A Vale entrou na Justiça para impedir que o sepultamento do cacique Merong Kamakã Mongoió, encontrado morto na manhã de segunda-feira (4) em Brumadinho, ocorresse na terra em que vivia. O cacique liderava a comunidade que há mais de dois anos vive em um terreno da mineradora, alvo de disputas judiciais.
A juíza federal Geneviève Grossi Orsi atendeu ao pedido da Vale na noite de ontem (5) e cita na decisão o fato de o terreno ser objeto de uma ação de reintegração de posse.
“Defiro, por ora a tutela inibitória requerida, para que seja impedida a realização do sepultamento do Sr. Merong Kamakã, nas terras objeto desta ação, ante a notória controvérsia acerca da titularidade das terras objeto desta ação”, diz a decisão.
O velório de Merong estava marcado para esta quarta-feira (6), por volta das 10h da manhã, mas acabou acontecendo durante a madrugada no Córrego das Areias de Brumadinho, mesmo após a decisão da Justiça Federal. A informação foi confirmada ao BHAZ pelo cacique Arapowãnã do grupo indígena Xucuru Kariri.
De acordo com a juíza, o mandado deveria ser cumprido por um oficial de justiça que poderia, inclusive, requisitar o auxílio de força da Polícia Federal ou Polícia Militar para impedir que o sepultamento fosse realizado no local.
Em nota enviada ao BHAZ, a Vale informou que “reitera seu pesar pelo falecimento do cacique Merong e se solidariza com seus familiares e comunidade indígena”. “A Vale respeita os povos indígenas e seus ritos de despedida e busca construir uma solução com a comunidade que preserve suas tradições, dentro da legalidade”, diz a mineradora.
Ação de reintegração de posse
O povo liderado pelo cacique Merong Kamakã Mongoió se instalou no terreno em outubro de 2021, num movimento de retomada da aldeia. Os kamakãs mongoiós formam uma família do povo pataxó-hã-hã-hãe, cuja aldeia mãe se localiza no litoral sul da Bahia, ao pé do Monte Pascoal.
Merong explicou, em 2022, que a retomada mobilizou kamakãs mongoiós que, ao longo de 40 anos, deixaram a Bahia em momentos de conflito e viviam em contexto urbano, muitas vezes em situação precária e sem acesso a direitos assegurados aos povos indígenas.
A ação de reintegração de posse foi movida pela Vale em dezembro de 2021. A mineradora alegou que é proprietária da Fazenda Córrego da Areia, adquirida em dezembro de 2020 com o objetivo de desenvolver atividade de compensação ambiental.
A Vale diz que “exercia a posse mansa e pacífica do bem até o dia em que os requeridos invadiram o imóvel de propriedade da empresa, afixando uma faixa com os dizeres ‘Retomada KAMAKÃ MONGOIÓ, proibido a entrada de estranhos, somente Órgãos Públicos'”.
Segundo a Vale, os indígenas se recusaram a deixar o imóvel. Em março de 2023, a empresa conseguiu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais uma tutela provisória de urgência, visando a imediata reintegração da posse, que não foi cumprida.
A ação então foi encaminhada ao âmbito Federal. Uma audiência de conciliação sobre a posse está agendada para 19 de março. Além da comunidade indígena e da Vale, foram intimados a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o MPF (Ministério Público Federal).