‘A gente não pode dar opinião’: Saiba por que o pedido de desculpas de Maurício Souza reforça preconceitos

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Pelas redes sociais, o vídeo de desculpas virou assunto e dezenas de pessoas não se mostraram convencidas com os argumentos apresentados pelo atleta (Reprodução/@mauriciosouza17/Instagram)

O ex-jogador de vôlei do Minas Tênis Clube, Maurício Souza, se pronunciou na tarde de hoje (27) a respeito de seu comportamento homofóbico nas redes sociais e recebeu novas críticas. No vídeo, ele pede desculpas “a todos que se sentiram ofendidos” com a sua “opinião” e defende sua liberdade de “lutar por aquilo que acredita”. Apesar da retratação – uma das exigências para que ele permanecesse no clube – o Minas anunciou hoje a rescisão do contrato com o atleta.

Pelas redes sociais, o vídeo de desculpas virou assunto e dezenas de pessoas se mostraram pouco convencidas com os argumentos apresentados pelo atleta. Muitos internautas, inclusive, disseram que as falas dele só reforçaram seu preconceito.

“O vídeo de ‘desculpa’ do Maurício Souza é ele simplesmente se lamentando por não poder ser homofóbico impunemente”, escreveu uma pessoa. “O cara não fez o mínimo esforço pra entender o que estamos falando, reafirmou as ‘bostas’ todas e pediu desculpas deixando claro que nem sabe o porquê de ter que se desculpar”, pontou outro usuário do Twitter.

Em conversa com o BHAZ, o antropólogo do esporte Wagner Xavier de Camargo analisou, ponto a ponto, o vídeo. Nesta matéria, ele explica o porquê de as falas do atleta continuarem sendo tão questionáveis – mesmo com todos os argumentos de “boas intenções”.

‘A gente não pode mais dar opinião’ (?)

“Fala pessoal, tudo bem, aqui é o Maurício Souza, eu vim aqui para pedir desculpas a todos que se sentiram ofendidos com minha opinião, por eu defender aquilo que eu acredito, não foi minha intenção”, começa o atleta no vídeo.

Instantes depois, ele lamenta não ter mais o “direito” de defender o que acredita e disse estar triste, já que “infelizmente, a gente não pode mais dar opinião”. “Assim como vocês defendem o que vocês acreditam eu também tenho o direito de defender o que eu acredito e não precisamos brigar por isso”, reforça em outro momento.

Para o antropólogo Wagner Xavier, esse trecho demonstra claramente que o atleta sequer refletiu sobre os motivos que o levaram a ter que pedir desculpas. Conforme ressalta o especialista, a liberdade de expressão não deve ser usada como aval para destilar preconceito de forma arbitrária.

“Tem algumas coisas que são opiniões, do tipo, ‘eu gosto de vermelho e você de laranja’. Mas se tratando de alguns temas e, principalmente, quando a gente diz respeito a Direitos Humanos, minorias sociais e sexuais, negros e população excluída, você precisa se orientar pelo bom senso, pela ética e autocrítica”, pontua.

Portanto, conforme acrescenta Xavier, “não é uma questão de opinião”. “É uma questão de você se conscientizar sobre o que está no seu entorno. Não é porque ele é uma celebridade no esporte que isso o isenta de ter uma visão crítica sobre o mundo”, afirma o pesquisador.

‘Sempre respeitei, joguei com vários homossexuais’

Em outro trecho da retratação, Maurício diz não ser homofóbico e argumenta que já dividiu quadra com “vários homossexuais”. “Respeito todos, sempre respeitei, dentro e fora de quadra já joguei com vários homossexuais, nunca desrespeitei, sempre fiz amizade”, diz.

Para o especialista, esse argumento – considerado já bastante “batido” por ser comumente utilizado após declarações homofóbicas, no famoso “inclusive tenho amigos que são” – não apaga e sequer justifica que alguém tenha comportamentos preconceituosos.

“Uma coisa é você jogar e cumprir o papel ali dentro de quadra, dividindo obrigatoriamente aquele espaço com pessoas que não são da mesma orientação que você. Outra coisa é você acolher essas vozes, essas representações e trazer isso pro seu mundo e aprender alguma coisa com elas”, alerta Wagner.

“Se não fica naquele tipo de enunciação, bastante problemático e preconceituoso, que ‘vira e mexe’ a gente escuta: ‘Não tenho nada contra gays, mas não quero nenhum perto de mim'”, explica o pesquisador.

‘Homossexuais, lésbicas’ e o ‘resto’

Ainda durante o vídeo, o atleta separa os termos “lésbica”, “homossexual” e define o restante das orientações sexuais e identidades como “toda pessoa do gênero diferente”. De acordo com o antropólogo, embora esse tipo de separação seja bastante comum, ele acaba silenciando lutas dentro da causa LGBTQIA+.

“Quando você separa e fala ‘gays, lésbicas e o resto’, você está se atendo aquilo que você dá conta. O pensamento leigo acredita que gays e lésbicas são ‘clones’ de pessoas heterossexuais e acaba colocando todo o ‘resto’ no mesmo saco”, explica.

“A gente tem singularidades, tem travestis, pessoas trans, interssexos, bissexuais, que também fazem parte dessa sigla LGBTQIA+. Ele [Maurício Souza] tem que entender que há uma pluralidade nessa sigla que diz respeito às orientações sexuais e identidades de gênero que são distintas entre si e que defendem causas distintas”, pontua Wagner.

‘Valores de família’, mas qual família?

Ainda no vídeo, Maurício Souza ancora seu comportamento e preconceitos nos seus “valores da família” e lamenta que não se possa mais “colocar os valores acima de tudo”. De acordo com o antropólogo Wagner, esse tipo de justificativa é comum, mas leva em conta um significado bastante restrito de “família”.

“Esse tipo de família que ele defende é um ideal que ele não vai encontrar, isso aí já caiu por terra há uns 50 anos. A família mudou muito, tanto que hoje não se fala mais em ‘família’, mas sim em ‘famílias’. E todas devem ser bem aceitas”, pontua o pesquisador.

“Eu não posso julgar uma configuração familiar a partir do meu próprio ponto de vista se eu não consigo entender que existem vários tipos de formações familiares possíveis”, acrescentou.

‘Acho que não foi crime nenhum o que eu fiz’

Ainda que, desde 2019, pela legislação brasileira, falas e atitudes homofóbicas sejam consideradas criminosas, Maurício Souza nega que tenha cometido um crime ao fazer comentários homofóbicos em seu Instagram.

“Eu não sei o que eu fiz, se foi algum crime, se fosse um crime eu já tava preso, a polícia já tinha vindo aqui em casa me prender. Acho que não foi crime nenhum o que eu fiz”, disse. Sobre esse assunto em específico, o BHAZ consultou dois advogados que explicam por que falas de cunho homofóbico já não são mais consideradas, perante a lei, apenas uma ‘opinião’.

“A LGBTfobia é crime, esse entendimento já existe. Mas é necessário lembrar que a LGBTfobia não é apenas o assassinato, a violência, que são estopins. A opinião homofóbica, falas, discursos e comportamentos também podem ser criminalizados”, explica a advogada da Associação Brasileira Mulheres LBTIs, Luanda Pires.

De acordo com o professor e presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-MG (Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais), o entendimento da homofobia como um crime parte da diferenciação entre liberdade de expressão e discurso de ódio.

“A liberdade de expressão que não considera o outro como igual não é liberdade de expressão é discurso de ódio. Quando atleticanos chamam cruzeirenses de ‘maria’, por exemplo, é uma forma de dizer que homens afeminados são inferiores por que mulheres seriam inferiores nesse discurso”, explica.

Mudança é estrutural

Para o antropólogo Wagner Xavier, casos como esse só reforçam a necessidade de algumas discussões, ainda consideradas tabus, atingirem camadas sociais que ainda se mostram resistentes. Para ele, é fundamental que atletas tenham uma orientação direcionada dentro dos seus clubes.

“Por que um clube como o dele não tem no elenco um sociólogo expert em relações de gênero? Eles mal têm psicólogo, eu sei. Mas eles precisam de informação e precisam ouvir sobre esse e outros tópicos, como abuso sexual, misoginia…”, pontua.

Segundo o especialista, essa mudança nas formas de lidar com a diversidade pode ser muito benéfica, mas não é um trabalho simples e exige disposição. “Os clubes poderiam promover uma palestra e uma atividade por mês, desde as categorias de base até as categorias profissionais, por exemplo”, sugere Wagner, que ainda complementa: “Seria possível a partir de um trabalho sistêmico”.

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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