STJ tranca ação de mulher acusada de aborto pelo próprio médico em Minas

Hospital
Médico acionou a polícia ao atender mulher em hospital (FOTO ILUSTRATIVA: Prefeitura de Duque de Caxias/Divulgação)

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu trancar uma ação penal que apurava um caso de aborto provocado por uma mulher grávida, em Conselheiro Lafaiete, região Central de Minas. A mulher passou a ser investigada depois que o próprio médico dela acionou a polícia depois de atendê-la em uma unidade de saúde.

De acordo com o processo, a paciente teria aproximadamente 16 semanas de gravidez quando passou mal e procurou um hospital. Durante o atendimento, o médico suspeitou que o quadro fosse provocado pela ingestão de remédio abortivo e, por isso, decidiu acionar a Polícia Militar.

Após a instauração do inquérito, o médico ainda teria encaminhado à autoridade policial o prontuário da paciente para comprovação de suas afirmações. O profissional também foi arrolado como testemunha no processo, o que, para o STJ, violou o Código Penal.

Com base nas informações prestadas pelo médico, o Ministério Público propôs a ação penal e, após a primeira fase do procedimento do tribunal do júri, a mulher foi pronunciada pelo crime de aborto.

Habeas corpus

Ao analisar o processo, que tramitou na Vara Criminal e da Infância e Juventude da comarca de Conselheiro Lafaiete, a defensora pública Mônia Aparecida de Araújo Paiva constatou que toda a persecução penal ocorreu porque o médico que atendeu a assistida acionou a polícia.

“Todos os elementos de convicção, inclusive o envio do prontuário pelo hospital, foram obtidos com violação ao sigilo médico, motivo pelo qual não havia materialidade a justificar o prosseguimento da ação penal”, apontou.

Assim, a defensora interpôs habeas corpus no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), pedindo o trancamento da ação penal pela ausência de justa causa. No TJMG, a ordem não foi concedida, e a DPMG (Defensoria Pública de Minas Gerais) impetrou novo habeas corpus perante o STJ, por meio da defensora Cláudia Marcela Nascimento Câmara Fernandes.

No pedido, além de sustentar a tese de quebra de sigilo profissional pelo médico, a defesa apontou suposta incompatibilidade entre a criminalização do aborto provocado e os princípios constitucionais.

Trancamento da ação

O ministro Sebastião Reis Júnior, relator da ação no STJ, reconheceu que o artigo 207 do Código Penal prevê que “são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho”.

“O médico que atendeu a paciente se encaixa na proibição, uma vez que se mostra como confidente necessário, estando proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão intelectual, bem como de depor sobre o fato como testemunha”, apontou o ministro.

O relator mencionou também o Código de Ética Médica, cujo artigo 73 impede o médico de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal e determina que, se convocado como testemunha, deverá declarar o seu impedimento.

Assim, no entendimento do ministro, os elementos de informação reunidos na ação penal foram coletados de forma ilícita, sendo, portanto, nulos. Ele concedeu o habeas corpus para trancar a ação penal e determinou ainda que os autos sejam encaminhados ao Conselho Regional de Medicina e ao Ministério Público, para apuração da responsabilidade do médico.

O colegiado acompanhou o entendimento por unanimidade.

Preservação da dignidade

Para a defensora Mônia Paiva, é muito importante que teses como esta sejam reconhecidas e divulgadas. Isso porque mais de 70% dos casos denunciados de aborto correspondem a denúncias feitas por profissionais de saúde, segundo pesquisa feita pelo Nudem (Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres) da Defensoria de São Paulo.

“Não se trata de empecilhos à apuração de crimes, pois há situações em que há obrigatoriedade de notificação, como nos casos de violência doméstica contra a mulher e crianças e adolescentes. Mas, há hipóteses em que a preservação da intimidade, da dignidade e do direito à não autoincriminação da mulher prevalecem”, afirma.

“Uma mulher que chega a um hospital em procedimento de abortamento, ou após este, não confessa ou quer confessar um crime. Ela conta sua história de saúde a um médico. Violá-la é uma grave infração ética”, completa a defensora pública.

Com DPMG e STJ

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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