Ação por diversidade do Magazine Luiza é processada pela Defensoria

Fachada de loja do Magazine Luiza
Iniciativa de promover diversidade foi alvo de Ação Civil Pública (Magazine Luiza/Divulgação)

A DPU (Defensoria Pública da União) entrou com uma Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho contra o processo seletivo de trainee de 2021 do Magazine Luiza. A empresa buscou diminuir o abismo na ocupação de cargos de liderança por pessoas negras em relação a brancos, abrindo as vagas somente para afrodescendentes.

Para o autor da petição, o defensor Jovino Bento Júnior, o programa é “ilegal” e “atropela os direitos de outros trabalhadores”. “A reclamada sempre contratou negros em seus programas de trainee, algo plenamente comum. Portanto, nada justifica que pretenda, agora, que seu programa seja exclusivo para determinada raça/cor, em desarrazoado detrimento de todos os demais trabalhadores do País”, escreveu.

O defensor também argumentou que o processo seletivo diminuiria as oportunidades para pessoas que não são negras. “A adoção de programas que excluam grupos sociais inteiros, com base na cor da pele, assume ainda maior gravidade, prejudicando milhões de trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães de família, que verão suas chances de ingresso ou de recolocação no mercado de trabalho ainda mais diminuídas”, alegou.

Repúdio

Nas redes sociais, a ação sofreu críticas e alguns especialistas apontaram incompatibilidade com a Constituição Federal. A Aliança Jurídica pela Equidade Racial, constituída por nove grandes escritórios de advocacia do país, demonstrou apoio ao programa do Magazine Luiza. “Manifestamos nosso entendimento de que esses programas são juridicamente válidos”, publicou.

“É necessário garantir oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.228/2010). O Ministério Público do Trabalho entende pela constitucionalidade e legalidade desses programas, incentivando-os (Nota Técnica GT de Raça 01/2018 e Nota Pública de 20.09.2020)”, acrescentou.

Iniciativa pela inclusão

A iniciativa do Magazine Luiza foi elogiada por estudiosos e despertou, mais uma vez, o errôneo conceito de “racismo reverso”. Muitos exaltaram o esforço da empresa para diminuir a discrepância entre a quantidade de pessoas brancas e pessoas negras em cargos de liderança no Brasil. Mesmo que tenha recebido algumas críticas, a inciativa fez com que as ações da empresa subissem, quando foi anunciada.

“Igualdade de oportunidades e a inclusão são duas das nossas mais importantes causas. E, por isso, neste ano será exclusivo para candidatos negros. Atualmente, temos em nosso quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. E apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. Precisamos mudar esse cenário”, publicou a empresa ao anunciar o processo seletivo.

A iniciativa de promover essa inclusão foi defendida por especialistas nas redes sociais, como o advogado especializado em direito constitucional Thiago Amparo. “Magazine Luiza existe desde 1957. Há 63 anos, os processos seletivos privilegiam – conscientemente ou não – pessoas brancas. Acho que brancos conseguem aguentar 1 processo seletivo para trainees para pessoas negras”, afirmou Amparo.

Luiza Trajano: ‘O dia que entendi, chorei’

A empresária Luiza Trajano, dona do Magazine Luiza, foi a convidada do programa Roda Viva, na noite dessa segunda-feira (5). A mulher mais rica do Brasil defendeu o processo seletivo, reforçando a necessidade de mais diversidade nos cargos de liderança. “Eu acho que é o racismo estrutural que está inconsciente nas pessoas. O trainee é um cargo para ir para diretor, presidente, por isso nós fizemos o programa”, disse.

“Descobri que nos meus aniversários não tinha negros. Precisamos falar sobre racismo estrutural. Ou a gente continua numa lógica colonizada que escravizou pessoas ou a gente muda essa lógica. Nós temos que entender mais o que é racismo estrutural. O dia que eu entendi eu até chorei, porque eu sempre achei que não era racista”, acrescentou.

A empresária contou que quando o processo seletivo foi divulgado, o Magazine Luiza foi bombardeado com crítica. Com isso, acreditaram que teriam queda nas ações da empresa. Porém, o resultado foi o oposto e as ações subiram. “Agora nosso programa tem de ser perfeito, porque tá todo mundo olhando”, comentou.

Defensoria se manifesta

Com toda a repercussão da Ação Civil Pública, a DPU se manifestou sobre as demandas feitas por Jovino Bento Júnior. O órgão defendeu a “independência funcional” dos membros e o “respeito à pluralidade de pensamentos e à diferença de opiniões”.

A Defensoria também defendeu o uso da política de cotas como instrumento para redução de desigualdades sociais. “A realização da igualdade material perpassa a eliminação de barreiras estruturais e conjunturais que possam impedir o cidadão vulnerável de realizar plenamente seu potencial. Nesse contexto, é imprescindível a adoção de ações positivas por parte do Estado e da sociedade civil”, escreveu na nota (leia na íntegra abaixo).

Nota da Defensoria Pública da União na íntegra:

Nota de esclarecimento sobre a política de cotas raciais

A Defensoria Pública da União (DPU), representada pelo defensor público-geral federal em exercício, Jair Soares Júnior, esclarece que a atuação dos defensores públicos federais se baseia no princípio da independência funcional (artigos 134, § 4º, da Constituição, 3º e 43, I, da LC 80/94). Por isso, não depende de prévia análise de mérito ou autorização hierárquica superior. É dever da Administração Superior lutar pela observância interna e externa da independência funcional de seus membros, prerrogativa exercida em garantia dos assistidos da DPU.

É comum que membros da instituição atuem em um mesmo processo judicial em polos diversos e contrapostos e, por isso, é fundamental o respeito à pluralidade de pensamentos e à diferença de opiniões. Contudo, a representação judicial e extrajudicial da Defensoria Pública da União e a coordenação de suas atividades é atribuição do defensor público-geral federal (artigo 8°, I e II, da LC 80/94).

A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa forma, deve ser incentivada como forma de reduzir vulnerabilidades.

A realização da igualdade material perpassa a eliminação de barreiras estruturais e conjunturais que possam impedir o cidadão vulnerável de realizar plenamente seu potencial. Nesse contexto, é imprescindível a adoção de ações positivas por parte do Estado e da sociedade civil.

Como instituição constitucionalmente encarregada de promover o acesso à justiça e a promoção dos direitos humanos de dezenas de milhões de pessoas, a DPU apoia e incentiva medidas do poder público e da iniciativa privada que proporcionem redução de carências e de vulnerabilidade. Com o mesmo objetivo, a Instituição defende, de forma intransigente, a independência funcional de seus membros, prerrogativa voltada à boa atuação do membro em favor do assistido da instituição.

Edição: Aline Diniz
Guilherme Gurgel[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Escreve com foco nas editorias de Cidades e Variedades no BHAZ.

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