasião, o promotor deu 15 dias úteis à PBH  para que ela revertesse a situação, o que não foi feito.

“O que eles fizeram foi colocar a raposa para tomar conta do galinheiro. Também entregaram a coleta dos ovos para ela, além da própria chave. Não dá para entender isso”, afirma Riccio.

A licitação a que se refere o MP estava prevista no edital 131/2008 e também na minuta do contrato e no próprio contrato que regulamentou a exploração dos serviços de transporte da capital e que foi assinado pelos quatro consórcios vencedores: Dom Pedro II, BHLeste, Dez e Pampulha. Mas a licitação para a exploração dos espaços publicitários nunca foi realizada.

Em 21 de maio deste ano, o dossiê com as irregularidades foi protocolado na BHTrans por Riccio e entregue ao presidente da empresa, Célio Freitas Bouzada, em mãos. O mesmo documento foi entregue também ao procurador geral do município, Tomáz de Aquino Resendo, após ter sido protocolado em 8 de junho de 2017. Mas até o momento nenhum dos dois se manisfestou. Diante da morosidade, Riccio levou a denúncia à Corregedoria Nacional do Ministério Público.

BHTrans e SetraBH dão explicações genéricas

Para tentar esclarecer os pontos nebulosos do Mídia Ônibus, o Bhaz encaminhou à assessoria de Imprensa da BHTrans nove perguntas. O órgão limitou-se a responder, por e-mail, que “conforme definido nos contratos de concessão, assinados em 2008, cabe às concessionárias do sistema gerir todo o serviço de transporte coletivo convencional, incluindo o Mídia Ônibus. Cabe à BHTrans fiscalizar e controlar os serviços”. Ainda de acordo com a BHTrans, um acordo foi firmado com o Ministério Público para que seja publicado, até o dia 31 de julho de 2018, o edital de licitação para a exploração da publicidade dos ônibus. A se cumprir esse prazo, a abertura da licitação se dará quatro anos, dois meses e 10 dias após a BHTrans ter sido notificada pela primeira vez pelo MPMG sobre as as irregularidades.

Também procurado pelo Bhaz, o SetraBH apenas respondeu que “todas as ações relativas aos serviços de publicidade nos ônibus do sistema de transporte coletivo de Belo Horizonte estão amparadas em contrato firmado com órgão da administração pública municipal e as taxas devidas recolhidas nas datas estabelecidas”. O sindicato não explicou as razões da redução do número de ônibus contratados nem os critérios utilizados para a escolha da Frontti Mídia como a empresa que iria operar o sistema. O Bhaz também entrou em contato com a Frontti Mídia, por telefone e e-mail, mais de uma vez, mas a empresa não se manifestou sobre os questionamentos.

Consultado pelo Bhaz, o advogado especialista em direito administrativo Wederson Advincula Siqueira afirmou que causa estranheza no processo envolvendo o Mídia Ônibus, a postura do MPMG de ter analisado e apontado uma postura irregular no segundo termo aditivo do contrato, sem apresentar justificativa ou motivação, mas não ter tomado providência após o prazo estipulado para que a PBH regularizasse a situação. Neste ponto, também não é informado como ele ressalta, o motivo pelo qual a Câmara de Compensação Tarifária deixou de receber os 40% da receita oriunda do mídia ônibus e as razões de sua extinção.

Sobre as mudanças realizadas no pós-licitação e no contrato, por meio de aditivos, Siqueira esclarece que a lei permite que até 25% do edital seja modificado, sem comprometer o equilíbrio contratual e a competitividade do certame. “É totalmente possível a prefeitura rever seus atos e, em caso de irregularidades que mostrem desequilíbrio financeiro, fazer a recomposição deste ato ou ainda anular e até revogar a licitação se forem identificados casos gravosos”, afirmou Siqueira.

Ricardo Mendanha, ex-presidente da BHtrans, diz que transferência do Mídia Ônibus foi recomendação técnica (ANTP/Divulgação)

Ricardo Mendanha nega irregularidades

Quando a BHtrans decidiu abrir mão da licitação para a exploração do Mídia Ônibus, transferindo o serviço para o SetraBH, o presidente da BHTrans era Ricardo Mendanha, que esteve à frente da empresa entre 2001 e 2008, nas administrações dos prefeitos Célio de Castro e Fernando Pimentel. Ele nega a existência de irregularidades no processo. Segundo ele, o sistema Mídia Ônibus nunca foi fonte de renda efetiva. “Se você colocar na tabela, parece um valor alto, mas se comparar com o custo do sistema, como forma de subsidiar a passagem, este valor é baixíssimo”, afirmou Mendanha.

Segundo ele, na época, foi avaliado pela Procuradoria Geral do Município que não valia a pena a BHTrans licitar e manter algo (o painel de publicidade) que seria afixado nos ônibus. “Então, optou-se pelo contrário. Passaria-se  isso para as empresas e elas repassariam um percentual para a BHTrans. Licitar mídia não é uma expertise da BHTrans. Então, optamos por algo mais vantajoso, do ponto de vista funcional. Essa mudança foi realizada baseada em estudo que mostrou que seria mais lucrativo ficar com os 20% dessa licitação do que se responsabilizar por todo o processo, o que provavelmente resultaria em um percentual ainda menor”, explicou Ricardo Mendanha

Ele afirma, ainda, que a transferência para as empresas da operação do sistema significa uma mudança mínima. “Isso não pesa no jogo, se comparado, hoje, com as mudanças que estão sendo implementadas, como o novo padrão de ônibus, que inclui até nova pintura. Isso, sem dúvida, irá mexer neste sistema mais do que o Mídia Ônibus”. Ricardo Mendanha não visualiza grandes vantagens para a BHTrans caso a empresa decida realizar a licitação para definir a empresa que irá operar o Mídia Ônibus. Ele acredita ser possível inclusive que a arrecadação seja bem menor que o previsto.

Mendanha esclarece que com a mudança, os 40% que antes iam para a Câmara de Compensação Tarifária ainda continua entrando como receita para o cálculo da tarifa, figurando como receita do sistema, não da empresa operadora, junto com a publicidade no cartão BHBus, a TV dentro do ônibus e o dinheiro proveniente do pagamento das passagens. “Isso entra para o cálculo da passagem no que chamamos de encontro de contas”, explica ele, que é atualmente coordenador da Regional Minas Gerais da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP).

Segundo ele, a extinção da Câmara de Compensação Tarifária  era algo discutido há muito tempo, bem antes do edital 131, de 2008. “Havia uma crítica muito grande à Câmara, por ela gerar um monte de déficits para a prefeitura e a BHTrans. Todo o  risco de operação do transporte público era do poder público. A queda no número de usuários, a necessidade de aumento de frota. Mas, entendemos que o risco não poderia ser só da Prefeitura e da BHTrans, mas também das empresas operadoras. Então, todo mês, a Prefeitura e a BHTrans tinham endividamento na Câmara, que era obrigada a repor as empresas. No encontro de contas, após amplo debate, houve a extinção da Câmara, o que, em BH, aconteceu, inclusive, depois de outras cidades brasileiras.”

Sobre a auditoria que o prefeito Alexandre Kalil prometeu fazer no sistema de transporte da capital, o ex-presidente da BHTrans diz que já está atrasada. “É importante que essa auditoria seja feita em tempos amiúde, a cada três anos. É algo correto a ser feito”, afirma.

Embora concorde com a auditoria, Mendanha discorda da expressão “caixa preta”, utilizada por Kalil. “O cálculo das passagens é um dos mais transparentes. Se você pega, por exemplo, o valor pago pela coleta do lixo, o custo de um viaduto, é algo bem menos transparente do que a passagem do ônibus”. Para ele, a redução no valor da passagem é uma utopia. “Isso só seria realmente possível com o subsídio, o que hoje não é feito nem pelo poder público nem pela iniciativa privada”. Mendanha defende que o subsídio seja dado pela iniciativa privada, pois é quem se beneficia do sistema de transporte.

Ele defende o modelo adotado em países da Europa, como a França. “No modelo francês,  o custo é dividido em três partes. O usuário paga um terço, o governo entra com outro terço, via impostos, e as empresas, que se beneficiam do transporte, também pagam um terço. Isso acontece na maioria dos países. Mas, no Brasil, ainda se acredita que isso é algo ruim”, enfatiza. O que a auditoria do Kalil vai mostrar é se há necessidade de aumentar ou manter a passagem no valor que está, pontua o ex-presidente da BHTrans.

Jefferson Lorentz

Jeff Lorentz é jornalista e trabalhou como repórter de pautas especiais para o portal Bhaz.

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