O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio ficou contrariado ao ver a própria decisão veiculada equivocadamente em propaganda eleitoral do prefeito afastado e candidato à reeleição em Montes Claros (Norte de Minas), Ruy Muniz (PSB). No início do mês, o magistrado, relator de processo contra o político, concedeu habeas corpus ao postulante — até então declarado foragido da Justiça — suspeito de integrar esquema de desvio de verbas públicas. Na decisão, o relator avaliou ser “desnecessária a prisão preventiva do prefeito afastado”, uma vez que a diligência só deve ser imputada quando “medidas cautelares alternativas se mostrarem ineficazes ou insuficientes”.
Ocorre que, em peça eleitoral veiculada no domingo (16), Ruy Muniz explora indevidamente o entendimento do ministro. “Ministro Marco Aurélio de Mello, 49° presidente do Supremo Tribunal Federal, a mais alta Corte de Justiça do Brasil. O ministro que decretou a inocência de Ruy”, afirma a narração do vídeo. A propaganda segue destacando trechos específicos da decisão do ministro e conclui que a prisão preventiva expedida pela Justiça contra o candidato — em setembro último — “foi abuso e Ruy é inocente”.
Enquanto aguarda a decisão de recurso impetrado pela defesa no TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral), Muniz fica autorizado a concorrer ao segundo turno das eleições municipais em Montes Claros. Ele disputa o pleito contra Humberto Souto (PPS).
Contrariado
Em ofício encaminhado ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o ministro Marco Aurélio identifica indício de falsidade ideológica na propaganda política do Ruy Muniz e expressa descontentamento com a exploração indevida da decisão cautelar. “Em propaganda eleitoral, deu-se a entender que se teria assentado a inocência de possível envolvido em prática criminosa”, avalia. A reportagem teve acesso à correspondência encaminhada à Procuradoria-Geral da República (PGR) na última terça-feira (18). O gabinete do ministro Marco Aurélio atestou a autenticidade do documento.
Falsidade ideológica
Questionada sobre, em eventual denúncia, quais seriam os crimes imputados ao candidato Ruy Muniz em razão da distorção da decisão judicial do ministro Marco Aurélio, a assessoria da Procuradora-Geral da República se limitou a afirmar que “não se manifestaria sobre casos em andamento”.
Contudo, conforme defendeu Marco Aurélio no documento e rege o artigo 299 do Código Penal Brasileiro — que tipifica a conduta de “inserir declaração falsa ou diversa, em documento público ou privado, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante — Ruy Muniz poderia ser enquadrado no crime de falsidade ideológica. A pena prevista para alteração de informações em documento privado, a exemplo da peça publicitária eleitoral veiculada pela candidatura, seria pena reclusão de um a três anos, e multa.
A assessoria do STF confirmou que o ofício encaminhado à PGR tem o objetivo de acionar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para que seja tomada providências sobre o uso indevido da imagem do ministro, bem como a distorção da decisão judicial.