Xepa da vacinação: Entenda o que é e como funciona em Belo Horizonte

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Em todo o Brasil, doses das vacinas contra a Covid-19 podem sobrar nos pontos de imunização (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Desde que o novo coronavírus surgiu, as atenções do mundo voltaram-se para a criação de vacinas capazes de imunizar a população. Agora, com diversos imunizantes desenvolvidos, muita gente quer saber quando poderá tomar as doses – ou a dose única no caso da vacina da Janssen. Em meio a incertezas, cresceram nas redes sociais discussões a respeito da chamada “xepa da vacina”, ou seja, as doses que sobram nos pontos de vacinação ao fim do dia.

Em Belo Horizonte, a coordenadora da galeria de arte do Centro Cultural SESI – MG, Esther Mourão, conseguiu tomar uma das vacinas excedentes por meio de uma “lista da xepa”. Aos 60 anos, ela conta que os funcionários do Centro de Saúde Havaí ofereceram para que ela e o marido colocassem os nomes na lista para receber os imunizantes.

O casal foi até a unidade de saúde para tirar dúvidas sobre quando seriam vacinados. Esther disse que tanto ela quanto o marido acabaram deixando os nomes. “Quando chegou a idade do meu esposo, que é de 63, eu fui acompanhar ele para fotografar. Ele se vacinou e voltamos para casa”.

‘Sobraram três doses, tive sorte’

“Quando foi 16h45 do mesmo dia, a coordenadora do posto me ligou perguntando se eu tinha interesse em me vacinar porque havia sobrado vacina da xepa lá”, explica Esther.

Segundo a coordenadora da galeria de arte, ela foi correndo até o posto e conseguiu se vacinar, mesmo no dia em que o público-alvo eram idosos de 64 anos. “No dia que eu vacinei, foram eu e mais dois senhores, tinham sobrado exatamente três doses, e eu era a terceira dessa lista. Tive muita sorte”, relembra.

O que diz o Ministério da Saúde

O Ministério da Saúde informou ao BHAZ que cada cidade tem autonomia sobre as doses restantes ao fim dos dias de vacinação. A recomendação do órgão é de que no final desses dias, os profissionais de saúde analisem a necessidade de otimizar as doses ainda disponíveis nos frascos abertos (veja nota na íntegra abaixo).

De acordo com a pasta, tais doses “podem ser direcionadas para pessoas dos grupos prioritários do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, priorizando o grupo que está sendo contemplado no momento”.

Vacinas possuem tempo de validade

A autorização para aplicar as vacinas restantes pode ser justificada pela data de validade delas, uma vez que algumas têm tempos de uso determinados após abertas, e seria um desperdício perder imunizantes. A SMSA (Secretaria Municipal de Saúde) de Belo Horizonte explicou ao BHAZ sobre o tempo de duração de cada vacina que está sendo aplicada na capital (confira nota na íntegra abaixo).

“No caso da AstraZeneca, a vacina pode ser utilizada até 48h após a abertura do frasco, desde que mantida na temperatura de 2 a 8 graus. Já para a CoronaVac são 6h, mantendo a mesma temperatura. Sobre a Pfizer, o imunizante só pode ficar na temperatura de 2 a 8 graus por, no máximo, cinco dias com o frasco lacrado. Caso seja aberto, a duração é de 6h”, explica a Secretária Municipal de Saúde de Belo Horizonte.

Especialistas recomendam xepa

Especialistas da área da saúde também acreditam que a aplicação das doses excedentes seja uma forma de aproveitamento, levando-se em consideração a data de validade dos imunizantes. O professor associado do Departamento de Química Médica da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Vandack Alencar, diz que as vacinas podem correr o risco de perder sua eficácia.

“Mesmo que sobrem ali de 3 a 5 doses, você tem que descartar porque corre-se o risco de vacinar alguém e essa pessoa se julgar protegida pela vacina, e de fato ela não está sendo protegida”, explica. Vandack Alencar diz que essas constatações partem de testes que são feitos na indústria farmacêutica.

Nesses testes, avaliam-se qual é o máximo de intervalo que aquela vacina pode ficar aberta e ainda assim obter resultados. “Existem situações em que essas recomendações de validade possam ser revistas pelo fabricante, e normalmente têm que passar pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, aponta.

O professor também vê a xepa como positiva no âmbito da aceleração da imunização da população. “A gente ainda carece de um aumento do número de vacinas por dia, o ideal é que tenhamos em torno de 2 milhões de doses aplicadas diariamente no Brasil para a gente poder controlar mais rapidamente a pandemia. Então nesse contexto de carência de vacinas, precisamos aproveitar ao máximo o que a gente tem disponível”.

Xepa deve seguir protocolos

Ainda que a aplicação das doses seja positiva e recomendada, a forma como elas estão sendo distribuídas devem seguir protocolos estabelecidos por cada município. Entretanto, é possível perceber que entre os moradores há um desconhecimento sobre como funcionam essas xepas.

O modo de operação delas pode variar de acordo com cada posto de saúde, como por exemplo, no caso citado de Esther Mourão, o Centro de Saúde Havaí adotou o método de escrever os nomes dos elegíveis para a xepa numa lista. Apesar de não falar sobre o caso específico, a Secretaria de Saúde de BH informa que não existe uma lista oficial da xepa, e que não pretende adotar o método como oficial. O órgão informou que tudo o que é proposto pelo PNI (Plano Nacional de Imunização) é replicado em BH e que, uma vez que tal estratégia não é recomendada pelo plano, a cidade não segue.

Quais são os protocolos de BH?

Em Belo Horizonte, as orientações para a aplicação das doses excedentes dá prioridade para as pessoas acamadas que integram o público-alvo de cada etapa e, não havendo ninguém desse grupo ou caso ainda existam doses sobrando, “são selecionadas pessoas com a faixa de idade imediatamente inferior à que está contemplada”, conforme dito pela SMSA.

Além disso, a secretaria informou ao BHAZ que os profissionais de saúde são orientados a fazer remanejamento de doses, “ou fazer uma busca ativa de pessoas com comorbidades que se enquadram nos critérios estabelecidos”. Esse contato é feito de forma exclusiva pelas equipes de saúde da PBH (Prefeitura de Belo Horizonte).

O caso de Esther Mourão, segundo a prefeitura informou ao BHAZ, ocorreu conforme as orientações pois, segundo o Executivo Municipal, ela possuía idade imediatamente inferior a que estava sendo contemplada (confira nota na íntegra abaixo).

Jovem de 21 anos aproveita xepa

Outro caso de aproveitamento da xepa em Belo Horizonte ocorreu com uma estudante de 21 anos, que preferiu não se identificar. Segundo a estudante, ela foi levar a mãe para se vacinar no Centro de Saúde Palmeiras, e acabou sendo vacinada com uma dose restante, no final do dia. “Tinha mais ou menos 5 pessoas para vacinar, e eu comecei a perceber um movimento das enfermeiras”, conta a moradora, que se vacinou no dia 21 de maio.

“Era para fechar o portão do posto, mas aí a coordenadora pediu para deixar o portão aberto para ver se chegava mais gente, porque eu acho que tinham aberto uma xepa, e algumas enfermeiras foram na rua olhar se tinha gente chegando, e deixaram o portão aberto por uns 15 a 20 minutos para ver se chegava alguém”, recorda.

Remédio para diabéticos

Ela ainda relatou que após passado o tempo de espera das enfermeiras, elas começaram a questionar os acompanhantes presentes na fila se possuíam comorbidades. Nisso, a estudante informou que não tinha comorbidades, mas que possui ovário policístico e faz uso do remédio prescrito Glifage XR, para tratar a diabete.

“Então a moça de apoio falou ‘ah então você pode vacinar. Eles esperaram um pouquinho mais, e falaram que estava sobrando x número de vacinas, e perguntaram para mais acompanhantes se tinham comorbidade. As duas pessoas que estavam na minha frente também conseguiram vacinar além de mim”, relembra.

A PBH explica que o caso da estudante está dentro dos critérios estabelecidos para receber as doses excedentes. Isso porque ela “estava na faixa etária elegível e fazia uso de medicação que comprovava uma comorbidade autorizada para receber a dose”, informa a prefeitura.

Secretaria prioriza a busca ativa

Embora a jovem estivesse elegível, a SMSA deixa claro que a determinação é que se faça uma busca ativa de acordo com as ordens prioritárias, o que não ocorreu na ocasião no Centro de Saúde Palmeiras. Sobre isso, a prefeitura disse que “a Secretaria Municipal de Saúde irá orientar, novamente, as equipes das unidades de saúde quanto ao processo de busca ativa”.

O professor da UFMG observa que é preciso ter organização para que grupos prioritários sejam contemplados, mas que a pior consequência seria perder uma dose de alguma das vacinas. “É preciso que os municípios se organizem para que o aproveitamento dessas doses seja feito contemplando o público mais vulnerável, e seguindo da melhor maneira possível um critério mais justo de distribuição”.

Mulher de 39 anos sem comorbidades

Em outros lugares do Brasil, há relatos de pessoas que conseguiram se vacinar por meio da xepa sem ter comorbidades ou serem um pouco mais velhas. Um exemplo é a ilustradora Alexandra Presser, de 39 anos, que mora em Florianópolis, Santa Catarina, e recebeu um dos imunizantes contra a Covid-19 no último dia 5 de junho.

“Eu já tinha visto notícias e no Twitter sobre a xepa, mas não estava cogitando ir. Aí no sábado passado [5 de junho] começaram a vacinar de novo por faixa etária, a partir de 58 anos. Só que durante a manhã do sábado, o prefeito anunciou que estariam vacinando a partir de 55 anos, e eu pensei que isso pudesse ter relação com uma baixa procura pelas vacinas”.

Alexandra Presser diz que associou o avanço na faixa-etária do público alvo com uma possibilidade de vacinar mais pessoas, e então cogitou que a xepa também estivesse tendo baixa procura. Nisso, a ilustradora foi, no fim da tarde, ao Centro de Eventos onde a vacinação estava sendo realizada naquele dia para buscar informações sobre as doses excedentes.

Ela conta que uma das enfermeiras informou que duas pessoas de 50 anos estariam na frente de Alexandra para pegar a xepa por serem mais velhas. “Aí eu falei que só tinha ido para pegar informação e ver a possibilidade, daí eu fiquei mais uns 5 minutos, ela me chamou e falou que tinham sobrado exatas três vacinas, que foram para as pessoas que estavam esperando, e eu peguei a última”.

BH nega casos como o de Florianópolis

O BHAZ questionou a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte sobre a existência de casos como o de Alexandra, que conseguiu se vacinar sem pertencer a nenhum grupo prioritário. A SMSA disse que os públicos que recebem as doses excedentes estão bem contemplados por meio do critério da idade imediatamente inferior a que está sendo vacinada.

Quando questionada se houvesse uma situação hipotética em que a dose poderia ser aplicada em alguém mais jovem do que a idade recomendada, a resposta é de que não poderia. “Grupos mais jovens que não são contemplados não podem. Pessoas mais novas foram só os profissionais de saúde e da educação”. De acordo com a SMSA, não ocorrem situações em que se vacinam pessoas muito jovens e sem algum tipo de prioridade.

“Se a gente abriu para 56 e a idade imediata é 55, e é um público de milhares de pessoas, é quase que impossível a gente não encontrar ninguém que esteja apto a ser vacinado nessa idade imediatamente inferior”, explica a secretaria. No caso de medidas serem tomadas caso alguém um pouco mais jovem receba a dose da xepa, o município conta com um canal de ouvidoria para possíveis reclamações e/ou denúncias, no Portal da Prefeitura.

O que diz a secretaria de Florianópolis

A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis para entender as diretrizes do município em relação à vacinação com as doses excedentes. Segundo o órgão, não existe xepa na capital em questão pois “os frascos são abertos já contabilizando as pessoas dos grupos elegíveis”.

Apesar do esquema não receber esse nome, a secretaria informou que quando há doses excedentes, existem grupos de moradores para as quais essas vacinas são destinadas, de modo semelhante a Belo Horizonte. Tais grupos são compostos pelos moradores que têm dificuldade de locomoção. Não existindo moradores nessa condição, as vacinas são distribuídas por idade ao público geral.

Sendo assim, “os coordenadores de cada ponto são orientados a ter uma lista de pessoas que têm dificuldade de locomoção, por exemplo, e precisam receber o imunizante em casa”. Quanto à população geral, Florianópolis está em sua fase 5 da imunização, e começou pelos moradores de 52 anos ou mais.

Prefeitura não vê erro, mas reforça prioridades

Com isso, as doses excedentes são destinadas a pessoas de idade imediatamente inferior, com os vacinadores devendo “direcionar, com agilidade, as doses sobressalentes de vacina para o Centro de Saúde referenciado pela Gerência de Atenção Primária ou Distrito responsável”.

Quando questionada se seria errado, portanto, se uma pessoa que não seguisse as prioridades recebesse uma dose excedente, a Prefeitura de Florianópolis leva em consideração a Nota Técnica do Ministério da Saúde e diz que só seria equivocado se alguém menor de 18 anos recebesse o imunizante.

“Entretanto existe sempre o cuidado de priorizar para vacina excedente populações alvo próximas da contemplada no momento”, pondera. Logo, o município reconhece que não existem medidas cabíveis a serem tomadas em caso de pessoas de grupos não-prioritários receberem vacinas excedentes, justificando que “cada caso é um caso”.

‘Pior cenário é perder dose’

Para o professor da UFMG, Vandack Alencar, a situação seria negativa se uma dose da vacina fosse perdida: “Se a gente olhar por um outro lado, o pior cenário de todos é você perder uma dose da vacina. E se a gente pensa que uma vacina é uma proteção mais do que individual, e sim coletiva, cada pessoa que é vacinada está contribuindo para o controle da pandemia naquela local”.

Nota do Ministério da Saúde na íntegra

A recomendação do Ministério da Saúde é que, ao final do expediente do dia de vacinação, seja analisada a necessidade de otimizar doses ainda disponíveis em frascos abertos, que podem ser direcionadas para pessoas dos grupos prioritários do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, priorizando o grupo que está sendo contemplado no momento. É importante ressaltar que estados e municípios têm autonomia para seguir com a própria estratégia de vacinação, conforme as demandas locais.

Nota da Secretaria Municipal de Saúde na íntegra

Os centros de saúde são orientados a procurar usuários para a aplicação das doses de vacina remanescentes. São priorizados os acamados do público-alvo sendo vacinados naquele dia e, caso ainda existam doses que devem ser utilizadas ainda na data, são selecionadas pessoas com a faixa de idade imediatamente inferior à que está contemplada.

Existem regras específicas para cada imunizante. No caso da AstraZeneca, a vacina pode ser utilizada até 48h após a abertura do frasco, desde que mantida na temperatura de 2 a 8 graus. Já para a CoronaVac são 6h, mantendo a mesma temperatura. Sobre a Pfizer, o imunizante só pode ficar na temperatura de 2 a 8 graus por, no máximo cinco dias, com o frasco lacrado. Caso seja aberto, a duração é de 6h.

Para obter o máximo rendimento das vacinas e evitar a perda das doses, em alguns locais, é preciso fazer remanejamento entre pontos de vacinação ou fazer uma busca ativa de pessoas com comorbidades que se enquadram nos critérios estabelecidos. O contato é feito exclusivamente pelas equipes de saúde da Prefeitura.

Denúncias de irregularidades na vacinação podem ser feitas na ouvidoria, no link: https://prefeitura.pbh.gov.br/ouvidoria/fale-com-a-ouvidoria.

Segunda nota da Secretaria Municipal de Saúde na íntegra

A Prefeitura de Belo Horizonte informa que a determinação repassada é que os centros de saúde procurem os usuários para a aplicação das doses de vacina remanescentes. São priorizados os acamados do público-alvo que serão vacinados naquele dia e, caso ainda existam doses que devem ser utilizadas ainda na data, são selecionadas pessoas com as faixas de idade imediatamente inferiores às que estão sendo contempladas, conforme ocorrido com a usuária vacinada no Centro de Saúde Havaí.

No caso da vacinação para pessoas com comorbidades também é feita a busca ativa por pessoas que se enquadrem nos critérios estabelecidos para recebimento da dose, que são cadastrados nas unidades de saúde. É importante esclarecer que na vacinação por comorbidades foram imunizadas pessoas a partir dos 18 anos. A usuária vacinada no Centro de Saúde Palmares estava na faixa etária elegível e fazia uso de medicação que comprovava uma comorbidade autorizada para receber a dose.

A Secretaria Municipal de Saúde irá orientar, novamente, as equipes das unidades de saúde quanto ao processo de busca ativa.

Edição: Roberth Costa
Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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