Por Luara Colpa*
Acordei pensando em como somos oportunistas. Digo a classe trabalhadora chamada de “média” (se é que existe isso). Essa parcela que pra muita gente sequer é pequeno burguesa, um limbo.
Enfim.
A “classe média” que se denomina assim pra não se misturar com a “classe trabalhadora”, quer estar mais próxima do opressor que do oprimido. E erra na análise… sempre.
O momento histórico está ruim pra pequenos empreendedores, o governo está ruim para o setor médio. Há uma condução autoritária e arbitrária que espreme também essa parcela. O descontentamento político que regra geral a “classe média” recentemente apresenta, é pontual econômica.
Não estamos num processo de levante popular.
O individualismo liberal importado por essa parcela, olha pra si com anseio de ser notada pela Casa Grande.
Pensando ainda sobre isso tudo, veio a notícia: “Criança de 5 anos morre ao cair de prédio em Recife”.
Nada mais ilustrativo que essa cena em Recife.
Cidade da especulação imobiliária, da constante luta urbana contra a descaracterização da cidade, dos povos originários, de resistência dos negros, mas também de tamanha opressão e avanço das construtoras, dos megaempreendimentos, da política de coronéis do Sudeste que desembarcaram ali pra encaixotar os trabalhadores nos condomínios e alterar a lógica da cidade.
Recife é uma eterna disputa pelo direito à cidade.
Diante disso, a classe média oportunista, que citei inicialmente, quer de frente à pandemia uma saída rápida e segura, mas que não mexa no seu micro poder.
Ter uma empregada doméstica, manter o trabalho doméstico num apartamento, passa exatamente pela disputa de cidade e reafirmação do lugar de pequeno burgueses
O espaço doméstico forjado pela construtora que disputa a cidade é o micro poder da família média. Expor a empregada, obrigar essa empregada a deixar seu próprio lar e levar seu filho de 5 anos ao ambiente de trabalho é é o gozo lacaniano de quem quer oprimir a “mucama” pra ser bem aceito pela Casa Grande.
Tem um quê de sádico bem no fundo e um quê de necessidade de aceitação.
A criança morreu.
Não a nossa criança, não os nossos. Os nossos estão em segurança no quarto assistindo aula virtual e sendo atendidos por psicóloga virtual para não pirar na pandemia.
Os desejos médios são oportunos, a solidariedade da “classe média” é oportuna, liberal.
Quem enterra essa criança? Quem de nós classe média sofrerá a dor dessa mãe precarizada?
Quem de nós disputa de fato a precarização do trabalho moderno, o machismo e a cidade como um todo?
Nao existe hashtag para o que nao é sincero.
* Luara Colpa é assessora legislativa, apresentadora do canal Politiqueijo. É mulher em um país patriarcal e oligárquico. Feminista e militante por conseguinte. Estuda Direito do Trabalhador e o que sente, escreve.