A Justiça do Trabalho condenou as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton à indenização por dano moral no valor de R$ 150 mil a um trabalhador que estava presente no momento do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015, tragédia que completa hoje nove anos. A catástrofe matou 19 pessoas, destruiu comunidades e contaminou o Rio Doce.
A decisão, unânime, é da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais e se baseou na exposição ao risco de morte e na experiência de desespero vivenciada pelo empregado, que precisou fugir do local em situação de pânico para salvar a própria vida. As empresas responderam solidariamente pelo ocorrido, pois faziam parte do mesmo grupo econômico.
Trabalhador estava a 300 metros do rompimento
Segundo o processo, o trabalhador foi contratado em julho daquele ano de 2015, pela empresa terceirizada Integral Engenharia Ltda., para prestar serviços no Complexo Minerário de Germano, em Mariana. Ele atuava como bombeiro hidráulico, trabalhando na obra de alteamento da barragem de Fundão.
Antes do rompimento, já havia indícios de falhas na barragem. Relatórios técnicos apontavam erros operacionais, como a deposição de rejeitos em áreas inadequadas e a falta de manutenção preventiva. Laudos apontaram a ausência de monitoramento eficiente e a presença de erosões, trincas e outros danos estruturais. No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão se rompeu, liberando rejeitos de mineração.
Conforme os autos, o trabalhador estava a aproximadamente 300 metros do local do rompimento. Ele viu pessoas correndo e gritando sobre o rompimento, e fugiu para um ponto de encontro na portaria da Samarco para tentar salvar a própria vida.
Alguns trabalhadores não conseguiram fugir e foram levados pela lama. Posteriormente, segundo o processo, relatos confirmaram a ausência de treinamento prévio sobre evacuação em caso de rompimento. Após a tragédia, investigações conduzidas pela Polícia Civil e pelo Ministério do Trabalho apontaram a negligência das empresas envolvidas.
Também foram constatadas falhas na comunicação, falta de articulação com órgãos de defesa civil e ausência de treinamento adequado para os trabalhadores.
As empresas recorreram da decisão de primeiro grau que determinou o pagamento de indenização de R$ 120 mil por danos morais. Elas pediram a redução do valor, enquanto o trabalhador solicitou um aumento da indenização.
Após a tragédia de Mariana, em 2015, a mineradora Vale S.A. enfrentou outro desastre em 2019, em Brumadinho/MG. Esse novo rompimento demonstrou que as falhas de segurança persistiram, o que evidenciou a falta de medidas preventivas mais rigorosas.
Responsabilidade das empresas
Foi constatado que o rompimento da barragem em Mariana poderia ter sido evitado, caso as empresas tivessem adotado as medidas preventivas necessárias. A Polícia Civil e o Ministério do Trabalho confirmaram falhas operacionais e de segurança, como ausência de comunicação eficaz e falta de treinamento adequado.
Estudos apontaram que a barragem apresentava problemas técnicos e que as empresas não cumpriram com suas obrigações de manutenção preventiva e segurança.
O julgamento da Justiça do Trabalho considerou a responsabilidade objetiva das empresas, ou seja, elas são responsáveis pelos danos causados independentemente de culpa, devido ao risco elevado da atividade de mineração. A decisão também levou em conta um novo rompimento de barragem ocorrido em 2019, em Brumadinho/MG, demonstrando que as falhas de segurança persistiram.
Os magistrados entenderam que o trabalhador foi exposto a uma situação de risco extremo e isso gerou o direito à indenização. O valor inicial de R$ 120 mil foi aumentado para R$ 150 mil, considerando a gravidade da exposição ao risco enfrentada pelo trabalhador e os precedentes da Justiça Trabalhista. Foi destacado que o valor deve compensar a vítima pelo sofrimento e desestimular novas falhas de segurança, sem gerar um enriquecimento injustificado.
Novo acordo de reparação pela tragédia
Em outro âmbito, fora da Justiça do Trabalho, o Governo Federal assinou, no dia 25 de outubro, o novo acordo para reparação com as mineradoras Samarco, Vale e BHP, no valor total de R$ 170 bilhões por danos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão. Cidades mineiras e moradores do estado vão ficar com R$ 81 bilhões desse valor. O acordo ainda não foi homologado no Supremo Tribunal Federal (STF).
Do montante total da tratativa, R$ 38 bilhões já foram gastos pelas mineradoras nas medidas reparatórias. Agora, outros R$ 132 bilhões farão parte do projeto. A expectativa é que as empresas façam o repasse de R$ 100 bilhões em aproximadamente 20 anos.
A nova versão do acordo prevê que R$ 100 bilhões serão administrados pelo poder público, enquanto R$ 32 bilhões terão o repasse sob a responsabilidade das empresas. O texto estabelece que o dinheiro deverá ser investido em ações ambientais, desenvolvimento econômico e transferência de renda para pessoas impactadas.
O novo acordo foi assinado na mesma semana em que a Justiça de Londres começou a julgar uma ação movida por cerca de 620 mil pessoas, instituições e 46 prefeituras para tentar indenização de R$ 230 bilhões na Corte Inglesa. No país europeu, o alvo é a BHP, uma das controladoras da Samarco.
Veja o detalhamento feito pelo Governo de Minas sobre o valor que ficará no estado:
- Parte dos valores irá para a duplicação da BR 356, que liga a BR-040 até o município de Mariana. Estão previstos cerca de R$ 2 bilhões para estas obras, incluindo, ainda, melhoria de pavimentação na estrada até o município de Rio Casca.
- Os atingidos em Mariana terão prioridade no novo acordo, com a criação de um programa específico de transferência de renda só para a cidade. O benefício terá o valor de R$ 15 mil por pessoa, a ser pago a 29 mil beneficiários com renda mais baixa. Outras 5 mil pessoas com danos já comprovados receberão benefícios de no mínimo R$ 60 mil por pessoa.
- Será também criado um novo programa de indenizações individuais para a população dos 38 municípios mineiros impactados, inclusive Mariana, dando oportunidade para aqueles que, por anos, não conseguiram ser reparados pela Fundação Renova. O valor por indivíduo será de R$ 35 mil, beneficiando mais de 200 mil pessoas em território mineiro e com valores estimados em R$ 10 bilhões para este novo sistema indenizatório.
- Ainda nos 38 municípios atingidos pelo rompimento em Minas Gerais, a população de agricultores e pescadores com residência em até 5 quilômetros das margens do Rio Doce será incluída em um novo programa de transferência de renda. Os novos beneficiários irão receber 1,5 salário-mínimo mensal, por um período de ao menos três anos.
- Com o Fundo Popular do Rio Doce, mais de R$ 2,5 bilhões serão destinados a projetos definidos de forma participativa pela comunidade atingida de Minas Gerais;
- Os agricultores, moradores, proprietários rurais e ilheiros nas margens do rio terão investimentos e benefícios especiais. Um novo fundo de recuperação produtiva e resposta a enchentes no valor de R$ 1 bilhão será implementado, destinando assistência técnica agrícola, insumos e projeto de recuperação conduzido pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG);
- Em relação ao meio ambiente, R$ 7 bilhões serão usados para universalizar o saneamento básico em todos os 200 municípios da Bacia do Rio Doce em Minas. Com esses novos aportes, cerca de 1,4 milhão de pessoas terão acesso a abastecimento de água em Minas Gerais e 4,83 milhões passarão a ter o esgoto coletado e tratado;
- Os valores destinados ao meio ambiente, investimentos em reflorestamento, recuperação de nascentes, renaturalização de rios, revitalização da biota aquática e terrestre, entre outros, serão de cerca de R$ 8 bilhões em território mineiro, realizados pelo Poder Público. Além disso, são estimados outros R$ 9 bilhões de obrigações ambientais a serem realizadas pelas mineradoras;
- No programa de retomada econômica, os valores devem chegar a cerca de R$ 4 bilhões na região atingida mineira para recuperação produtiva, desenvolvimento rural e ciência e tecnologia;
- Outros R$ 11 bilhões estão previstos para aplicação em novos projetos de desenvolvimento socioeconômico a serem realizados pelo Governo de Minas, sendo 80% desse recurso destinados exclusivamente para a região atingida.
Julgamento em Londres
Começa no dia 21 de outubro, em Londres, o julgamento que definirá se a mineradora anglo-australiana BHP Billiton é responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A tragédia matou 19 pessoas, destruiu comunidades e contaminou o Rio Doce. Essa barragem pertencia à Samarco, uma joint-venture entre a BHP Brasil e a Vale.
Cerca de 620 mil atingidos integram esta ação judicial, cujo julgamento tem previsão para durara até 5 de março (veja cronograma abaixo). Nessa, que é a maior ação coletiva ambiental do mundo, serão 12 semanas de depoimentos, apresentação de provas e declarações de peritos. O processo começou em 2018, mas a Justiça inglesa decidiu julgar o caso só em 2022, a Justiça inglesa decidiu julgar a ação.
O escritório de advocacia Pogust Goodhead (PG) representa as 620 mil pessoas, 46 municípios e 1.500 empresas atingidas pelo rompimento da barragem, no processo que corre na Corte de Tecnologia e Construção de Londres. Os atingidos, incluindo comunidades indígenas, igrejas e empresas, reivindicam cerca de R$ 230 bilhões em indenizações.
Os reclamantes argumentam que a mineradora BHP deve ser responsabilizada, uma vez que era controladora da Samarco, portanto, responsável por suas decisões comerciais, beneficiária e financiadora da atividade de mineração que causou a tragédia.
Segundo os advogados, é possível deduzir que a BHP tinha conhecimento dos riscos do rompimento da barragem, devido a fatores como a participação de executivos da empresa nas reuniões do conselho e de comitês da Samarco, a aprovação e financiamento de projetos relevantes de sua controlada no Brasil e de auditorias constantes na joint-venture.
Além disso, segundo o escritório de advocacia, declarações feitas por executivos da BHP após o desastre mostrariam que a empresa já havia identificado o risco em Mariana e havia recebido, inclusive, um laudo técnico que apontava um possível rompimento da barragem.
A base legal do julgamento será o direito brasileiro, amparada nas legislações ambiental e civil do Brasil, apesar de o processo correr em um tribunal britânico.
“Embora as leis processuais sejam as sejam as leis inglesas, a lei material, com relação à responsabilização e a quantificação do dano, é brasileira. Isso é muito interessante porque proporciona um exercício de soberania da legislação brasileira. A lei deve ser obedecida por qualquer parte mesmo por multinacionais que operam no Brasil e que repatriam os seus lucros para fora do Brasil”, explica a porta-voz do escritório, Ana Carolina Salomão.
A Vale, sócia da BHP na Samarco, não é ré neste processo que corre na Justiça britânica, mas um acordo entre as duas empresas indica que cada uma arcará com metade dos custos dessas futuras indenizações, caso a BHP seja condenada.
Outro processo foi impetrado pelo Pogust Goodhead contra a Vale, já na Justiça holandesa, uma vez que a mineradora brasileira tem subsidiária na Holanda. Acordos reparatórios que sejam firmados no Brasil, envolvendo as mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo, não afetam os processos internacionais, segundo o PG.
No entanto, segundo o escritório de advocacia, caso a BHP deseje fazer um acordo com seus clientes, isso pode ser feito a qualquer momento, antes ou depois do julgamento no tribunal britânico.
Em outubro, uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino impediu que municípios paguem honorários de contratos de risco (chamados de honorários de êxito ou taxa de sucesso) nas ações perante tribunais estrangeiros sem que a Justiça brasileira, principalmente o STF examine previamente a legalidade desses atos.
De acordo com a porta-voz do PG, Ana Carolina Salomão, a decisão do ministro do STF não terá impactos na atuação do escritório no processo britânico. “O fato de que ele vai eventualmente avaliar a legalidade do contrato, em nada impede o julgamento em Londres. E é bem importante dizer que os municípios [autores] são 46, mas representamos 620 mil indivíduos, que vão à corte de Londres, que vão buscar Justiça”.
Resposta da BHP
Em nota, a BHP afirma que a ação no Reino Unido duplica e prejudica os esforços em andamento no Brasil.
“A BHP refuta as alegações acerca do nível de controle em relação à Samarco, que sempre foi uma empresa com operação e gestão independentes. Continuamos a trabalhar em estreita colaboração com a Samarco e a Vale para apoiar o processo contínuo de reparação e compensação em andamento no Brasil”.
O texto cita ainda a Fundação Renova, criada em 2016 como parte do primeiro acordo com as autoridades públicas brasileiras, por meio do qual, segundo a BHP, já foram destinados mais de R$ 37 bilhões em auxílio financeiro emergencial, indenizações, reparação do meio ambiente e infraestruturas para aproximadamente 430 mil pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e quilombolas.
A mineradora classifica o rompimento da barragem de Fundão da Samarco como “uma tragédia” e afirmou que sua “profunda solidariedade permanece com as famílias e comunidades atingidas”.
Cronograma do julgamento da BHP
- 21 a 24 de outubro: foram feitas as declarações iniciais das partes;
- 28 de outubro a 14 de novembro: interrogatório das testemunhas da defesa;
- 18 de novembro a 19 de dezembro: oitiva de especialistas brasileiros;
- 20 de dezembro a 13 de janeiro: recesso;
- 13 a 16 de janeiro: oitiva de especialistas;
- 17 de janeiro a 23 de fevereiro: prazo para as alegações finais;
- 24 de fevereiro a 5 de março: apresentarão das alegações finais.
Com informações do TRT-MG