Morte de sargento mineiro completa 1 ano e mãe segue sem respostas: ‘Morri junto com o Dudu’

Um ano da morte do sargento Costa
Sargento Costa ao lado da mãe, Conceição Costa (Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

“De um ano pra cá eu… eu morri junto com o Dudu. Não sou mais a mesma mãe. Eu não tenho felicidade mais”. A morte de um filho certamente marca a existência de uma mãe. Mas, conviver com dúvidas a respeito das circunstâncias que interromperam a vida gerada pelo próprio ventre é ainda pior. É o que relata a mineira Conceição Barbosa Torres da Costa, cujo filho, Dudu, morreu nas dependências de um hospital do Exército Brasileiro, no Rio de Janeiro. O rapaz tinha apenas 23 anos à época. Ele e a família são naturais de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.

O desabafo de Conceição, que abre esta reportagem, marca exatamente um ano da perda do filho, Eduardo Barbosa Torres da Costa, o Dudu. Ela conta, ao BHAZ, que o dia 30 de janeiro de 2020, uma segunda-feira, mudou completamente a vida dela. “Eu agora vivo à base de medicamento, faço tratamento, e se não for pelos remédios eu não consigo levantar da cama”, diz.

Além de ter que suportar a morte repentina do filho, Conceição precisa lidar com dúvidas e questionamentos sobre as circunstâncias da perda. O sargento Costa, como Dudu era chamado no Exército, estava sob atestado médico psiquiátrico. Ele teve um agravamento no quadro de depressão antes de falecer no HCE (Hospital Central do Exército), no Rio.

No atestado de óbito, consta que Dudu morreu por enforcamento. E a mãe, Conceição, recebeu a informação de que o filho tirou a própria vida. A família dele, no entanto, não acredita na versão apresentada pelos militares.

Conceição e o filho Dudu, o sargento Costa no Exército
(Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

Hora da morte

O advogado da família Costa, José Carlos Stephan, especialista em direito militar, explica que várias irregularidades foram cometidas antes da morte de Dudu. Uma delas está na hora da morte, que foi constatada às 16h do dia 30 de janeiro de 2020. Porém, segundo apuração do advogado, o jovem recebeu alimentação dentro do hospital às 18h, duas horas após o horário apontado como o da morte.

“Eu entrei com uma representação criminal no Ministério Público Militar. Entendo que ocorreram vários crimes militares, como emissão de documento falacioso, abuso de autoridade e informação de juízo não verdadeiro”, explica o especialista.

Segundo o defensor, as irregularidades citadas não foram as únicas apuradas por ele. Stephan afirma que antes mesmo da morte de Dudu, o Exército não agiu de forma correta para assegurar a integridade física e psicológica do sargento.

“No Rio de Janeiro, pegaram a medicação que ele já estava tomando aqui [em Minas] e trocaram tudo. Eu, como procurador, não fui informado pelo comando da brigada de que estariam transferindo ele para o Rio. A mãe, que já tinha um processo de curatela em andamento – solicitando a interdição dele pra tratamento psiquiátrico -, também não foi informada”, conta. “O comando simplesmente fez um ofício ao judiciário, um ofício esse que digo claramente que é mentiroso, onde alegam que em Juiz de Fora não tinha psiquiatra para tratar”, argumenta o advogado.

Também foi constatado que, em uma audiência antes da decisão de encaminhamento ao hospital do Rio, a Justiça de Minas pediu que houvesse “cautela” com o caso, e determinou que o sargento fosse examinado no Hospital Ana Nery, referência em tratamento de pacientes que precisam de cuidados prolongados. “A prova de que tinha médicos está aí, ele foi examinado por ordem judicial”, diz Stephan.

Atestado médico psiquiátrico de Eduardo (Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

Inquérito arquivado

O processo movido pelo advogado foi arquivado pela Justiça do Rio de Janeiro. A justificativa é de que o caso se trata de suicídio. “Eles concluíram o inquérito do processo sem ouvir a mãe, sem ouvir o médico. A Justiça do Rio de Janeiro arquivou o processo entendendo que foi suicídio”.

“Pegaram um ofício e encaminharam para um juiz de plantão, que não teve a cautela para analisar os fatos. Ele [juiz] nem me intimou para manifestar, nem verificou que já tinha um processo de interdição de curatela. O juiz era da Vara da Infância e da Juventude, não tinha nem competência para isso e deferiu a ida ao Rio. Não informou a gente, não abriu prazo, não fez nada. Foi absurda a forma como o Exército conduziu os fatos”, lamenta o advogado.

José Carlos Stephan conta que entrou com pedido de indenização do Exército para a família “pelo evento morte”, além de um processo, que tramita em Belo Horizonte, contra o Estado pelos atos considerados irresponsáveis dos juízes que deferiram a ida de Eduardo para o Rio de Janeiro. “Falaram que iam cuidar dele. Ele está morto. E agora, quem vai devolver o filho para a mãe?”, questiona.

Eduardo na infância, adolescência e fase adulta (Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

‘Tinham que prever a morte’

Stephan explica que depois de tudo o que ocorreu com o sargento Costa, “não tem como remediar” a situação, principalmente quando se trata de uma vida perdida nas dependências do Exército. “São 30 anos com direito militar, eu vejo esse tipo de erro o dia inteiro. Um garoto jovem, morto, como justificar?”.

Nos documentos hospitalares, os médicos que avaliaram Dudu deixaram no prontuário o aviso de risco de suicídio. “Pra mim o que aconteceu lá foi uma indução ao suicídio. Existe o dolo eventual, que se você conduz alguém ao evento morte, você é obrigado a prever o resultado. Eles tinham que prever o resultado morte”, diz o advogado.

O especialista ainda ressalta que, até o momento, não houve nenhuma resposta da Justiça às ações movidas pela família, e nenhum deles sequer foram ouvidos em nenhuma auditoria. Além disso, ninguém sabe como os processos estão caminhando dentro da Justiça Militar. “Até as prerrogativas do advogado estão sendo desrespeitadas, não sei se intencionalmente ou por ausência de atuação eficaz”, conta Stephan.

‘Braço Forte – Mão Amiga’

O adoecimento de Dudu surgiu com o peso da solidão de ter que lidar com um quadro de depressão sem o devido apoio dos companheiros de farda. O BHAZ teve acesso às mensagens trocadas entre o sargento e a mãe enquanto ele estava alojado no quartel.

Nos relatos, Dudu revela o sentimento de solidão por ser maltratado e chamado de “vagabundo” por outros militares. Para a mãe, o lema “Braço Forte – Mão Amiga” não foi aplicado ao filho.

Enquanto estava internado em Juiz de Fora e posteriormente no Rio de Janeiro, o sargento não recebeu nenhuma visita dos superiores, conforme relato do advogado do caso. Ele permaneceu algemado em uma cama do hospital mineiro após um surto psicótico, e somente a família, em especial a mãe, ia ao local para conversar com ele. “Me chamavam de ‘a mãe do preso’, meu filho perdeu o nome e foi tratado como bandido”, diz Conceição.

Os traumas sofridos pelo jovem, que iam de agressões físicas a tortura, conforme explicado pela mãe, expuseram Dudu à humilhações no próprio quartel. O pedido de afastamento feito pelo psiquiatra que acompanhava o paciente também previa a suspensão do porte de arma, mas somente o segundo item foi cumprido. “Ele continuou trabalhando, mas agora sem a arma, o que aumentou ainda mais a humilhação sofrida por ele. Eles [oficiais do Exército] acharam que ele estava fingindo, fazendo ‘corpo mole’”, relata a mãe.

Relato de Eduardo feito à mãe (Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

Sem justiça, sem paz

Um ano sem respostas e sem um posicionamento efetivo do Exército transformou a dor da perda do filho em luta por justiça. A mãe, que tem outros dois filhos, conta que cada um deles é único. Segundo ela, a ausência de Dudu deixou uma sequela imensa, mas também a faz buscar respostas. “Eu quero justiça. Eu morri no dia que ele morreu. Ele era meu melhor amigo, a gente tinha uma amizade. E a covardia que eu vi fazerem com ele… eu sou destruída por dentro”, diz.

Após a morte de Dudu, Conceição desenvolveu stress pós-traumático e precisa fazer uso diário de medicamento psiquiátrico e sedativos. Além disso, ela teve que ser afastada do trabalho de professora. Por conta disso, além das irregularidades cometidas pelo Exército, o advogado entrou com pedido de indenização para a família.

Conceição na companhia do filho (Arquivo Pessoal/Conceição Costa)

“O que a gente pode fazer agora é lutar pelo mínimo de justiça. Ele tinha esperança de prosseguir na carreira, cheio de vida, agora está morto. Eu não encontro razão nem justificativa pelo que o Exército fez”, lamenta o advogado Stephan.

Procurado pelo BHAZ, o Exército Brasileiro se limitou a informar que não comenta “processos em curso na Justiça Militar da União”.

Confira a íntegra abaixo

“O Comando Militar do Leste não comenta quaisquer aspectos relacionados, direta ou indiretamente, a processos em curso na Justiça Militar da União.”

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative

Edição: Roberth Costa
Jordânia Andrade[email protected]

Repórter do BHAZ desde outubro de 2020. Jornalista formada no UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) com passagens pelos veículos Sou BH, Alvorada FM e rádio Itatiaia. Atua em projetos com foco em política, diversidade e jornalismo comunitário.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!