‘O câncer é uma oportunidade de olhar para você com carinho’

juliana malaquias
Juliana sensibiliza internautas com carta aberta publicada no Linkedin (Arquivo pessoal)

Moradora de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, uma mulher de 32 anos emociona internautas de diferentes partes do país, desde ontem (7), por conta de um relato publicado no Linkedin. Juliana Malaquias postou uma carta aberta falando sobre a descoberta de um câncer de mama e como o diagnóstico a fez sair do trabalho em uma agência, na qual atuava há mais de um ano como social media.

O relato de Juliana, que acompanha uma foto dela às lágrimas, sensibilizou usuários da plataforma. No texto, a carioca explica que a imagem em questão foi feita logo após uma reunião no trabalho. No mesmo dia, ela resolveu pedir demissão. O motivo? Cuidar da própria saúde.

Ao BHAZ, Juliana contou nesta sexta (8) que, ao receber o diagnóstico de câncer, ficou preocupada com os rumos do trabalho, por ter um vínculo de PJ (Pessoa Jurídica). Profissional dedicada, durante algum tempo ela tentou manter a rotina – mas as dores e sintomas provocados pelo câncer a impediram de render o tanto quanto antes.

Juliana, de tranças, antes de começar quimio e radioterapia (Arquivo pessoal)

Diagnóstico

“Eu fazia acompanhamento desde 2017 por conta de um nódulo. Em 2020 deixei de fazer exames por conta da pandemia e, ao voltar, em 2021, descobri um carcinoma, um câncer de mama metástico, que espalhou-se pela coluna e fígado”, explica a social media.

Mas, as consequências de quimioterapias e radioterapias não eram as únicas questões que ela precisava lidar. Antes, por conta da rotina intensa no emprego, foi parar no hospital com crise de ansiedade e síndrome de bournout – um transtorno psíquico de caráter depressivo, com sintomas parecidos com os do estresse, da ansiedade e da síndrome do pânico, mas no qual o especialista percebe a associação com a vida profissional da pessoa. 

“Desde que descobri o câncer eu fiquei bem mal fisicamente, por conta das dores, e já vinha de uma onda psicológica bem ruim, com crises de ansiedade, palpitação, suando frio. Nessa época eu achei que estava infartando”, conta Juliana.

A social media relata que passou a ter gatilhos no trabalho por conta da rotina e que queria se convencer de que estava fazendo algo bom para ela. “Eu intensifiquei a terapia nesse período, mas a rotina me dava vários gatilhos. Eu trabalhava de segunda a sexta, fazendo várias horas por dia, com a desculpa de que era algo meu. Quando eu descobri o câncer, pensei: ‘como vou fazer agora?’, fiquei angustiada”, relembra. “Levei um trabalho PJ adiante, mas a gente sabe que a carteira assinada dá uma certa estabilidade, e como PJ você acaba tendo que pagar suas coisas”, continua.

Inicialmente, mesmo com os diagnósticos relacionados à rotina intensa e ao câncer de mama, ela decidiu continuar trabalhando. Mas nem tudo era como antes. “Eu sempre rendi muito e não estava conseguindo mais, o desgaste físico muito grande, perdi 10 kilos em duas semanas e não conseguia levantar da cama. Foi então que fizeram uma reunião comigo, questionando como achava que ficaria o futuro. Eu não tinha como prever, é uma doença muito incerta, deixei em aberto para colocarem outra pessoa, ou me demitir”, conta.

‘Tamo junto’, mas nem tanto

Juliana relata que, num primeiro momento, os gestores a acolheram bem e a sensação era de que tudo se ajeitaria, mesmo com o câncer de mama. Ela ouviu um “tamo junto”, mas com o passar dos dias as coisas mudaram de rota.

“Trouxeram outra pessoa para me ajudar, eu conseguia dividir as coisas. O câncer em si, no entanto, te deixa muito fadigada. Em um agência de marketing, você tem reuniões com os clientes. Tinha dia que eu tinha que fazer reunião e tinha acabado de vomitar. Exisita uma cobrança muito grande da minha parte, se eu não rendesse poderia ser descartada”, conta.

“Comecei a ficar muito mal até que um dia a gestora informou, em reunião, que um dos clientes grandes da agência tinha reclamado, que eu seria retirada do cliente e outra pessoa seria colocada na conta”, relata.

“Sempre fiz de tudo para ser a melhor, então começou a me incomodar muito, não era mais a profissional que eu queria ser. E a ajuda que me deram, de chamar outra pessoa, começou a parecer uma fatura, como se eu tivesse que pagar por isso em algum momento. Eu tinha que dar um retorno, mesmo com a ajudante. A questão não era o cliente, eu sabia que não era. Chorei muito e precisava tomar uma decisão”, diz ela.

Rede de apoio

Juliana conta que, antes de decidir deixar o emprego, conversou com uma amiga psicológa e com dois irmãos, um que mora com ela e outra que vive em outra casa. Segundo ela, os três foram, de fato, a rede de apoio que ela precisava.

“Eu pensava comigo: ‘ou eu vou permancer assim ou vou ter que pedir demissão e não saber como será o dia de amanhã. Foi então que mandei áudio para minha amiga, com quem converso muito. Ela me aconselhou no sentido de eu cuidar da minha saúde, que é a prioridade no momento. Minha irmã, que não mora junto, também tem sido minhas pernas e braços, com 100% de apoio, assim como meu irmão que mora junto comigo”, conta.

“O ‘tamo junto’ que eu precisava veio dessas pessoas. Então, mandei mensagem para minha gestora explicando que queria sair. Ela argumentou que colocaram alguém para me ajudar, mas percebi que isso estava sendo um peso para eles e para mim também. No dia seguinte reforcei que queria sair e a resposta que recebi foi ‘a gente lamenta, a gente está com você’, mas em nenhum momento ouvi alguém questionar se eu precisava de um remédio, plano de saúde, carona para alguma coisa, ou até mesmo de comida. Eu recebia refeição, mas quando fui para casa foi cortada. São coisas que você começa a observar e que um contra-cheque não vai pagar”, explica.

“Eu estava me iludindo, criando um mundo e uma empresa perfeitos, o que estava me corroendo. Quando decidi sair tirei um peso das minhas costas e foquei no meu tratamento, na minha cura. Eu sou evangélica, então passei a orar muito pela minha cura, deixar o trabalho foi um divisor de águas na minha vida. Eu preciso da minha saúde, de resto a gente corre atrás, com pessoas que estão verdadeiramente juntas da gente”, reflete.

Evolução

Depois de largar o emprego, Juliana conta que passou a notar melhoras na evolução do quadro de saúde. “Ontem fui nas minhas médicas para fazer exames e o resultado da segunda quimioterapia foi impressionante. Quase não se sente mais o nódulo no meu pescoço, não estou mais com anemia. Acho que essas coisas são fruto da decisão que tomei, de realmente cuidar da minha saúde física e mental. Mas, poucas empresas realmente olham para essas questões. Não olham com carinho, então se você não está ‘saudável’ acaba não sendo mais necessário”, reflete.

Juliana começou o tratamento em 23 de agosto e no próximo dia 11 começa o terceiro ciclo, de oito no total – cada ciclo corresponde a um mês de terapias. “Melhorei bastante da primeira para agora, sempre fico muito cansada e enjoada. As vezes fico só dormindo, mas passei a me alimentar melhor. Sinto só gosto de metal na boca, por conta da quimio e da radioterapia, mas preciso comer para ficar forte”, relata.

Sobre as medicações que precisa tomar, a social media diz que o remédio mais caro um primo dela conseguiu, já que trabalha em uma farmácia. “Estou com caixas para os oito meses de tratamento, mais do que o necessário, então vou fazer uma doação para o posto fraternal na minha rua. Ele custa cerca de R$ 60, os outros que preciso tomar ainda não sei como fazer, mas são mais baratos”, diz.

“Eu consegui juntar um dinheirinho pra me manter por uns dois meses, mas vou dar entrada no auxílio doença, que não é muito mas já ajuda a pagar o plano de saúde. Sei que existem pessoas em situações muito piores que a minha”, define.

Mais empatia e autocuidado

Por fim, Juliana Malaquias faz um apelo por mais empatia no mundo corporativo e para que as pessoas mantenham o autocuidado em mente. “Nenhum CNPJ vale o seu CPF. Mesmo que você esteja ali no CNPJ, lembre que você é uma vida, que o CNPJ vai continuar com você ou não. Se você morrer, eles colocam outra pessoa no seu lugar”, diz.

“Então, é necessário se olhar com mais carinho. A doença, seja câncer ou não, é um alerta do seu corpo pedindo por autocuidado. Eu tive a sabedoria para parar, não queria aquela vida para mim. Gostaria que olhassem mais para as pessoas, não só da boca para fora, principalmente em questões como estresse, depressão, que oferecessem ajuda”.

“Eu entendo que, às vezes, a pessoa não tem de onde tirar outra renda. Mas penso que as pessoas precisam procurar lugares em que sejam, acima de tudo, valorizadas e se sintam bem para trabalhar. A gente costuma passar mais tempo no trabalho que na própria casa, então o lugar e a rotina não podem prejudicar sua saúde. Sem saúde você não tem nada, não tem emprego, bons momentos com a família e amigos. Você pode ganhar muito dinheiro, mas se não tiver saúde não vai poder usufruir. O ideal é se priorizar e olhar para si mesmo com mais carinho”, finaliza.

Repercussão

A social media conta que decidiu postar a carta aberta para expressar os sentimentos que tinha em relação ao turbilhão que enfrentava. Segundo ela, a intenção não é “difamar a empresa”. O retorno surpreendeu Juliana, já que várias pessoas passaram a enviar mensagens a ela.

“Eu postei a carta aberta sem pretensão nenhuma, mas os números ficaram bizarros. Tem muita gente chegando em mim, contados os próprios casos, mães solos que passam por abusos. Eu acabei me tornando fonte de luz para essas pessoas, o que tem me ajudado. E o meu relato também ajuda outras pessoas”, conta.

Juliana diz que recebeu até mesmo propostas de emprego e que está aberta a trabalhar, mas que ainda tem vários exames para fazer. “Preciso realmente que as pessoas entendam que vão ter momentos em que vou estar bem e em outros que eu realmente não tenho como, então vamos ver”.

Roberth Costa[email protected]

De estagiário a redator, produtor, repórter e, desde 2021, coordenador da equipe de redação do BHAZ. Participou do processo de criação do portal em 2012; são 11 anos de aprendizado contínuo. Formado em Publicidade e Propaganda e aventureiro do ‘DDJ’ (Data Driven Journalism). Junto da equipe acumula 10 premiações por reportagens com o ‘DNA’ do BHAZ.

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