Vereadora de Contagem sofre ataques racistas durante sessão da Câmara

Vereadora Moara Saboia
Parlamentar registrou a ocorrência na delegacia de Contagem (Reprodução/@moarasaboia/Instagram)

A vereadora Moara Saboia (PT) sofreu ataques racistas após votar contra dois PLs (Projetos de Lei) durante a sessão plenária da Câmara Municipal de Contagem realizada na última terça-feira (20). Um boletim de ocorrência foi registrado pela parlamentar e o caso está sendo investigado pela Polícia Civil. A Casa Legislativa lamentou o ocorrido.

A parlamentar conta, em entrevista ao BHAZ, que dois projetos eram apreciados em primeiro turno na sessão remota, aberta para discutir a possibilidade de tornar atividades físicas e templos religiosos como essenciais. “Dialogamos bastante com nossa base e éramos contrários às proposições por causa do momento enfrentado”, disse.

Apesar de não ter votado “sim” aos PLs, os textos acabaram sendo aprovados e Moara passou a receber vários comentários, que começaram com pessoas duvidando da capacidade dela como vereadora e evoluíram para ofensas e ataques racistas. “Quando fiz o voto, começamos a receber muitas mensagens, tanto no Facebook da Câmara, quanto no meu”, lembra.

A vereadora, que está no primeiro mandato, relembra algumas mensagens recebidas: “Era gente mandando eu ir para Cuba, Venezuela, me chamando de esquerdista. Só que o tom foi mudando. Passei a receber mensagens bem machistas me mandando estudar, me chamando de burra. Coisas que não falariam com um homem”, afirma.

Racismo

Dentre os comentários recebidos houve ainda um que fazia alusão ao corpo de Moara. “Depois que a sessão terminou recebi uma mensagem onde era feita menção ao meu nariz. A pessoa disse que ele era ‘amassado’ e isto é uma forma de racismo”, afirma. A vereadora recolheu as provas e foi até à 3ª Delegacia de Polícia Civil de Contagem registrar a ocorrência. Ao final ela gravou um vídeo intitulado: “Racistas não passarão”.

Além dos ataques racistas e machistas, a parlamentar também recebeu uma ameaça de violência física. “Teve uma mulher que compartilhou o meu voto dizendo que era uma ‘pena’ estarmos em distanciamento social, pois assim não pode ‘partir a minha cara”.

mensagens recebidas moara
Vereadora sofreu ataques racistas nas redes sociais (Reprodução/Redes sociais)

Moara disse ter ficado assustada com tamanha agressividade das mensagens recebidas, principalmente pelo fato de o voto dela não ter impedido a aprovação dos PLs. “Eu não fiquei surpresa, mas assustada. Mulheres negras são minoria no Legislativo, nas prefeituras e em cargo de governadora nós nem temos. Enxergar este corpo ocupando um espaço de poder é difícil numa sociedade machista e racista”, disse.

Os ataques não intimidam a vereadora, que garantiu que permanecerá com a postura adotada desde o início do mandato. “Sou muito firme naquilo que defendo, mesmo que seja algo impopular, e as pessoas não estão preparadas para isso. Para estas pessoas é difícil ver uma mulher negra na Câmara como vereadora e não como faxineira”.

Ataque Moara
Vereadora teve a capacidade intelectual questionada (Reprodução/Redes sociais)

Repúdio

Após os ataques, a Câmara Municipal de Contagem postou uma nota de repúdio nas redes sociais e reforçou que repreende “qualquer tipo de discriminação, seja ela em razão da cor, raça, credo ou gênero”. “O Legislativo de Contagem, durante a reunião, auxiliou o gabinete da vereadora na identificação dos comentários para que fossem tomadas as medidas cabíveis”, diz trecho da nota.

Os internautas que fizeram comentários preconceituosos foram bloqueados do Facebook da Casa Legislativa. “A Câmara se solidariza com a vereadora e se coloca à disposição para quaisquer providências”, finaliza o comunicado.

nota câmara de contagem
Câmara postou nota nas redes sociais (Reprodução/@camaracontagem/Facebook)

O que diz a polícia?

Procurada pelo BHAZ, a Polícia Civil informou que “nos próximos dias, a vítima será ouvida para detalhar sobre as ofensas e apresentar os documentos, caso existam”. O inquérito policial foi instaurado para “apurar as circunstâncias do fato”, conforme a corporação informou em nota (leia na íntegra abaixo).

O caso é investigado pela 3ª Delegacia de Polícia de Contagem.

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Nota da Polícia Civil na íntegra

“Sobre a ocorrência de injúria racial registrada no dia 22 de abril, em Contagem, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que instaurou inquérito policial para apurar as circunstâncias do fato. Nos próximos dias a vítima será ouvida para detalhar sobre as ofensas e apresentar os documentos, caso existam. O caso está sendo investigado pela 3ª Delegacia de Polícia Civil, em Contagem”.

Edição: Giovanna Fávero
Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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