Agradecimento ao ex-aluno que me atacou por eu ser feminista

Arquivo pessoal

[O texto abaixo se refere a ataques feitos durante uma das apresentações no 1º Encontro da União Nacional dos Estudantes Conservadores (Unecon), em São Paulo. Na ocasião, um jovem, formado em Direito pela PUC Minas, criticou a professora Magda Guadalupe dos Santos por ela ser feminista. “Uma coisa difícil é feminista com Gillette”, disse em trecho da sua fala. Além disso, ele discursou sobre o que classifica como “doutrinação” em diversos ambientes. “Por exemplo, você vai na Netflix. A Netflix tem que mudar, o fundo já é vermelho, né!? Tem que mudar o nome para alguma outra coisa, ‘Comunix’, sei lá. Eu desafio alguém pegar um filme que não tenha agenda de esquerda no conteúdo, qualquer filme ou seriado”, avaliou o rapaz. Confira aqui a descrição do evento feita pelo jornalista Paulo Sampaio.]

Por Magda Guadalupe dos Santos*

Soube que fui tema de uma apresentação durante um congresso de pós-adolescentes radicais livres da direita brasileira. Algumas questões relevantes foram abordadas, incluindo aí alguns lamentos sobre minha pessoa como ex-professora de um dos jovens na Faculdade de Direito da PUC Minas. Infelizmente, não pude acompanhar a explanação, e peço desculpas por isso, mas fui informada que foi muito interessante, estilo thriller, filme sobre a hýbris – a desmesura humana!

Muito bem, peço então licença para me servir apenas do que me relataram sobre a famigerada apresentação e sobre a passagem do jovem (Nikolas, certo?!) pela Faculdade de Direito da PUC Minas, onde, supostamente, nós nos conhecemos. Deve ter sido um encontro triunfal para eu ser citada nesse congresso!

Parece, pelo o que me relataram na Faculdade de Direito, que o pós-adolescente teria sido reprovado na disciplina de filosofia, que eu ministro lá na PUC, e que por esse motivo e outros, suponho, criou-se uma certa revolta de sua parte. Bem, lamento pelo ocorrido, mas isso acontece mesmo, especialmente, quando não se está devidamente preparado, em termos cognitivos, para enfrentar as densas camadas do saber e da razão indagativa que devem sempre alimentar a formação acadêmica.

Mas parece também que nossos desentendimentos foram mais longe, embora minha memória falhe muito em questões desagradáveis. O jovem diz na apresentação que houve de sua parte um registro de ocorrência feita na PUC e que eu teria sido suspensa por causa de tal registro ou teria “ficado de castigo”, não sei bem quais os termos utilizados, cumprindo pena por ter havido uma indisposição entre nós.

Caro Nikolas, se você realmente estudou na PUC Minas, pelo menos, regras mínimas sobre a Instituição você deveria ter delas algum conhecimento. A PUC, como a UFMG, como grandes e renomadas universidades do mundo inteiro, não se deixam reger pelas perversões juvenis, pelos dissabores adolescentes.

As instituições acadêmicas seguem normas próprias e criteriosas, vinculadas ao MEC e a instituições superiores, com normas de autonomia universitária, e se valem delas para estabelecer valores acadêmicos. No caso da PUC, há também ali, valores cristãos, católicos, que se voltam a alimentar um referencial axiológico, sobretudo, ético.

Lamento, mas nenhuma ocorrência registrada por alunos, poderia gerar um “castigo” para professores. Nem no sonho mais profundo de algum aluno entorpecido por seus próprios delírios, a PUC cederia a tais desígnios ou não seria a universidade que ela é. Pelo o que eu soube, da própria Fac. de Direito da PUC, você sim, tem registrado no seu histórico escolar uma  advertência ético-disciplinar.

Não se pode inverter a verdade dos fatos, caro Nikolas. Aliás, esta é mesmo uma norma filosófica que se pode ler na República de Platão: “diferentemente do pseudo-filósofo, o verdadeiro filósofo não pode fugir às determinações da verdade. Buscar a verdade, onde quer que esteja, este é o lema do verdadeiro filósofo.”

Certamente, se o pós-adolescente não alimenta essa alma de filósofo, e por isso foi reprovado na disciplina de filosofia, a relação entre verdade e mentira pode não ser significativa para ele, mas ela o é para mim e para a instituição chamada PUC Minas.

Então, antes de dizer na sua apresentação que nada aprendeu na PUC, o jovem poderia verificar se o problema está na instituição ou nele próprio, que deve ter-se fechado às condições propícias para o conhecimento, não apenas da estrutura conceitual do direito, mas sobretudo, do valor da verdade moral do conhecimento. E, por isso, ficar aí num congresso de radicais livres da direita pós-adolescente… isso levaria a que lugar do mundo do conhecimento?

E nesse congresso, parece que o tal Nikolas não apenas cria uma realidade própria, uma ilusão do real brasileiro, como ainda ataca as mulheres, pela condição de serem mulheres feministas? Teria sido mesmo assim?Ai, que triste! Este deve ter sido mais um motivo da sua reprovação na disciplina. Talvez não tenha suportado o fato de que na FMD da PUC Minas, constarem ali no corpo docente, algumas professoras,  mulheres feministas, como eu.

Se a misoginia é um problema desse grupo, lamento muito por isso. Talvez uma ajudinha psicológica, um chá de frutas saudáveis e realistas, sem entorpecentes críticos, talvez possam ajudá-los a ver o mundo da forma como ele realmente é. Será que já ouviram falar numa tal Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988? Conhecem algo sobre direitos e garantias fundamentais ali expostas? Já tiveram o prazer de ler o inciso primeiro do artigo 5o. da CF/88?

Pois vejam o que diz ali:

“Homens e Mulheres são iguais em direitos e obrigações”!

Isso não é um pedido ou um desejo do legislador democrático, mas uma determinação constitucional. Se o curso de direito fez algum sentido para o pós-adolescente, seria louvável se conseguisse se lembrar o que determina a nossa Constituição da República. Os valores fundantes de uma democracia não se fazem alheios ao princípio efetivo de igualdade entre os gêneros.

Seus traços de misoginia, caro Nikolas, em nada ferem o corpo normativo da democracia, mas certamente entristecem a alma democrática de grande parte de brasileiras e brasileiros por se verificar ainda a necessidade de se manterem leis que protegem as mulheres de ataques de fanáticos, lunáticos. Por isso, a Lei Maria da Penha, a agravante penal do Feminicídio se fazem necessárias num país como o nosso, mesmo após  30 anos de constituição dita cidadã.

Realmente, se os preconceitos de gênero não foram ainda extintos do cenário brasileiro, são ainda necessários os contínuos esforços para reeducar jovens que se marginalizam aos princípios democráticos. Seu grupo de amigos precisaria talvez passar por um processo de reeducação moral e jurídico-político, mas…

Tem algo que preciso realmente lhe agradecer dessa apresentação. Disseram-me que você me aponta como uma feminista.

Cara, muito obrigada! Minhas colegas feministas da PUC e de outros centros acadêmicos estão me elogiando e me perguntando porque apenas eu fui ali citada nessa sua apresentação, como A Feminista Mineira! Puxa vida! isso é mesmo muito legal! Esse reconhecimento de sua parte trouxe mesmo notoriedade aos Feminismos de Minas e do Brasil. A todas as mulheres que lutam por um Brasil mais justo, menos preconceituoso, mais equilibrado.

Sou mesmo feminista de corpo e alma e penso que essa é a minha maior qualidade! Se até você reconhece no seu congresso de radicais livres da direita pós infantil que os feminismos são um impacto para o mundo, muito lhe agradeço por ali mencionar o meu nome entre aqueles que você recusa.

Passe bem, leia mais as filósofas feministas para que um mundo melhor, menos agressivo possa ser também sonhado e realizado por você e por seus amigos enraivecidos. Sonhe e lute por um mundo melhor, mais igualitário e mais justo!


* Magda Guadalupe dos Santos é bacharel e mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos e doutora em Direito pela UFMG. Professora de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Universidade do Estado de Minas Gerais, em Belo Horizonte.

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