Meu irmão, meu mestre

Arquivo pessoal

Meu primeiro texto nesta coluna quinzenal é uma homenagem. No último dia 3, fez um ano que meu irmão, Pedro Guadalupe, fundador do BHAZ, faleceu em um acidente de carro na BR-381, próximo à Nova Era. Desde então, muita coisa aconteceu no Brasil e no mundo. O Pedro teria se divertido com as nossas eleições, a primeira com uma participação decisiva das redes sociais, e, provavelmente, teria dado o que falar, ele que foi um dos pioneiros da propaganda política na internet. Muita coisa aconteceu, mas, mesmo assim, parece que foi ontem que o vi pela última vez.  É que saudade não é coisa que foi feita para passar.

Uma das lembranças mais antigas que tenho é justamente do Pedro: eu tinha apenas 4 anos, mas me lembro de quando ele nasceu, dele chegando na casa do meu avô, logo que saiu do hospital. Ser irmão do Pedro nem sempre foi fácil, mas foi uma experiência única. Desde criança ele foi esse espírito livre, inquieto, incansável, criativo, sempre disposto a desafiar qualquer autoridade. O Pedro sempre fez o que quis. E queria sempre mais, mas não as coisas convencionais: o que ele sempre buscou, acho eu, sempre com pressa, foi fazer com que a vida fosse tudo, menos chata. Ou melhor, que a vida fosse mágica. 

É por isso que um de seus primeiros feitos, em uma festa da escola, quando tinha uns 6 anos, foi subir no palco, sozinho, e fazer um show de mágica, com os truques que havia aprendido sabe-se lá onde. Eu, que estava na plateia, fiquei surpreso com sua coragem e habilidade. Desde então, o Pedro não parou de nos surpreender. Entrando na adolescência, começou a programar, autodidata, como sempre. Ficou tão bom nisso que, em 2012, quando os vereadores propuseram, mais uma vez, o aumento do próprio salário e ele criou, do dia para noite, um site contra a proposta (que por pressão popular acabou sendo vencida), vi no Facebook algumas pessoas afirmando que esse site misterioso só podia ser o projeto de uma equipe altamente organizada e financiada por alguém, já que não era possível que algo tão elaborado aparecesse assim, de repente. Eu me divertia ao ler essas especulações, pois sabia que era só o Pedro, o seu talento e a sua pressa.

Depois veio a mágica, que ele retomou e aperfeiçoou, usando nosso irmão Fernando e às vezes eu, mais impaciente, como cobaia. Ele acabou ficando muito bom também, conhecendo os grandes mágicos do país, organizando um dos maiores festivais de mágica e ajudando na elaboração de uma peça infantil, que depois foi assistir com os filhos, conseguindo fazer com que o amor pela mágica passasse para a geração seguinte.

Mas ele não parou por aí: virou um mestre de acrobacias no ioiô, aprendeu a tocar sanfona e tocar cavaquinho, compôs uma música para o cavaquinho, A Dança do Ioio (que bem poderia ter sido um hit do pagode dos anos 90), montou uma banda de pagode, interessou-se por animais exóticos, chegando a ter, em seu apartamento, um furão, algumas cobras, uma iguana e uns tucanos, e se tornou chefde cozinha. Tudo isso quando ainda era adolescente. 

Como tudo o que ele aprendeu depois, tudo isso ele aprendeu sozinho. O Pedro foi o maior autodidata que eu conheci. Uma vez ele me disse: o que eu aprendi, nenhuma faculdade ensina. Ele tinha razão.

Depois dos 18 anos, teve ainda mais pressa: foi gerente de boate, chef em um restaurante em Porto Seguro, montou uma empresa de programação, impediu a construção de um hotel na rua Musas, trabalhou com marketing político, fez campanha para o PT e para o PSDB, e, no tempo livre, por diversão, o jinglede maior sucesso da campanha do Eduardo Jorge, um monte de paródias do Faroeste Caboclo (vistas milhões de vezes no youtube), e o BHAZ, que ele começou sozinho, sem entender nada de jornalismo.

Eu falava com o Pedro que queria escrever a biografia dele. Se eu só conhecia metade das histórias e já me surpreendia, imagina quando conhecesse as outras. 

O Pedro me ensinou muitas coisas. Me ensinou que vale a pena ser destemido. Que não devemos ter medo de ninguém, nem medo da vida. Que se um mágico chama a nossa atenção com uma das mãos e, com a outra, faz o seu truque, nós devemos, nesta vida, saber olhar sempre para o outro lado, aquele para o qual ninguém está olhando, pois é ali que as verdadeiras aventuras acontecem.

Mas também, por incrível que pareça, e essa é mais uma de suas surpresas, o Pedro me ensinou uma lição de fé, uma que não consegui, de fato, aprender em alguma faculdade. Há um ano, ele me mostrou o peso da cruz e, a partir da cruz, o que é de verdade crer e esperar quando não há nada mais a esperar. Nesta nossa rotina corrida, cheia de promessas, cheia de ilusões, a gente pode ser tentado a achar que o absurdo não é parte da vida. Que podemos escapar de ter, dia após dia, uma cruz para carregar. Mas o Pedro me ensinou, na carne, o que eu só sabia na teoria: que esta aqui não é a vida eterna, mas apenas uma breve (e grande) aventura, para a qual é preciso coragem e leveza, duas coisas que ele tinha de sobra. Que esta vida passa rápido e, por isso, que é preciso ter pressa, mas pressa nas coisas que importam que se resumem a uma só: o amor. 

Quem diria, mas o Pedro, que eu vi nascer, hoje é o meu mestre na fé. Junto da saudade e das lembranças, deixou gravado em brasa no meu coração a maior das verdades da vida: o amor é mais forte que a morte. Por que Cristo ressuscitou, a morte e o absurdo não são mais a última palavra. A última palavra é o amor.

Bernardo Guadalupe

Bernardo Guadalupe nasceu em Belo Horizonte no ano de 1981. Bacharel em Grego Antigo, doutor em Filosofia, é professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Também é autor dos livros Rua Musas (2013) e Enéada VI, 9 de Plotino: uma tradução comentada (2020).

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