Por dignidade! Os acúmulos do Canto da Rua Emergencial precisam continuar

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(Leonardo Fernandes/Gabinetona BH)

Por Iza Lourença

Imagine uma cidade em que é oferecido, para as pessoas que não têm casa, um lugar para tomar banho, fazer suas necessidades fisiológicas, lavar suas roupas, se alimentar e beber água. Imagine uma cidade em que as pessoas que não tem casa possam ser acolhidas e atendidas por uma equipe multiprofissional. Imagine que enquanto elas passam por esses atendimentos, contam com um lugar para deixar seus pertences e outro que atende seus animais de estimação. Imagine esse espaço com um canto da literatura onde as pessoas em situação de rua podem passar horas lendo durante o dia.

Essa cidade não é na Suíça, não é na Suécia e não é na Finlândia. Estou falando de Belo Horizonte. Mais especificamente, estou falando do Canto da Rua Emergencial – um espaço montado na Serraria Souza Pinto no início da pandemia para atender emergencialmente pessoas em situação de rua. Esse espaço do Governo do Estado de Minas Gerais foi organizado em parceria entre a Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte e a Pastoral de Rua – organização não governamental que há 34 anos trabalha em prol do bem-estar da população de rua.

Esse espaço será desmontado no final deste mês. Infelizmente, não há segurança de que os conhecimentos adquiridos pelas pessoas trabalhando incansavelmente para atender da melhor maneira os usuários serão utilizados em políticas de continuidade do serviço de atendimento à população de rua. Diversos dos serviços que são oferecidos no Canto da Rua são inéditos no município, e com a conveniência de estarem todos reunidos no mesmo lugar, como um grande centro de referência para a população de rua. A reivindicação é que ocorra uma transição para outras ações e políticas públicas a partir dos aprendizados e legados deste período.

(Leonardo Fernandes/Gabinetona BH)

Em junho, uma comitiva de vereadores esteve no espaço, a convite da vereadora Bella Gonçalves, através da comissão de Direitos Humanos da Câmara. Nessa primeira vez que visitei o Canto da Rua Emergencial fiquei surpreendida ao me deparar com políticas que eu ainda não havia refletido sobre o quão importantes são para a cidade. Você já pensou na importância de ter na cidade um estacionamento para carrinhos de catadores de recicláveis e espaço de carregamento de tornozeleiras eletrônicas para pessoas que cumprem essa medida no sistema penal? Isso além da necessidade básica de água – para beber, para lavar as roupas, para ir ao banheiro.

Pessoas vivendo nas ruas incomodam porque escancaram a grande derrocada do capitalismo. São sintomas vergonhosos de uma desigualdade social levada ao limite. O enfrentamento do fenômeno da vida nas ruas precisa de investimento, estratégias múltiplas e constante diálogo com as pessoas com trajetória de rua para construção de autonomia e alternativas de saída das ruas, além de muito trabalho transversal e conjunto, já que não é só a Assistência Social que deve ter a função de corrigir esse problema social. 

As políticas desenvolvidas no Canto da Rua Emergencial são tão completas para atender a população de rua porque são feitas por pessoas que escutam o público alvo e entendem que eles são os protagonistas da política. As lutas dessas pessoas precisam ser ecoadas, visibilizadas, compreendidas. É uma solução possível absorver os serviços do Canto da Rua Emergencial por aqueles já existentes no município, ou ainda implantar um novo espaço nos mesmos moldes, em um novo equipamento que amplie os serviços voltados para esse público alvo e seja organizado pela prefeitura.

Não podemos deixar que se percam os acúmulos e conhecimentos desenvolvidos nesse quase um ano e meio de atendimento. Precisamos aproveitar essa experiência na melhoria das condições de vida das pessoas com trajetória de vida nas ruas.

É importante destacar que, mesmo nos serviços e equipamentos já existentes para atendimento à população de rua no município, nenhum deles atende tantas pessoas (o Canto de Rua atende aproximadamente 800 pessoas por dia), e com tantos serviços juntos no mesmo local. Além dos serviços básicos de subsistência, como acesso a água, banheiros, alimentação e cuidado com os animais de estimação, ainda são oferecidos acesso ao sistema de justiça, direitos, proteção, rodas de trabalho, moradia e geração de renda, todos no mesmo lugar, sem exigir deslocamentos que, inclusive, custam um dinheiro que essas pessoas não têm.

Como vereadora, me coloco à disposição de apoiar o Canto da Rua para que a Prefeitura de Belo Horizonte se disponha a dar continuidade, ao lado dos agentes envolvidos nesse espaço, em uma política de transição que atenda dignamente à população de rua em nossa cidade. Já existem propostas de projetos formulados e apresentados ao poder público, para garantir direitos e assistência à população em situação de rua de Belo Horizonte. Uma dessas propostas é a disponibilização de banheiros públicos e água potável gratuitamente pela cidade. 

O que não se pode permitir é que seja perdido um trabalho de sucesso, que garante um pouco de dignidade, bem estar e autonomia para as pessoas em situação de rua. Esse não precisa ser um modelo de atendimento possível somente em distantes países desenvolvidos, mas pode ser um exemplo de sucesso aqui mesmo, na América Latina, em Belo Horizonte. Tratar as pessoas em sua totalidade e com dignidade pode ser nosso grande ato de ousadia.

Gabinetona[email protected]

A Gabinetona é um mandato coletivo construído por quatro parlamentares em três esferas do Legislativo. É representada pelas vereadoras Cida Falabella e Bella Gonçalves na Câmara Municipal de Belo Horizonte, pela deputada estadual Andréia de Jesus na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pela deputada federal Áurea Carolina na Câmara dos Deputados, em Brasília.

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