Novo cobra até R$ 4 mil de candidatos à eleição de 2020 e esnoba não-ricos: ‘Absurdamente inconstitucional’

Reprodução/Facebook/Novo + Mila Milowski/CMBH

Os cidadãos interessados em concorrer aos cargos de vereador e prefeito nas eleições de 2020, representando o partido Novo, precisam pagar uma taxa que pode chegar ao valor de R$ 4 mil. E essa quantia é apenas para participar da segunda etapa do processo seletivo interno da sigla, sem garantia que será escolhido para concorrer ao cargo municipal. A prática, segundo especialista, é “ilegal, inconstitucional e excludente”. Já o TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais) afirma que a cobrança só pode ser realizada se estiver prevista no estatuto, mas o documento ignora tal procedimento.

O pagamento foi definido pela cúpula do partido através da resolução interna 25/2019 (confira na íntegra aqui), que “estabelece os procedimentos sobre a realização do processo de avaliação de futuros pré-candidatos do Novo”. Segundo a sigla do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, a medida é para “dar oportunidade para todos os que estiverem alinhados e comprometidos com os valores defendidos pelo partido”.

Trata-se de uma seleção na qual o partido faz uma triagem dos cidadãos por meio de provas e etapas eliminatórias realizadas por uma empresa privada. Para participar deste processo é preciso pagar um valor ao Novo. O investimento não dá a garantia de aprovação e nem o reembolso caso o candidato seja reprovado no processo interno.

Em BH, o cidadão que quer concorrer ao cargo de vereador pelo Novo, deve pagar R$ 350 para participar da seleção. A expectativa do partido é ter uma chapa com 62 nomes concorrendo a cadeiras do legislativo municipal em 2020, o que significaria R$ 21,7 mil nos caixas da sigla pagos pelos postulantes escolhidos.

Quem quiser disputar uma vaga na CMBH pelo partido novo deve desembolsar R$ 350 (Bernardo Dias/CMBH)

O valor, no entanto, pode ser bem maior. Isso porque a inscrição para o processo seletivo ainda está aberta e vai até o dia 15 de janeiro do ano que vem. Caso o número de concorrentes aprovados para a segunda etapa – e não para, efetivamente, ser um candidato a vereador de BH – for maior que 62, a quantia embolsada pelo Novo será ainda maior.

Para o cargo de prefeito, por exemplo, as inscrições já se encerraram e o processo está na segunda etapa. Cinco foram selecionados e todos eles obrigados a desembolsar R$ 4 mil. Obviamente, apenas um deles será, de fato, o candidato do Novo à PBH (Prefeitura de Belo Horizonte).

A resolução é clara: “a eliminação ou desistência do participante, em qualquer das etapas, não implicará em devoluação dos valores, que serão pagos a título de doação ao Novo e servirão para cobrir os custos do processo”.

Trecho do edital de seleção (Reprodução/Partido Novo)

Entre os candidatos ainda na disputa para concorrer à PBH está o atual vereador da capital mineira, Mateus Simões. “Estou inscrito no processo seletivo para vaga de prefeito, estou na segunda de três fases do processo. Meu nome está à disposição do partido se for confirmado como candidato ao cargo de prefeito. Caso contrário, serei candidato a vereador”, disse em entrevista ao BHAZ.

Perfil selecionado

Nesta semana, o Novo divulgou em suas redes sociais o resultado de dois processos seletivos para o cargo de prefeito em outras cidades. Um em Natal, no Rio Grande do Norte e outro em Curitiba, no Paraná. Ambos os selecionados tiveram de pagar a taxa de R$ 4 mil para participar da seleção.

Em Natal, o escolhido foi o empresário e advogado, Fernando Pinto. Ele atua como conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) pelo Estado do Rio Grande do Norte.

Já em Curitiba, o médico oftalmologista e chefe do setor de retina do Hospital da Visão Oftalmo Curitiba, João Guilherme, foi o escolhido no processo.

O que diz a lei?

Segundo a coordenadora de Registro, Propaganda e Anotações Partidárias do TRE de Minas, Simone Nieman Abou-Id, a cobrança pelo processo seletivo de candidatos só pode ser considerada legal caso esteja registrada no estatuto do partido.

“O artigo 15 da Lei 9.096 fala em contribuição partidária e que o estatuto deve ter essas especificações e normas das questões internas do partido. Caso não conste, o partido pode ter problemas, caso o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) entenda que é uma cobrança ilegal”, explica.

Confira o trecho da lei citado pela coordenadora:

“Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:

I – nome, denominação abreviada e o estabelecimento da sede no território nacional; (Redação dada pela Lei nº 13.877, de 2019)

II – filiação e desligamento de seus membros;

III – direitos e deveres dos filiados;

IV – modo como se organiza e administra, com a definição de sua estrutura geral e identificação, composição e competências dos órgãos partidários nos níveis municipal, estadual e nacional, duração dos mandatos e processo de eleição dos seus membros;

V – fidelidade e disciplina partidárias, processo para apuração das infrações e aplicação das penalidades, assegurado amplo direito de defesa;

VI – condições e forma de escolha de seus candidatos a cargos e funções eletivas;

VII – finanças e contabilidade, estabelecendo, inclusive, normas que os habilitem a apurar as quantias que os seus candidatos possam despender com a própria eleição, que fixem os limites das contribuições dos filiados e definam as diversas fontes de receita do partido, além daquelas previstas nesta Lei;

VIII – critérios de distribuição dos recursos do Fundo Partidário entre os órgãos de nível municipal, estadual e nacional que compõem o partido;

IX – procedimento de reforma do programa e do estatuto”.

O que diz o Novo?

Procurado, o partido Novo, por meio de sua assessoria, alega que a cobrança não está prevista no estatuto do partido, pois “não é estatutária”. O partido alega ainda que “o estatuto autoriza ao Diretório Nacional regulamentar os valores que serão cobrados dos filiados”.

Para o TRE-MG, cobrança deve constar no estatuto do partido (Amanda Dias/BHAZ)

De acordo com a sigla, no entanto, dois artigos do estatuto do Novo (confira na íntegra clicando aqui) viabilizam a cobrança por meio de regulamentações. São eles:

  • Artigo 13 – São deveres dos filiados: VI- pagar pontualmente a contribuição financeira estabelecida neste Estatuto
  • Artigo 113. Os casos omissos deste Estatuto serão regulamentados por resoluções do Diretório Nacional e, na ausência destas, decididos diretamente pelo Diretório Nacional em reunião ordinária ou extraordinária convocada para esse fim.

Procurados pela reportagem, tanto o TSE quanto o TRE-MG, se eximiram de um posicionamento quanto à legalidade da cobrança feita pelo partido Novo.

Em nota, o TSE afirmou que “não se pronuncia sobre casos que podem ser objeto de análise da Corte”. Já o TRE-MG diz que só deve agir após provocação da lei.

“Esclarecemos que o Tribunal não pode emitir qualquer juízo de valor prévio sobre tal questionamento, pois se trata de um caso concreto, no qual o TRE pode ter que vir a decidir tal questão. Lembrando, ainda, que o Poder Judiciário, via de regra, não age de ofício, necessitando de provocação, na forma da lei”, diz a nota do tribunal.

‘Inconstitucional, absurdo e ridículo’

O BHAZ enviou o estatuto do partido Novo e as informações do processo seletivo para o professor de direito constitucional e teoria do Estado da UFMG, José Luiz Quadros, analisar. Segundo o estudioso, a prática “é uma coisa absurda”.

“Todo cidadão tem direito de participar da política. Essa cobrança inviabiliza a participação dos cidadãos. É absurdamente inconstitucional e ridícula”, afirma.

Ainda de acordo com o professor, a cobrança mostra a postura da sigla. “Isso mostra o perfil do Novo, um partido elitista e liberal da lógica dos séculos 18 e 19. Naquela época, as constituições liberais do mundo inteiro, inclusive a do Brasil, determinavam que, para poder votar,seria necessária uma renda anual alta. Desta forma, participava do processo eleitoral cerca de 1,5%, no máximo 3%, da população. Tinha que ser rico para poder votar e mais rico ainda para poder se candidatar. Em outros países se pagava para votar”, contextualiza o docente.

Para professor, cobrança do Novo exclui pobres da política (Fábio Pozzebom/Agência Brasil)

“Acho interessante o Novo fazer isso, mostra o que ele é: um partido com ideias antigas e elitistas.  De novo não tem nada. Poderia ser chamado do novo no século 18. Hoje isso é bastante velho”, critica.

O professor salienta que a medida é ilegal e inconstitucional, pois impede que as pessoas possam participar da política. “Não se pode cobrar para fazer uma seleção para os candidatos ocuparem vagas aos cargos eletivos, que são livres a todos os brasileiros. Isso aqui é uma democracia, não é uma meritocracia”, diz.

“Essa lógica da meritocracia liberal, onde o rico tem méritos e o pobre não; onde só o rico pode ser candidato e votar e o pobre não pode, acabou na primeira guerra mundial. O Novo está assumido essa lógica de que o rico tem méritos e o pobre não pode participar da política”, complementa José Luiz Quadros.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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