Com projetos criativos, professores resgatam gosto pela leitura entre jovens

Livros
Projetos desconstroem visão de que a literatura é ‘inútil’ na formação dos estudantes (Cultura RJ/Divulgação)

O Brasil perdeu, entre 2015 e 2019, mais de 4,6 milhões de leitores, segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. O maior percentual de queda foi entre os jovens de 14 a 17 anos e de 18 a 24 anos, enquanto a televisão, a internet e as redes sociais aparecem como principais atividades realizadas no tempo livre. Cientes da importância dos livros, da necessidade da valorização da literatura e dos efeitos da leitura na prática da escrita, dois professores desenvolveram projetos e métodos para estimular o hábito, fazendo com que os alunos vejam os livros com outros olhos.

Ao BHAZ, o professor de redação e literatura Leonardo Oliveira e a professora de língua portuguesa e literatura Sandra Leonardi, que atuam em Curitiba, no Paraná, contam como trabalham para que a leitura não seja só uma obrigação escolar para os jovens.

Fugindo do convencional

O professor Leonardo Oliveira, que dá aulas em um colégio masculino, conta que os alunos não costumavam respeitar a literatura e dar valor à disciplina. “O material usado nas escolas fala muito sobre detalhes da vida dos escritores, citando obras que os alunos nunca iam ler e caracterizando períodos literários em ‘caixinhas’. Temos que entender que muitas obras escapam às rotulações”, explica.

Ele decidiu focar, então, no ensino da literatura por meio das histórias e das interpretações de cada narrativa. “Muitas vezes, os livros não dão nem o resumo da obra. O aluno pode não decorar as características de um período, mas uma história interessante fica na memória. Partimos de um princípio de como assimilar essas histórias, como interpretá-las, questionar seus significados e sair do senso comum, exercitando a imaginação”, completa o professor do Colégio do Bosque Mananciais.

Leonardo ainda busca aplicar os valores da escola, que se baseiam no projeto de “Educação Personalizada” idealizado pelo pedagogo Victor Garcia Hoz, no ensino da literatura. O professor trabalha a compreensão das virtudes humanas por meio da interpretação das obras, relacionando valores como a coragem, a ordem e a fortaleza com as narrativas lidas pelos alunos, fazendo vínculos com as vidas pessoais de cada um.

Acompanhando de perto

Outra iniciativa importante para o aprendizado é o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos de forma individual, estimulando avanços e melhorias ao longo do período de formação. O professor conta que, no colégio, alguns estudantes têm um professor que atua como preceptor, conversando sobre a vida social, os estudos, as afetividades, a vida ativa dos jovens e, inclusive, suas relações com a literatura, estabelecendo mais um vínculo entre as virtudes e as trajetórias dos alunos.

Já para desenvolver a capacidade e a fluência da leitura, os alunos participam de um projeto em que leem uma seleção semanal de textos para os pais, que avaliam o avanço. No fim do mês, os estudantes se gravam fazendo uma leitura ou são chamados para uma avaliação na escola.

Hábito e interesse

Ainda pensando no desenvolvimento de cada aluno e na evolução das habilidades de forma pessoal, a professora Sandra Leonardi, que trabalha com alunos do ensino médio e técnico em Petróleo e Gás do Setor de Educação Profissional e Tecnológica (SEPT) da UFPR (Universidade Federal do Paraná), também busca despertar nos alunos o gosto pela literatura e melhorar a proficiência em leitura, interpretação e escrita. A profissional, que já trabalhou em todos os níveis da educação ao longo dos 22 anos como professora, criou um projeto de pesquisa para desenvolver as habilidades dos estudantes e medir seus resultados ao longo do tempo.

“Percebemos que, pelos alunos estarem em um curso técnico muito focado em matemática, química e física, havia muito desinteresse pela língua portuguesa e pela literatura. Os estudantes não tinham hábito de leitura e muitos nunca tinham lido um livro inteiro, e, por isso, não sabiam organizar um texto escrito”, conta. Partindo desse ponto, a professora desenvolveu um programa de leitura inspirado no filósofo Mortimer Adler, com base na perspectiva de que “a educação é para a vida toda, não é um processo que tem começo e fim na escola”.

Fundamentado nas ideias do filósofo e com o objetivo de fornecer ferramentas para o aprendizado e de criar um hábito de aprendizado, o projeto busca dar ferramentas técnicas de leitura, analisar exemplos e fazer leituras coletivas, além de fazer com que cada aluno desenvolva leituras individuais. A iniciativa faz parte da disciplina de língua portuguesa ofertada no SEPT, ao mesmo tempo que os resultados são analisados no projeto de pesquisa.

Os alunos têm uma pasta em que organizam, durante os três anos do ensino médio, seus registros em sete tópicos: “história das pessoas” (romances, ficção),” história do eu” (biografias, memórias, cartas), “história dos acontecimentos”, (fatos, livros de história, física, etc.), “história do pensamento” (filosofia), “história através das artes” (teatro, filme, série, etc.), “poetas e seus poemas” e “meus trabalhos” (envolvendo trabalhos desenvolvidos para outras disciplinas da escola).

Pasta programa de leitura
Alunos desenvolvem projeto ao longo dos três anos de ensino médio (Sandra Leonardi/Arquivo pessoal)

Os estudantes, então, começam lendo em conjunto a obra “A Odisseia”, de Homero, e depois ficam livres para escolher as próximas leituras. Ao longo dos anos, eles continuam usando o modelo da pasta e acumulando seus registros e aprendizados. “Observamos um crescimento muito grande no interesse pela leitura, percebemos trocas de conversas entre eles mesmos sobre livros, e eles passaram a comprar mais obras”, conta a professora.

Organização e escrita

Sandra ainda desenvolveu outro projeto, desta vez opcional, com base no livro “A vida intelectual”, de A.-D. Sertillanges, que busca compreender o que é ter uma vida intelectual e quais posturas são necessárias para se desenvolver bem os estudos. De acordo com a professora, o curso, que começará a ser aplicado de forma presencial ano que vem, ajudou muitos alunos a criar um espaço em casa para os estudos. “Muitos estudavam na cama, na mesa de jantar, não tinham um local adequado ou uma noção de organização”, conta.

Espaço de estudos
Aluna organizou um espaço de estudos com ajuda do curso
(Sandra Leonardi/Arquivo pessoal)

No último ano, ela ainda oferta um curso de redação, trabalhando os modelos dos vestibulares e do Enem. Na aula, os alunos estudam temas dos direitos humanos, que são cobrados na redação do exame nacional, e trabalham as visões técnicas e políticas de cada tópico. “Sempre estudamos três visões – direita, esquerda e central -, e se alguém mais quiser expor algo diferente, estamos abertos. Nunca trabalhamos um texto só com uma visão, porque o aluno precisa compreender o todo e saber analisar cada posição para formular novos argumentos”, explica.

Resultados

Com tanto esforço e dedicação para desenvolver as habilidades dos alunos e estimular o interesse pela leitura, os professores passaram a ver avanços no modo como eles escrevem e articulam os textos, inclusive refletidos nas notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “A primeira turma do programa de leitura foi em 2015, fazemos adaptações a cada ano e os resultados estão sendo excelentes. Até 2019, a nota da redação no Enem aumentou progressivamente, com 106 pontos a mais. Neste ano, me surpreendi muito, vários alunos tiveram notas acima de 900”, conta Sandra Leonardi.

Em 2015, a média das notas de redação do Enem do SEPT da UFPR foi de 656,42, de acordo com os microdados divulgados pela instituição. Em 2019, a média foi de 762,50. No Colégio do Bosque Mananciais, Leonardo Oliveira conta que, nos últimos três anos, os resultados do exame também foram expressivamente bons. “São turmas pequenas, mas a escola tem se classificado bem em relação ao estado, e os alunos conseguiram um excelente resultado na redação do ano passado”, comenta o professor.

Além do Enem, a satisfação dos profissionais se dá quando eles percebem que os estudantes estão adquirindo gosto pela leitura e criando respeito pela literatura, inclusive a clássica. “Existe uma conversa de que a literatura é inútil, mas nós modificamos essas interpretações no sentido das virtudes. A literatura traz uma reflexão sobre o concreto, o que está na base das nossas crenças”, finaliza Leonardo.

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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