Conflito no BBB21 escancara gatilhos nas relações inter-raciais

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O “fora” que a sister deu em Lucas Penteado exemplifica as dificuldades e traumas que homens negros possuem (Reprodução/Twitter)

A primeira festa do BBB 21 aconteceu na noite de ontem (27) e, durante a madrugada, surgiu um conflito entre Lucas Penteado e Kerline. O motivo foi pelo ator ter tentado ser o cupido da festa, e isso incomodou a sister. Para revidar, Kerline disse a Lucas que ficaria com ele, mas voltou atrás logo depois, ao alegar que não passava de uma brincadeira. Penteado acabou magoado com a situação, dizendo que aquilo o machucou enquanto homem negro.

No decorrer da festa, Lucas Penteado decidiu perguntar aos participantes com quem eles ficariam, e acabou questionando Kerline sobre isso. “E se eu quiser o cupido?”, disse a modelo para Lucas. Minutos depois, o ator foi até a dizer que ficaria com ela. “Quer saber de um bagulho? Olha pra mim. Quero pegar você, eu não sei mais o que falar. Eu pego você fácil, só você falar que sim”, disse Lucas.

Para a surpresa de Lucas Penteado, Kerline Cardoso não estava falando sério, quando disse que queria o cupido. “Não, não é isso. A história muito bem esclarecida é que eu cheguei ali e você me empurrando pra outros caras de dentro da casa”, explicou Kerline, ao que Lucas respondeu: “Eu trabalho de cupido”.

A sister continuou: “Você se autoelegeu cupido, então quem sou eu pra te tirar desse cargo? Esse é seu cargo? Então, meus parabéns, que está sendo muito bem feito. Meus parabéns. Tá sendo bem encaminhado. Eu já tô começando a mudar de ideia. Muito bom. Além de ator, você é um ótimo cupido”. Kerline se levantou para sair e Lucas, confuso, perguntou: “Tu brincou comigo? É isso que aconteceu?”, e a modelo se afastou aos risos.

Humilhação

Momentos depois, Lucas Penteado entrou para a casa magoado com a situação, e começou a chorar no quarto. Ao seguir para o banho, Karol Conká, Nego Di, Juliette, Pocah, Sarah presenciaram o ator chorando, e tentaram consolá-lo. “Ela me tirou, ela me humilhou. Fiquei todo bobo. Não vou nem falar o que eu senti. Eu fiquei de idiota”, desabafou Lucas.

“A mina é mil grau, bonita. Estereótipo brabo, ‘séloco’. Nunca ninguém olhou para mim. Nunca fui visto como bonito, sei lá, como alguém a altura e ela só tava brincando. Não tem como. Não sei se eu tô louco, se tô viajando”, disse Lucas, aos prantos. Na terça-feira (26), o ator havia conversado sobre o tema com outros brothers, dizendo que nunca ficou com uma mulher branca. “Não é porque eu não quis, é que nunca rolou, elas não olham muito pra mim”.

A afetividade para pessoas negras

A situação que aconteceu entre Lucas Penteado e Kerline Cardoso apontam questões como a solidão do jovem negro, e todo o contexto social e racial que levam a essa solidão. Ademais, homens negros heteros, geralmente, não se veem como uma opção afetiva para uma mulher branca. Partindo desses apontamentos, o BHAZ conversou com o ativista sobre racismo e fundador do projeto “Machismo entre nós”, Gustavo Ribeiro, que explicou a gravidade do que aconteceu entre os brothers.

“Existe uma tradição no pensamento e na formação dos homens negros de não se sentirem desejáveis. A gente é visto, geralmente, como um objeto sexual, como objeto de trabalho e de força, e a imagem do jovem negro é a imagem do bandido, a imagem da pessoa que perpetua violências no Brasil”. Segundo Gustavo, isso traz como consequência a pouca ou a nula falta de experiências amorosas da mesma forma que pessoas brancas têm.

Gustavo Ribeiro diz que o racismo opera de uma forma profunda fazendo com que o desejo de um homem negro e hetero seja uma mulher branca. “Eu acho que o caso dele mostra para a gente essa luta, esse desafio constante que é o homem negro buscar o afeto, buscar o amor, buscar o acolhimento e se frustrar com isso”, completa o ativista. Para ele, a expectativa sobre um homem negro geralmente não condiz com o que ele é.

O ocorrido pode afetar a autoestima de Lucas que, assim como muitos homens negros, luta para construí-la. “Traz uma consequência para a autoestima de uma forma muito cruel, porque isso é feito publicamente, num lugar filmado em que as pessoas estão tendo sua intimidade exposta. Fazer esse tipo de brincadeira, que para alguns pode ser uma brincadeira, é literalmente mexer com os sentimentos de uma pessoa”.

Imaginário feminino: homem como brinquedo

O ativista Gustavo Ribeiro também apontou para um outro desdobramento da atitude de Kerline, que caracteriza um comportamento de conquista feminino. “Paira no imaginário feminino essa ideia de é preciso brincar, mexer com um homem que em geral seria fechado, que seria alheio de seus sentimentos, e brincar com isso numa forma de exercer um poder”.

Quando Lucas Penteado aponta que pela primeira vez uma mulher branca se interessou por ele, o participante acaba se sentindo finalmente desejado, como explicou Gustavo. “Quando essa barreira do preconceito é ‘rompida’ e a gente se vê como querido por uma mulher branca que todo mundo desejaria, isso dá um gás na autoestima da pessoa”. Isso porque, segundo Gustavo, “a gente aprende a desejar a vida que as pessoas brancas têm”.

“Isso é uma perspectiva até mesmo de classe, o ideal do que é uma família bem sucedida e uma família bem estruturada passa por uma ideia embranquecida do que é família, do que é sucesso. Então querer se vestir como as pessoas brancas, querer frequentar os mesmos espaços, ter acesso aos mesmos luxos e aos mesmos privilégios, inclusive nas relações afetivas e amorosas, é um desejo que acaba sendo imposto no imaginário das pessoas negras”.

Edição: Thiago Ricci
Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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