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Cruzeiro: app com ‘erro’, revenda ilegal e cambistas desafiam sócios-torcedores

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Sócios-torcedores do Cruzeiro sofrem para adquirir ingressos. (Foto: BHAZ)

Sócios-torcedores do Cruzeiro se queixam que estão enfrentando, de forma recorrente, problemas para adquirir ingressos para os jogos do time. O acesso simultâneo pelo aplicativo de vendas gera instabilidade, erro, e, não raro, impede que a compra seja concluída, mesmo depois de longa espera na “fila virtual” e com o ingresso praticamente garantido. Os transtornos voltaram a surgir nesta semana, durante as vendas para o jogo contra o São Paulo, no próximo domingo (15). Enquanto isso, os tradicionais cambistas agem livremente, e, agora, ganham a concorrência de torcedores, que também buscam lucrar com a venda ilegal e superfaturada de ingressos.

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A personal trainer Vivian Lins, sócia há cerca de um ano, conta que, nos últimos jogos do time, tem tido muita dificuldade e perdido a paciência. “Tem hora que aparece o ingresso, tem hora que não aparece. Quando eles falam que vão liberar, por exemplo, às 10 horas, a gente costuma entrar uns cinco minutinhos antes, aí fica numa fila. Quando libera o ingresso, você tenta comprar, dá erro. Aí você tenta pagar, fala que o QR Code é inválido. Aí, quando você volta, já não tem mais o ingresso que você tinha selecionado, e, aí, você tenta comprar de novo, já não tem mais ingresso nenhum”, conta.

Vivian conta que, quando entra em contato com o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), a informação é de que os ingressos [mais baratos] estão realmente esgotados, mesmo que nem todos os setores com preços baixos tenham aparecido disponíveis para ela no sistema ao longo do dia. No entanto, à noite, muitas horas depois de estarem abertos apenas setores com preços mais caros, os bilhetes mais populares voltam a aparecer. “É muito complicado. Eu fico desanimada, com vontade de cancelar o meu sócio”, desabafa.

O mesmo problema enfrenta o estudante Bruno Santos*. “Fiz o sócio básico, de 21 reais, e desde o jogo contra o Atlético [em 10 de agosto pelo Brasileirão], eu não consigo comprar ingresso e, muitas vezes, dá indisponível. No jogo contra o Boca Juniors [em 22 de agosto pela Copa Sul-americana] eu entrei para a fila, na hora de concluir a compra deu um problema no site, de repente eu voltei para o “fim” da fila e acabou que eu fiquei sem ingresso, e, quando apareceram [novos bilhetes], já estavam com valores absurdos, sem o desconto do sócio”, conta.

O sócio-torcedor acredita que essa possa ser uma estratégia do clube. “A sensação que eu tenho é de que o clube organiza uma forma de liberar um pequeno número de ingressos daqueles mais baratos para os sócios, depois fecha essa venda, só que o torcedor fica com a ideia de que não vai ter mais e, no desespero, compra os mais caros”, lamenta.

É o que ocorreu com o contador Kaique Santos no jogo contra o Clube Atlético Goianiense. Morador do interior, e com medo de não conseguir ir ao estádio, o sócio-torcedor optou por garantir a entrada de uma vez, comprando um ingresso cinco vezes mais caro. “Infelizmente eu tive que comprar outro setor. Só liberaram [setores] roxo e vermelho e ambos com o mesmo preço. E, mesmo assim, custei. Há dificuldade para comprar e até para fazer o pagamento”, diz.

Nessa terça-feira (10), com a abertura das vendas para partida do time contra o São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro, torcedores voltaram a relatar, nas redes sociais, dificuldade para adquirir os ingressos. “É impressionante. Eu não consigo comprar ingresso há 5 jogos já. Dessa vez, na hora do pagamento, ficou dando erro em todas as formas de pagar, fico tentando, aí eles cancelam o pedido e depois não tem mais como comprar” relatou um torcedor no Instagram. “Nada justifica entrar e não ter ingresso em nenhum setor”, diz outra torcedora nos comentários em um post em que o clube anuncia parcial de 20 mil ingressos já vendidos. A capacidade do Mineirão, onde a partida será realizada, no entanto, é de 62 mil pessoas.

As dificuldades e os problemas ocorrem após a mudança no programa de sócios e em meio à alta no número de adeptos. Em junho, o clube anunciou alterações nos planos que vigoravam desde 2021. O programa saiu de 14 para apenas quatro planos, incluindo alguns mais populares. Com a grande adesão, a quantidade de sócios praticamente dobrou nos últimos três meses. Até o final de agosto, o Cruzeiro contava com 87 mil torcedores e, segundo o planejamento do clube, a meta é chegar aos 100 mil.

Desrespeito à lei 

A Lei Geral do Esporte (14.597/23) e o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, asseguram os direitos do torcedor e, nesses casos, a legislação pode não estar sendo cumprida. Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia, lembra que a venda dos ingressos deve ser realizada por um sistema que assegure a ‘sua agilidade e o amplo acesso à informação’. “É a boa prestação do serviço. Se não tiver sendo feita, tem que tomar as devidas providências, e, se for [violação de direito] coletivo, cabe denúncia no Procon do Ministério Público”, esclarece.

O BHAZ entrou em contato com o Ministério Público, que, em nota, não informou se denúncias foram feitas pelos torcedores sobre a prestação do serviço (leia nota abaixo).

Em nota, o Cruzeiro defende que a operação de venda de ingressos para as partidas do clube, direcionada aos sócios, através das plataformas digitais, está ocorrendo “dentro da normalidade e sem percalços”. O Cruzeiro explica que, “de acordo com o interesse pela partida, há um grande volume de acessos simultâneos na bilheteria online” e que “todos os contratempos pontuais que possam ocorrer são atendidos de maneira individualizada pela equipe do sócio, através dos canais de atendimento”.

Revenda é crime 

A dificuldade em adquirir os ingressos pelo sistema oficial contrasta, e muito, com as vendas  pelas redes sociais e no entorno do Mineirão, dias e horas antes das partidas. Pouco tempo depois de aberta a venda virtual no site do clube, já é possível encontrar com facilidade quem queira revender o ingresso no Instagram ou X (antigo Twitter, quando ainda estava ativo). Uma entrada comprada a 10 reais no aplicativo chega a ser repassada por 30, 40, até 100. Esse último era o preço pedido antes do jogo contra o Boca Juniors pela Copa Sulamericana em 22 de agosto.

Nessa terça-feira, para o jogo contra o São Paulo, novas reclamações surgiram nas redes sociais. “Amarelo esgotado em poucas horas. A farra dos ingressos de volta”, reclamou uma torcedora“. “Paga sócio para nem sentir cheiro do ingresso e ver cambista vendendo 10:04 tá de brincadeira”, denuncia outro torcedor.

O Procon lembra que a prática, embora seja comum entre torcedores de todos os clubes, é uma conduta ‘gravíssima’. “Nós estamos diante de um crime. Esse crime está previsto também na Lei Geral do Esporte, no artigo 166, e prevê, inclusive, reclusão de um a dois anos e multa para aquele cidadão ou torcedor que vender os ingressos de eventos esportivos pelo preço superior ao estampado no bilhete”, alerta Marcelo.

Cambistas 

Nas proximidades do estádio, nas horas que antecedem a partida, a cena é a mesma, já tradicional no futebol brasileiro: cambistas anunciando a venda de ingressos que, ao que tudo indica, adquiriram com mais facilidade do que boa parte dos sócios cruzeirenses.

A estudante de Direito Victoria Chateaubriand acredita que são os ingressos comprados por cambistas, inclusive, que impedem que um número suficiente de bilhetes esteja disponível para o ‘verdadeiro torcedor’. “No jogo contra o Atlético-GO, mesmo com meu plano de sócio, fui obrigada a pagar o valor normal, como se não fosse sócia. Não consegui comprar ingressos por falhas no sistema e devido aos cambistas que compram ‘tudo’ e acabam revendendo por até o triplo do preço oferecido pelo clube. Isso gera muita dor de cabeça pros torcedores que querem apoiar o time “, lamenta.

Ao redor do estádio, três minutos já foram suficientes para a reportagem flagrar um homem oferecendo entradas em frente ao Mineirinho, a poucos metros do Mineirão. A partida era Cruzeiro e Atlético Goianiense. Ao circular pelo entorno do estádio, só aumenta o número de cambistas que aparecem oferecendo ingresso. Os bilhetes, registrados com o nome de outras pessoas, podem ser adquiridos por qualquer interessado. Como o Mineirão só aceita entrada por leitura de QR code no celular, sem possibilidade de apresentar a versão impressa (para impedir fraude), o bilhete é enviado por WhatsApp e o pagamento pode ser feito por PIX ao cambista.

Ao entrar, não há dificuldade para ingressar nas dependências do estádio porque, como ocorre em boa parte das arenas, não há necessidade (e tempo) de comprovar a identidade e verificar se portador e titular do ingresso são os mesmos.

Experiências como a dos estádios do Fortaleza e do Palmeiras ainda são raras no Brasil. No Allianz Parque, em São Paulo, por exemplo, há uma tecnologia que permite o reconhecimento facial, agilizando o processo de entrada e impedindo a ação dos cambistas. Dificuldade que os cambistas não encontram, ainda, em Belo Horizonte.

Em contato com o BHAZ, a Minas Arena, que administra o Mineirão, esclarece que o modelo de operação para o acesso dos torcedores, que inclui catraqueiros, conferentes e supervisores, é responsabilidade do clube. O Mineirão dá apoio nessa operação com equipamentos (catracas) e seguranças. A administradora informou ainda que o Mineirão está em processo de desenvolvimento do sistema de reconhecimento facial, que será obrigatório em estádios acima de 20 mil, conforme está previsto na nova Lei Geral do Esporte, que dá prazo de implementação até o meio do ano que vem.

Procurado, o Cruzeiro ressalta que, em relação ao comércio irregular dos ingressos, através do cambismo, “é totalmente contrário a esta prática e está tomando medidas cabíveis para intervir e coibir esta ação criminosa”.

A Polícia Civil (PCMG) diz que desempenha a atividade de investigação criminal, a fim de apurar as circunstâncias, a motivação e a autoria dos crimes registrados em todo o Estado. No curso das investigações, a instituição realiza todas as diligências necessárias visando a completa elucidação dos casos. A PCMG diz ainda, que, “além de desenvolver a investigação criminal, realiza, rotineiramente, ações de enfrentamento à criminalidade, por meio de operações policiais conjuntas com as demais forças de segurança”.  A instituição orienta o cidadão que, diante de qualquer ação, procure uma delegacia de polícia ou uma base da Polícia Militar mais próxima para o devido registro policial ou, ainda, caso prefira, ligue no canal do Disque Denúncia Unificado – 181, em que o anonimato é garantido.

O MPMG diz que não recebeu denúncia sobre a atuação de cambistas e que, atualmente, existe um Inquérito Civil que acompanha todos os incidentes relacionados ao futebol em Belo Horizonte. Para denunciar as irregularidades, o torcedor pode enviar todas as evidências que possuir à Ouvidoria do MPMG.

O BHAZ também entrou em contato com a Polícia Militar. Em nota, a corporação diz que, por intermédio do 34º Batalhão, de “forma contínua e ininterrupta, são realizadas ações e operações policiais e abordagens aos suspeitos que agem com esse propósito”, nas imediações do estádio do Mineirão, especialmente em datas comemorativas e de jogos de futebol. A PM esclareceu, ainda, que, durante as reuniões com as organizações dos eventos, tem “enfatizado sobre a  importância por parte dos clubes de conscientizarem os torcedores para evitarem aquisição de ingressos oferecidos por cambistas, bem como a adoção de medidas como o controle eletrônico durante a venda dos ingressos para que sejam personalizados com número do CPF do torcedor”.

Pablo Nogueira

Pablo Nogueira é jornalista, formado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), com mestrado em comunicação pela UFMG. Com passagens pela Rádio Itatiaia, Rede Minas, TV Alterosa, governo do estado, Agência Minas e Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas, venceu os prêmios de jornalismo MOL, em 2023, e Amagis, em 2022, além de ter sido finalista dos prêmios ABMES, em 2023, CDL, em 2022 e 2023, e C6 Bank, em 2022. É editor do BHAZ.
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