‘O Brasil Conta Comigo’: Há mesmo obrigação de cadastro para os profissionais de saúde?

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Médicos são obrigados a fazer o cadastro? (Banco de imagens: DragonImages/Envato)
coluna colunista daniel mucci luana azevedo

O Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 639, em 31 de março de 2020, que dispõe sobre a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde”, voltada à capacitação e ao cadastramento de profissionais da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (Covid-19).

Em suma, a Portaria define que, tendo em vista a situação emergencial de saúde do Brasil, mediante a pandemia do Covid-19, será criado um cadastro geral de profissionais da área de saúde, como forma de auxilio aos gestores federais, estaduais, distritais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS) nas ações de enfrentamento à Covid-19.

Para que seja feito o cadastramento, os conselhos profissionais nas áreas da saúde deverão enviar ao Ministério da Saúde os dados dos profissionais de saúde e comunicá-los que realizem o preenchimento dos formulários eletrônicos de cadastramento. Ademais, fica claro na Portaria, que o preenchimento do formulário é de caráter obrigatório, tendo em vista que o Ministério deverá informar aos conselhos os respectivos profissionais que não realizaram o preenchimento dos formulários.

Além disso, a Portaria define que o Ministério da Saúde promoverá capacitação dos profissionais da área de saúde cadastrados, aprovados pelo Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública, por meio de cursos à distância. Da mesma forma, o Ministério da Saúde informará aos conselhos sobre os respectivos profissionais da área da saúde que não concluírem os cursos tratados.

Para que seja feita uma análise crítica sobre a constitucionalidade da Portaria 639, faz-se necessária uma breve diferenciação da função de Portaria e Lei.

O Princípio de Legalidade define muito bem o papel da Lei em nossa sociedade, previsto no inciso II, artigo 5º da CF88, ele indica que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar alguma coisa senão em virtude de lei”. Paralelamente, com relação à Portaria, sua natureza jurídica é classificada como um ato administrativo ordinário, ou seja, ato que possui como finalidade disciplinar o funcionamento da Administração Pública ou a conduta de seus agentes. As Portarias devem respeitar leis, decretos e a Constituição.

Ao analisarmos a Portaria, em seus aspectos principais, verifica-se um caráter de obrigatoriedade no envio de dados dos profissionais de saúde ao Ministério, assim como a obrigatoriedade da capacitação destes profissionais por meio de cursos à distância. Entretanto, como fica claro no parágrafo acima, somente a lei tem poder de obrigar ou deixar de obrigar alguma coisa, sendo que a portaria possui como finalidade meramente disciplinar a administração pública ou a conduta dos seus agentes.

Apesar do caráter obrigatório nos aspectos destacados acima, vale ressaltar que a obrigatoriedade de atualização cadastral e realização do curso de capacitação não consiste, neste momento, em uma convocação compulsória dos profissionais de saúde, matéria já devidamente esclarecida pelo governo. Trata-se, na verdade, de uma medida preventiva para que, em situação de calamidade em que grande parte dos profissionais de atendimento na linha de frente do COVID-19 fossem afetados, não falte ajuda para o atendimento dos pacientes.

O que ainda padece de esclarecimentos, é a questão da punibilidade, do tipo de sanção que seria aplicado em caso de não cadastramento ou prosseguimento com o curso citado em portaria. Como não é devidamente esclarecido no próprio texto, em análise ao próprio código de ética médica, tomado como exemplo, observamos algumas sanções possíveis nesse sentido:

É vedado ao médico:

Art. 21: “Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente”.

Sendo assim, deixar de atender às determinações das autoridades sanitárias competentes pode sujeitar o profissional a responder por infração ética.

Todavia, pode-se questionar a questão da obrigatoriedade do cumprimento do que prevê a Portaria, quando observamos a plausibilidade da medida. Ainda não nos encontramos no pico do estado de calamidade, ainda estamos em processo de preparação para o mesmo, momento em que as medidas impositivas ainda não são respaldadas completamente em justificativas plausíveis. Ademais, é válido ponderar a necessidade de que as medidas não sejam autoritárias, tendo em vista a manutenção do estado democrático de direito.

Cabe ressaltar ainda, que no possível cenário de convocação compulsória, no capítulo II do Código de ética Médica, tem-se assegurado o direito do médico em recusar exercer sua profissão em cenário que possa prejudicar sua própria saúde:

É direito do médico:

IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará com justificativa e maior brevidade sua decisão ao diretor técnico, ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e à Comissão de Ética da instituição, quando houver”.

Destaca-se ainda que existem disposições similares nos mais diversos Códigos de Ética dos Conselhos Federais das diversas profissões convocadas.

Assim, considerando o princípio da legalidade previsto no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal haveria inconstitucionalidade formal da Portaria nº 639, ainda que não esteja claro o tipo de sanção que seria aplicado em caso de não cadastramento ou prosseguimento com o curso citado em Portaria.


* Luana Azevedo Magalhães é estagiária acadêmica.
* Daniel Vitor Costa Mucci é estagiário acadêmico.
* Daniel Carvalho Monteiro de Andrade é advogado e revisor.

Direito de A a Z[email protected]

A coluna Direito de A a Z esclarece quais são os direitos do cidadão nas mais diversas áreas. E sem “juridiquês”! Para isso, profissionais que integram o escritório Monteiro de Andrade, Diniz, Galuppo, Albuquerque e Viana Advogados se revezam na autoria de artigos sobre temas cotidianos. A equipe integra uma das mais respeitadas sociedades de advogados de BH, com prestação de serviços personificados em diversas áreas do Direito.

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