Presa há 100 dias por ‘furto’ de água em Minas, mãe tem liberdade concedida pelo STF

furto de água
De acordo com a ocorrência policial registrada pela Copasa, a família teria usado a água durante um mês sem pagar pelo consumo (Henrique Coelho/BHAZ)

Atualização às 19:08 do dia 18/11/2021 : Esta matéria foi atualizada para incluir posicionamento da Copasa, enviado após a publicação da reportagem.

A mãe de uma criança de cinco anos que estava presa desde julho por fraudar o sistema de distribuição de água da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) teve a liberdade concedida nessa quarta-feira (17) pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal). A mulher, que trabalhava como diarista, recebeu voz de prisão na frente do filho, na cidade de Estrela do Sul, no Triângulo Mineiro.

De acordo com a ocorrência policial registrada pela companhia, a família teria usado a água durante um mês sem pagar pelo consumo. Segundo a polícia, ela e o companheiro violaram o lacre da instalação de água do local onde a família vivia de favor.

Passados três meses da prisão da mulher, em visita à penitenciária de Uberlândia, a defensora pública Alessa Pagan Veiga recebeu dela um pedido de ajuda. “Ela me entregou um bilhete, dizendo que estava presa há três meses por furto de água e que seu filho tinha ficado com a irmã mais nova, que é adolescente e vive em outra cidade”, conta.

“A Justiça prendeu a mãe e o companheiro e não se preocupou com que aconteceria com o filho”, acrescenta a defensora. Sensibilizada com a história, Alessa Pagan entrou com um pedido de habeas corpus no STF, com base no princípio de insignificância – quando o valor do objeto furtado é tão irrisório que não causa prejuízos à vítima.

Entenda o caso

Tudo começou em junho deste ano, quando dois agentes da Copasa visitaram a casa da mulher, de 34 anos, e constataram que a família tinha violado o hidrômetro da residência. Os funcionários lacraram a instalação novamente, interrompendo o fornecimento de água.

Um mês depois, os fiscais retornaram e, segundo eles, o lacre havia sido rompido de novo. Eles contam que chamaram a Polícia Militar depois de terem sido xingados pela diarista e seu companheiro.

Em depoimento, a diarista disse que voltava com o filho para casa quando encontrou uma viatura no local. Ela tentou fugir com a criança no colo quando soube que seria levada à delegacia por furto de água.

Segundo ela, os policiais chegaram a dizer que ela estaria embriagada e a sugerir que teria feito uso de drogas. Indignada pelas afirmações e desesperada por ficar sem água, “que era usada para cozinhar para a criança”, a mãe acabou proferindo palavras de baixo calão contra os militares.

‘Absurdo’

A diarista disse às autoridades que o sistema foi fraudado, pois o proprietário da casa – que os tinha cedido o imóvel – mandou cortar a água com a família ainda no local. Além disso, ela esclareceu que não poderia ficar sem água, visto que têm uma criança de cinco anos.

Ela contou, ainda, que foi o seu companheiro quem rompeu o lacre no cano de água porque a família não tinha como pagar a conta no momento. Os dois foram presos em flagrante, mas o homem foi solto dias depois após pedido do MPMG (Ministério Público de Minas Gerais).

Para a defensora pública Alessa Pagan, a prisão foi negligente, por não se tratar de nenhuma infração de natureza violenta. “É um absurdo uma mãe ficar cem dias presa por furto de água, um crime não violento. Ela me disse que queria pagar a conta, mas não tinha dinheiro”, disse.

“É uma família muito pobre, usava a água para cozinhar para o filho, para beber, tomar banho… eles viviam de favor, em uma casa minúscula. Será que a prisão era a melhor solução para esse caso?”, acrescentou.

Decisão

Após analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal), ordenou nessa quarta-feira (17) a soltura da mulher. Para ele, ficou nítido que o furto não é suficiente para a decretação da prisão preventiva.

“A natureza do crime imputado, praticado sem violência ou grave ameaça, aliada às circunstâncias subjetivas da paciente (mãe de uma criança de cinco anos de idade), está a indicar que a manutenção da medida cautelar extrema [a prisão] não se mostra adequada e proporcional”, disse o ministro.

No entanto, Moraes autorizou que a Justiça de Estrela do Sul aplique as medidas cautelares que achar necessárias, como o uso de tornozeleira eletrônica, proibição de frequentar determinados lugares, de se ausentar da cidade em que vive, entre outras.

O que diz a Copasa?

Procurada pelo BHAZ, a Copasa afirmou que a prisão da mulher “ocorreu em razão de um conjunto de delitos”. “Na denúncia consta prática dos crimes de furto qualificado, resistência, desobediência e desacato”, diz trecho da nota enviada à reportagem (leia na íntegra abaixo).

A companhia argumentou ainda que a permanência da mulher na prisão foi resultado de uma decisão judicial “baseada no comportamento agressivo apresentado e na reincidência” e que foi esse comportamento que levou os funcionários da Copasa a acionarem a polícia a princípio.

“A companhia repudia qualquer ato de violência e orienta seus empregados que acionem PM somente se ocorrer algum tipo de agressão durante a realização de seus serviços”, finaliza a nota.

Nota da Copasa na íntegra

A Copasa informa que de acordo com o processo, a prisão da mulher ocorreu em razão de um conjunto de delitos. Na denúncia consta prática dos crimes de furto qualificado, resistência, desobediência e desacato. No entanto a permanência dela na prisão foi resultado de uma decisão judicial baseada no comportamento agressivo apresentado e na reincidência, ou seja, nos antecedentes criminais da mulher em questão.

Os empregados da Copasa estavam no imóvel, em Dolearina, distrito de Estrela do Sul, para refazer um tamponamento na ligação que havia sido violado. Diante do comportamento agressivo dos moradores contra os empregados da companhia, chamaram a polícia, que também foi agredida, e por essa razão prendeu o casal em flagrante delito.

A Companhia repudia qualquer ato de violência e orienta seus empregados que acionem PM somente se ocorrer algum tipo de agressão durante a realização de seus serviços.

Com DPMG

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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