Relatos sobre uso de Roacutan viralizam e acendem alertas

Jovens com acne
Nome Roacutan ficou o dia todo entre os assuntos mais comentados no país (Reprodução/Twitter/@luangposs + Carol Morena/Medicina UFMG)

“Faz milagre”. “O tratamento é horrível”. “Salvou minha vida e autoestima”. “Foi a pior época da minha vida”. “Tenho sequelas até hoje”. Pode não parecer, mas todos esses relatos são de um remédio já conhecido entre os brasileiros: o Roacutan. Na tarde de hoje (28), o medicamento ficou entre os assuntos mais comentados das redes sociais, com histórias de sucesso, mas também com diversos alertas. A lista de pontos negativos da substância é tão extensa quanto a de benefícios, o que torna o uso uma decisão delicada.

A isotretinoína, conhecida comercialmente como Roacutan, é utilizada no tratamento de casos severos de acne. A substância divide opiniões sobre o seu uso. A polêmica é tanta que o nome do remédio passou horas entre os principais assuntos do Twitter no Brasil nesta segunda, com mais de 50 mil publicações sobre o tema. O BHAZ procurou uma especialista para esclarecer quais são os mitos e as verdades sobre o medicamento e entender como ele funciona (leia no fim da matéria).

‘É ruim, mas é bom’

A movimentação na rede social começou depois que um jovem compartilhou fotos antes e após o uso do remédio – com o rosto inicialmente tomado por acne e, na sequência, completamente recuperado. A partir daí, foram inúmeros os relatos semelhantes. “Roacutan salvou a minha vida e a minha autoestima, a minha pele tá belíssima e estou feliz assim”, compartilhou um internauta.

O outro lado

No entanto, não demorou para que começassem a aparecer os relatos do outro lado da história. O medicamento – que tem entre os efeitos colaterais dores musculares; ressecamento da pele, olhos, boca e cabelo e depressão – também é responsável por péssimas lembranças para aqueles que já o utilizaram.

“Fez meu nariz sangrar por uma semana, me deixou quase depressiva, prendeu meu intestino e tals…”, relatou uma jovem, enquanto uma segunda ironizou: “Salva a autoestima, você fica com a pele belíssima mas em compensação morre por dentro. Eu acho uma troca justa”. “É ruim, mas é bom”, resumiu um terceiro.

‘É muito pesado’

Há ainda um terceiro tipo de relato muito comum sobre o medicamento: o daqueles que têm medo de iniciar o uso. Nesses casos, o principal motivo é a apreensão relacionada aos efeitos colaterais, especialmente os psicológicos. “Esse período durante o tratamento é muito ruim, tanto que eu não recomendo pra ninguém fazê-lo porque é uma coisa muito pesada”, contou o belo-horizontino Ricardo Vaz de Melo, ao BHAZ. Ele fez uso do Roacutan durante seis meses em 2018 e tem lembranças traumáticas do período.

“O Roacutan mexe com o psicológico da gente, e as pessoas não estão acostumadas, então te pega de surpresa, essa alteração no humor. As suas emoções ficam muito mais intensas. Se você está triste, você fica muito mais triste. Se você está com raiva, você fica com muito mais raiva por conta do remédio, e isso eu acho que era o pior”, lembra.

Ele também conta que a situação ficou ainda mais complicada quando teve que conciliar o uso do remédio com uma fase difícil da vida: “Nessa época, eu estava passando por algumas mudanças tanto pessoais como profissionais, então eu já estava um pouco chateado, irritado e triste com essas coisas. E ainda estava tomando o remédio, então foi intensificando tudo. Tive alguns pensamentos suicidas por causa do remédio e tive um princípio de depressão, então é uma coisa muito ruim mesmo”.

‘Autoestima no chão’

No entanto, os efeitos não são os mesmo com todo mundo. Cada organismo reage de um jeito e, enquanto alguns adquirem traumas para a vida toda, outros passam pelo tratamento com toda tranquilidade. É o caso de uma jovem de Governador Valadares, na região do Rio Doce, que pediu para ter a identidade preservada. Ao BHAZ, ela contou que, justamente por causa dos relatos, pensou muito antes de aceitar o uso do remédio.

“No fim de 2016, eu fiquei muito ansiosa com o vestibular e aí minha cara ‘pipocou’ toda, minha autoestima foi lá no chão. Minha dermatologista falou que a gente só iria para o Roacutan em último caso, aí eu tentei várias coisas: tentei ácido, tentei tomar antibiótico, só que não funcionou. Aí eu tomei o Roacutan por seis meses”, relata.

O que ela não esperava é que teria uma experiência tão positiva: “Eu achei que ele resseca muito o olho, o nariz, a boca… Meu nariz sangrava às vezes e a minha pele ficava muito sensível, mas eu não me arrependo. Eu passava protetor labial o tempo todo, passava creme no corpo, então foi muito tranquilo. Valeu muito a pena, porque, apesar dessas coisinhas, minha autoestima melhorou muito”.

Mitos e verdades

Com tantas opiniões e experiências diferentes, pode ser difícil saber o que de fato é verdade sobre o Roacutan. A dermatologista Gisele Viana de Oliveira, diretora de mídia da Sociedade Brasileira de Dermatologia, explica que alguns dos efeitos mais famosos associados ao medicamento não têm comprovação científica, como é o caso da depressão.

“As últimas revisões sobre isso não mostram um efeito de depressão associado ao uso de Roacutan. Não foi provado que ele leva à depressão e ao suicídio. Muitas vezes o que acontece é que o paciente já vem com essa depressão por causa da acne”, explica. Ela ainda pontua que esse ponto de vista é amparado na ciência. “Nós sabemos, por causa de estudos, que a acne grave é muito ansiogênica para o adolescente, que leva ansiedade e tristeza pelas cicatrizes e espinhas que ele tem”, acrescenta.

Comprovadamente, no entanto, o medicamento causa ressecamento da pele, da boca e dos lábios. Isso por conta da forma como ele age no organismo: “Ele atua na glândula cebácea, que é a estrutura onde acontece a formação da espinha. Quando é utilizado durante muitos meses, leva a uma atrofia da glândula, que faz com que a pessoa passe alguns meses e até anos sem apresentar acne. É exatamente por essa melhora prolongada que ele é muito procurado”, explica Gisele.

Contraindicação e acompanhamento

A médica dermatologista reforça que, apesar do medicamento já ser bastante popularizado no Brasil e no mundo, é muito importante que se tomem todos os cuidados no uso: “Jamais deve ser associado com bebidas alcoólicas. Além disso, o paciente vai ter um efeito de fotosensibilidade, então ele não pode se expor ao sol”.

No caso das mulheres, há ainda um outro cuidado fundamental: “A mulher não pode engravidar, porque se isso ocorrer durante o uso do medicamento, pode levar à má-formação [do feto], porque a substância é um teratogênico”.

No entanto, isso não significa que o Roacutan cause infertilidade, conforme esclarece Gisele: “Ele não leva a problemas nos ovários. Por exemplo, se a mulher quiser engravidar um ano depois de usar o medicamento, ela não vai ter problema nenhum. Ou se um homem estiver fazendo uso do medicamento e engravidar uma mulher, o feto também não vai ter problema nenhum. O que não pode é a mulher engravidar durante o uso”.

Respeite as individualidades

Por fim, a dermatologista esclarece ainda um ponto fundamental na avaliação sobre o uso do medicamento: especialmente com a repercussão nas redes sociais, é cada vez mais comum que as pessoas decidam fazer mudanças estéticas por causa de comparações com terceiros. Gisele alerta que esse não é o caminho. “É muito importante a gente saber que nós somos seres únicos, que temos a nossa individualidade e que ela deve ser respeitada. E ela não é respeitada quando a gente se compara com qualquer outra pessoa, por exemplo uma blogueira”.

Além disso, para navegar entre as inúmeras opiniões sobre o tema, é primordial tomar qualquer decisão com acompanhamento especializado. “É essencial que a pessoa procure o médico dermatologista. Quem trata acne não é dentista, não é esteticista. Quem trata acne é o médico dermatologista, que fez uma residência médica de quatro anos para desenvolver as habilidades para tratar a acne. É um treinamento teórico e prático, com provas e especialização. Não é uma pessoa que faz um curso de final de semana, seja ela médica ou não, que vai estar apta para tratar a acne, especialmente com isotretinoína”, lembra Gisele.

Edição: Aline Diniz
Giovanna Fávero[email protected]

Editora no BHAZ desde março de 2023, cargo ocupado também em 2021. Antes, foi repórter também no portal. Foi subeditora no jornal Estado de Minas e participou de reportagens premiadas pela CDL/BH e pelo Sebrae. É formada em Jornalismo pela PUC Minas e pós-graduanda em Comunicação Digital e Redes Sociais pela Una.

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