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Dia Nacional do Alfaiate: conheça a história de profissionais e entusiastas da alfaiataria em BH

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Dia Nacional do Alfaiate: conheça a história de profissionais e entusiastas da alfaiataria em BH
Hermano do Carmo foi um dos principais alfaiates de BH, vestindo grandes nomes, como o ex-vice-presidente José Alencar. (Arquivo Pessoal)

Ninguém pode negar que um terno bem feito atrai olhares e conquista elogios por onde passa. O que poucos sabem é que a vestimenta pode demorar mais de um mês para ser confeccionada, já que, em alguns casos, pode ser feita de forma artesanal. O artista responsável pela “obra” é o alfaiate, uma das profissões mais antigas do mundo, e celebrada nacionalmente nesta sexta-feira (6). É difícil estimar o número exato da categoria em BH e Região Metropolitana, mas de acordo com Sindicato dos Oficiais Alfaiates e Costureiras de BH e RMBH (SOAC), há cerca de 15.000 profissionais, entre alfaiates e costureiras.

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Só neste ano, 95 novas empresas com o CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) 1412/02, de confecção de peças de vestuário sob medida, foram abertas, de acordo com dados do Sebrae.

A primeira referência bibliográfica sobre a alfaiataria foi publicada em 1589, pelo alfaiate espanhol Juan de Acelga. O “Libro de Geometri pratica y Traça” foi o primeiro livro de traços em modelagem masculina da história. Apesar disso, acredita-se que a profissão surgiu por volta de 1297, quando era chamada de “cortador de tecidos” ou em inglês tailor.

Desde então, profissionais se especializam em criar roupas sob medida, como ternos, paletós e calças, usando tecidos de alta qualidade e técnicas específicas de corte, costura e acabamento.

Uma história de tradição 

Justamente por ser um ofício antigo, é comum que ele seja passado de geração em geração, como ocorreu com Marcelo Blade, de 64 anos. Conforme o alfaiate, ele aprendeu o ofício com o pai, Hermano Augusto do Carmo. “Sempre fui a criança com o uniforme mais bonito da escola e, ao longo do tempo, tomei gosto pelo vestuário masculino”, afirmou durante entrevista ao BHAZ.

O empresário, que é dono da Blade Alfaiataria há 32 anos, explicou que começou a mexer com os negócios da família aos 12 anos. “Na verdade, desde os quatro, visitava o  ateliê e, por isso, foi lá que cresci e aprendi tudo sobre o ofício, principalmente no ‘quarto de prova’. Por isso, sempre tive contato com a alta sociedade e com pessoas importantes, já que elas sempre procuravam o meu pai”, conta.

Hermano ficou conhecido como “alfaiate da corte”, confeccionando ternos, por exemplo, para o ex-vice-presidente da república José Alencar e o ex-ministro dos transportes, Anderson Adauto. Ao lado do pai, Marcelo trabalhou 20 anos, quando decidiu se dedicar e construir o próprio negócio. Atualmente, a Blade Alfaiataria está localizada no bairro Cruzeiro, na região Centro-Sul de BH, e conta com uma equipe formada por 14 alfaiates, além de costureiras.

O empreendimento também segue a tradição familiar e já chegou na terceira geração, pois o enteado de Marcelo, Matheus Marques, 36, auxilia na gestão da empresa. “É muito interessante poder ver isso, porque estou, verdadeiramente, realizando um sonho. Costumamos atender também filhos e  até netos de clientes antigos. Então, o nosso ateliê tem uma ligação muito forte com essa coisa geracional”, enfatiza o empresário.

Além da união profissional, Marcelo, que diz ser um alfaiate contemporâneo, relembra o laço afetivo e a amizade com Hermano, que morreu aos 80 anos, em 2013 . “Os domingos do meu pai eram todos para mim e gostávamos de tomar cafés da manhã todos os dias juntos. Brinco que conversávamos por dialeto, pois ninguém entendia, apenas nós dois. Ele foi mais que um pai e mestre alfaiate, foi o meu melhor amigo”, emociona.

‘Não sei viver sem alfaiataria’

Entre os amigos de Marcelo, também está Antônio de Jesus Malveira, 78, proprietário do ateliê Jesus Alfaiate, no Centro de BH. Com 68 anos de profissão, o alfaiate começou a trabalhar no ramo após o pai dele vender a fazenda da família, localizada em Montes Claros, no Norte de Minas Gerais. “Todos os meus irmãos foram procurar um trabalho e, como tive paralisia infantil aos dois anos, precisei encontrar algo que não exigisse tanto esforço físico”, explica.

Na época, Antônio começou a trabalhar em um dos ateliês da cidade, onde comprava tecidos e aviamentos, fazia encomendas e ajudava na criação das peças. “Com o tempo, aprendi a fazer calças e o alfaiate gostou bastante, passando a me pagar por elas. Foi aí que comecei a ganhar um dinheirinho com costura”, afirmou.

Apesar de também fazer outras peças, como paletós e coletes, no local, Antônio só aprendeu a confeccionar todas as vestimentas que formam um terno aos 21 anos, quando foi morar em São Paulo. Na capital paulista, o mineiro trabalhou em uma alfaiataria no período da manhã, enquanto fazia o curso “Corte e Modelagem” à noite.

Após a conclusão dos estudos, em 1983, ele decidiu se mudar para a capital mineira e começou a trabalhar no ateliê de Hermano, onde ficou oito anos. “Fiquei bastante tempo lá, mas saía e voltava. No final, fizemos mais uma relação de amizade, não somente com ele, mas com toda a família. Até hoje, faço alguns trabalhos para o Marcelo”, afirmou.

Ao longo dos anos, Antônio – que também faz roupas para o público feminino – construiu uma carteira de clientes fiéis, sendo que, recentemente, foi o responsável por confeccionar as roupas da “Ópera Devoção”. “Eu já me aposentei, porém, não consigo deixar de trabalhar. Eu não sei viver sem a alfaiataria, pois é aonde consegui tirar o sustento de toda a minha família e adquiri a minha casa”, explica.

A Ópera Devoção foi inaugurada em 13 de julho de 2023, e fez um tributo a história de Minas Gerais. (Guto Muniz/Divulgação)

No entanto, a relação entre o alfaiate e a profissão nem sempre foram “flores”, já que ele pensou em desistir em alguns momentos, chegando a cursar Artes Visuais, na UFMG. “Muitas vezes, o alfaiate fica muito focado em costurar e esquece do marketing. É preciso também pensar nos negócios para conseguir vender, por isso, muitos têm dificuldade de gerar renda. Isso me afetou no início, mas, hoje, não tenho muito o que reclamar”, afirma.

Foi também na UFMG, em 2008, que o empresário conheceu a alfaiate Bárbara Santiago, de 35 anos. Na época, Antônio foi convidado para lecionar na disciplina de alfaiataria no curso de extensão “Estilismo e Modelista de Vestuário”, onde a jovem estudava. Bárbara fez parte da última turma do curso, que formou grandes nomes da indústria, como Ronaldo Fraga e Luiz Cláudio, pois, em 2009, foi substituído pela graduação de Design de Moda.

Amor de infância

Inicialmente, a alfaiataria era uma profissão estritamente masculina, tendo organização política e sindical. Para as mulheres sobravam apenas algumas tarefas, como acabamentos manuais e de costura — há registros de que somente em 1675 as mulheres conquistaram o direito de trabalhar com ofício de forma autônoma, em Paris, na França.

Porém, em razão da escassez de materiais no período pós Primeira Guerra Mundial, o público feminino também passou a usar peças de alfaiataria, uma vez que, o corte reto das roupas, desperdiçam menos tecido. A estilista Coco Chanel foi uma das pioneiras, influenciando, durante os anos 1920, outras mulheres a vestirem o estilo.

Bárbara contou, durante entrevista ao BHAZ, que, desde a infância, amava costurar e sonhava em fazer o “bendito” blazer. “Quando tinha cinco anos, a minha mãe me deu uma máquina de costura de brinquedo. Eu tinha uma relação muito afetiva com ela, já que minhas duas avós também costuravam. Já com nove, fiz meu primeiro curso de costura”, afirmou.

Até chegar ao curso de extensão da UFMG, a alfaiate, que nasceu em Belo Horizonte, passou por diversas formações, ligadas à moda e vestuário. Ela explica, por sua vez, que a grande “virada de chave” para dedicar totalmente à alfaiataria surgiu após a disciplina lecionada por Antônio. “Apesar de ter aprendido muito na matéria, para mim, não era suficiente. O processo de construção de um terno, desde o momento de tirar medida até fazer a modelagem e aprender todas as etapas de costura, leva anos”.

Bárbara conta que, após a conclusão do curso, pediu para que o alfaiate fosse seu mestre e a aceitasse no ateliê dele. Nessa dinâmica foram 10 anos e, durante todo esse tempo, a alfaiate aprendeu todas as técnicas, filmando, registrando e anotando todas as etapas. “Eu ‘apanhei’ bastante nesse período, costurei muitas coisas erradas. Mas, foi lá, com o Antônio, que consegui confeccionar todas as peças do terno”, relembra.

Paralelamente, a alfaiate divulgava, no perfil do Instagram, as roupas que fazia, o que acabou rendendo sucesso e fama, já que foi convidada a participar do Programa do Jô, na Rede Globo, e ser tema de reportagem na revista GQ, das Edições Globo Condé Nast. “Minha agenda ficou lotada. Eu não tinha tempo, porque as pessoas não paravam de me procurar. A minha vida virou de cabeça para baixo”, conta.

Bárbara Santiago no Programa do Jô, em maio de 2016. (Arquivo Pessoal).

Apesar da agenda cheia, Bárbara relembra que, logo depois, precisou interromper as atividades, pois havia descoberto, após um episódio de cegueira temporária, o diagnóstico de esclerose múltipla. “Eu estava muito assustada e comecei a culpar a alfaiataria, mesmo sabendo que a doença tinha tratamento”, disse. Em meio às adversidades, ela foi convidada para trabalhar com Alexandre Won, que já atendeu nomes como o publicitário Roberto Justus, o presidente Lula e o apresentador Fernando Fernandes.

“Eu expliquei para o Alexandre a situação e, como ele já ‘paquerava’ meu trabalho, me chamou para trabalhar. Eu topei na hora, porque, além de ser uma experiência boa, meu sonho era me mudar para São Paulo”, explica Bárbara que, desde os 16 anos, queria morar na capital paulista.

Lá, a alfaiate era responsável por guiar a produção da marca Merino e, eventualmente, fazia algumas modelagens no ateliê de Alexandre. “Foi uma época que aprendi muito com a produção, já que aqui (São Paulo), tudo acontece muito rápido, o volume de demanda é alto. Além disso, consegui unir técnicas industriais com o artesanal, algo que faz toda a diferença para mim. Estudei muito quando cheguei, pois não tinha a menor noção de como funcionava uma fábrica”, afirma.

A belo-horizontina, atualmente, é proprietária da Santiago Alfaiataria, localizada no Jardim Paulista, na Zona Oeste de São Paulo. O sucesso é tanto que a alfaiate não consegue entregar mais nenhuma roupa este ano, em razão da agenda cheia. A empresa, voltada para o público masculino, conta com clientes notórios, como o vocalista do CPM 22 Badauí e o ator Nelson Freitas, sem contar políticos e desembargadores. “Para chegar onde estou passei por muitas reviravoltas, mas foi algo que, inclusive, fortaleceu a minha fé. Quando eu fui abrir o ateliê, tudo que podia dar errado deu (risos). Hoje está tudo bem, tenho uma equipe realmente maravilhosa e realizo um sonho diário”.

Ensaio de Bárbara Santiago para revista GQ, em fevereiro de 2016. (Arquivo Pessoal)

Ao ser questionada sobre o que a alfaiataria representava para ela, Bárbara, sem rodeios, respondeu que era a sua razão de viver. “A alfaiataria esteve por mim, quando ninguém estava. Eu sei que isso é muito particular, mas a minha profissão é o que me faz levantar todos os dias da cama. Se eu perder a minha mãe, perder a minha família, ela vai continuar lá. Ela me salva, salva parte da minha existência que não consigo administrar”, emociona.

Outro ponto relevante para a alfaiate é a satisfação dos clientes, que costumam sair contentes e com autoestima elevada, após vestirem os ternos confeccionados pela equipe da Santiago Alfaiataria. “Eu acredito em uma moda com corpos reais. Às vezes chegam aqui homens muito magros ou com sobrepeso, que, mesmo sendo bem-sucedidos, têm baixa autoestima. Então, eu consigo devolver para eles isso, uma satisfação de se olhar no espelho e se sentir bem. Eu me realizo com a felicidade deles”, explica.

Passatempo que virou estilo de vida

Vestir e se sentir bem também é uma premissa do estudante de História da UFMG, Rafael Miranda, de 21 anos. Segundo ele, a paixão pela alfaiataria começou desde cedo, já que o interesse por artigos e arquitetura “vintage” o acompanharam na infância. As roupas, principalmente, os ternos, por sua vez, passaram a fazer parte do guarda-roupa anos mais tarde, quando ele tinha 16 anos. “Inicialmente, foi algo tímido, com camisas e sapatos sociais combinando com calças jeans. Como trabalho desde a adolescência, tinha o meu próprio dinheiro, o que me permitiu comprar as peças que gostava. Porém, o meu estilo se consolidou aos 18 anos”.

Rafael, que também é dono de um brechó online, afirma que costuma usá-los em diversas ocasiões, não se limitando apenas aos locais que exigem o dress code. O conjunto de alfaiataria, com relógio, gravata e calça combinados, aderem ao cotidiano da faculdade, trabalho e, até mesmo, alguns bares da capital. “Vai depender muito da minha energia do dia e do lugar também. Na praia ou num churrasco, por exemplo, não dá para colocar”, reitera o estudante que já viralizou nas redes sociais devido ao estilo único.

Em relação a alguns comentários negativos ao estilo e hobby diferentes, Rafael explica que procura não levar tão a sério, mantendo a própria personalidade. “Acho que é importante saber que as pessoas falarem mal, implicar ou jogar baixo diz mais sobre elas do que sobre você, porque, às vezes, a vontade dela é se vestir daquele jeito e não consegue. Além disso, acredito que, independente se for alfaiataria ou não, devemos usar o que nos faz bem e nos deixa confortável”, conta.

O interesse e a paixão pela moda do jovem desencadeou no projeto “Encabras”, realizado em conjunto com dois amigos, Nicolas Freitas e Takerou Sato. O coletivo visa valorizar a moda e o estilo nacional, e escolheu o Dia Nacional do Alfaiate, nesta sexta (6), para inaugurar a ação. “Queremos resgatar as memórias, as histórias e a gênese da moda masculina brasileira, que já foi pioneira em muitos aspectos”, explica.

No projeto, serão feitas entrevistas —  por meio de áudio e gravação de vídeo — com pessoas ligadas ao universo da moda, que servirão como base de diferentes materiais, como curtas-metragens, podcasts e vídeos no YouTube. Para isso, serão explorados temas como a trajetória do entrevistado, o cenário da indumentária, o processo e o método de criação, entre outros pontos relevantes. “Vamos mostrar todo esse universo a ser descoberto para o público em geral. É preciso valorizar e ter orgulho do que é produzido aqui. Tenho certeza que todos vão se surpreender com as histórias”, finaliza Rafael.

Se liga!

Lançamento do projeto “Encabras”
Data: 06 de setembro, sexta-feira.
Informações em @encabras

Blade Alfaiataria
Local: R. Emílio de Vasconcelos Costa, 75 – Cruzeiro, BH.
Contato: (31) 98413-5265 ou @bladealfaiataria

Jesus Alfaiate
Local: R. Rio de Janeiro, 195, sala 213 – Centro, BH
Contato: (31) 9905-9277 ou @antonio.malveira.940

Santiago Alfaiataria
Local: Alameda Lorena, 592 – Jardim Paulista, SP
Contato: (11) 93745-8599 ou @santiagoalfaiataria

Ana Magalhães

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi estagiária do Jornal Estado de Minas e do programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Estagiária do BHAZ desde agosto de 2024.
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