Principal fabricante de polvilho para pão de queijo, Amafil é incluída na lista suja do trabalho escravo: ‘como animais’

Amafil foi incluída na lista suja do trabalho escravo

O governo federal incluiu a empresa de alimentos Amafil na lista suja do trabalho escravo, cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão no Brasil. Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego identificou 24 trabalhadores atuando em lavoura de mandioca, ingrediente dos processados da Amafil, sem água potável, sem instalações sanitárias e sem local para refeições: “os empregados, como animais, comem no chão”, diz trecho do relatório.

A Amafil é uma empresa de processamento de mandioca que fabrica produtos como farinha, tapioca e derivados, além de polvilhos doce e azedo. A companhia tem sede no Paraná, onde foi fundada em 1956, e seus produtos são vendidos nos principais supermercados e armazéns do país. Em Minas Gerais, é possível encontrá-los com facilidade por ser ingrediente básico do pão de queijo o polvilho, seja ela doce ou azedo.

Segundo o Ministério do Trabalho, 24 trabalhadores foram submetidos a condições análogas à escravidão na Amafil. No relatório ao qual o BHAZ teve acesso são listados sete pontos que, segundo o MTE, enquadram a empresa no crime de trabalho análogo à escravidão.

  • transporte de passageiros por pessoa inabilitada
  • não fornecimento de água potável
  • ausência de local adequado para armazenagem ou conservação de alimentos e de refeições
  • falta de equipamento de proteção individual (EPI) e ferramentas de trabalho
  • ausência de local para tomada de refeições
  • ausência instalações sanitárias
  • a empresa permitir o agenciamento de trabalhadores através de um ‘gato’ (intermediador de mão de obra)

O último ponto enquadra a empresa no crime de tráfico de pessoas, diz o relatório da fiscalização.

O coordenador da fiscalização, Edvaldo Santos da Rocha, explica ao BHAZ que o grupo trabalhava colhendo mandioca na chácara e sem registro na Amafil. “Ficou provado no relatório que a empresa usa ‘gatos’, que são pessoas que pegam trabalhadores por aí e os tornam escravos de mão de obra. Esses gatos estão à frente e coordenam grupos de trabalhadores que vão de uma roça para outra e trabalham sem carteira assinada e sem exame médico numa situação degradante”.

Trabalhadores sem documentos e sem dinheiro

No ato da fiscalização, os auditores flagraram 24 trabalhadores em uma produção de mandioca, sendo que parte do grupo é do Maranhão, e a outra parcela é de São João do Caiuá, no Paraná. Os trabalhadores maranhenses eram escravizados em uma fazenda de laranjas e foram pegos pelo “gato” da Amafil para trabalhar na colheita de mandiocas.

“Eles saíram dessa colheita de laranja e ficaram sem poder voltar para o Maranhão porque os documentos estavam presos na fazenda. Ficaram sem documentos para comprar passagem e sem dinheiro, sem nada”, relata Edvaldo, fiscal do trabalho.

Segundo ele, os dois grupos trabalhavam na colheita da Amafil sem EPI (equipamento de proteção individual), sem exame médico e sem carteira assinada, arrancando mandiocas com as próprias mãos debaixo do sol e sendo transportados em veículos que eram dirigidos por motoristas sem carteira de motorista.

Alojamento sem cama e geladeira vazia

O relatório da fiscalização detalha como era o alojamento dos trabalhadores. Em depoimento, um deles relatou que a casa tem dois quartos, não tem cama e nem armário. O local possui somente um banheiro, quatro homens dormem na cozinha e um na sala.

Ainda segundo o relatório de fiscalização não havia local para as refeições em condições de higiene e conforto, condição obrigatória. “Os empregados, como animais, comem no chão”, diz trecho do relatório.

Além disso, segundo os fiscais, na lavoura não havia local adequado para armazenagem de alimentos e refeições. “Os empregados saiam de casa às 4h30, chegavam na frente de trabalho, e punham a marmita na beira de uma cerca em meio ao descampado. A comida ficava debaixo do sol e, dependendo do que fosse o conteúdo azedava”.

amafil trabalho escravo
Alojamento onde os trabalhadores dormiam (Reprodução)
A geladeira foi comprado em um ferro velho e estava vazia (Reprodução)

“Os trabalhadores eram transportados numa Kombi de uma cidade para outra por uma pessoa que não tinha carteira de motorista e também os documentos deles estavam detidos em uma outra fazenda de laranjas onde eu também declarei trabalho escravo”, narra Edvaldo.

Ao BHAZ, a Amafil disse que “foi inclusa de forma equivocada na “lista suja” – cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas a de escravo e já está ajuizando a medida judicial cabível para a exclusão”.

Empresa alega existência de terceirizada

De acordo com o coordenador da fiscalização Edvaldo, a empresa alega que a responsabilidade é de uma empresa “terceirizada”. “Nós dissemos que a terceirização foi feita ilegalmente, autuamos, a empresa se defendeu no processo administrativo e perdeu”, disse o auditor.

Antes da inclusão do nome na lista suja, as empresas apontadas como escravagistas têm direito a recorrerem em duas instâncias administrativas no Ministério do Trabalho

“As pessoas que eventualmente foram encontradas trabalhando nos locais objeto da fiscalização não são empregados da notificada (Amafil), inexistindo qualquer responsabilidade da notificada (Amafil) sobre o trabalho lá ocorrido, não tendo o que se falar em apresentação de registro de tais trabalhadores, pagamento de verbas rescisórias e todas as demais obrigações acessórias que constam na notificação”, argumenta a empresa no relatório de fiscalização.   

“Se não tivesse perdido, o nome dela não teria ido para ‘lista suja’. A imputação da relação empregatícia foi feita diretamente à Amafil. A ‘terceirizada’ era uma pessoa física que sequer tinha empresa, era o ‘gato’, arregimentador de mão de obra”.

Recorde de casos de trabalho escravo

Das 654 pessoas físicas e jurídicas presentes no cadastro de empregadores, mais de 300 nomes são de Minas Gerais. De acordo com o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), essa inclusão de 248 nomes na lista é a maior já realizada na história.

Desta nova edição, 43 empregadores foram inseridos por constatação de práticas de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico, sendo a atividade com maior número de nomes inclusos. Logo atrás aparece o cultivo de café (27); criação de bovinos (22); e produção de carvão (16).

Segundo o MTE, a atualização ocorre em todo semestre e o objetivo é dar transparência aos atos administrativos que se desenrolam nas ações fiscais de combate ao trabalho análogo à escravidão.

A inclusão de nomes de pessoas físicas ou jurídicas ocorre somente depois da conclusão do processo administrativo que julga o auto específico de trabalho análogo à escravidão. Não é permitido recorrer da decisão.

Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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