Som alto de igreja evangélica gera conflito e jovem com doença rara é agredido em Contagem

agressão
De acordo com o pai, o filho está com medo de sair na rua (Ronaldo dos Santos/Arquivo Pessoal)

Uma família que vive em Contagem, na região metropolitana de BH, se mobiliza, há meses, na tentativa de que uma igreja evangélica, localizada em frente à casa em que moram, ajuste o volume do som produzido durante celebrações. Segundo os moradores, o barulho é alto e constante – até mesmo dentro do imóvel (veja vídeo abaixo), o que, além de atrapalhar a quem estuda, afeta o jovem Felipe Silva. Ele possui esclerose tuberosa, doença rara que, entre outros sintomas, provoca crises convulsivas, dificuldade cognitiva e sensibilidade auditiva.

A Secretaria de Meio Ambiente de Contagem, responsável por fiscalizar casos de poluição sonora, informa, por meio de nota (veja na íntegra ao fim do texto) ter emitido um auto de fiscalização, na última quinta-feira (3), para que a igreja adote medidas para diminuir impactos negativos na comunidade.

Em um dos episódios de conflito, o jovem de 26 anos foi agredido por frequentadores da igreja Redenção em Cristo, no bairro Funcionário. Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que a confusão ocorreu, no meio da rua. Felipe sofreu uma fratura no nariz e precisou passar por cirurgia. “Eles [pacientes com a condição] não gostam de muito barulho, muita música, são muito sensíveis a barulho, por isso que ele foi lá e foi agredido, por não aguentar o barulho”, explica a professora Márcia Silva, da Abet (Associação Brasileira de Esclerose Tuberosa), que acompanha o tratamento de Felipe.

O pai do rapaz, Ronaldo dos Santos, e o pastor da igreja, Sirlei Silva, conversaram com o BHAZ sobre a situação. O primeiro se mostra indignado com a agressão sofrida pelo filho, e com o som alto da igreja, enquanto o segundo alega que a congregação sofre intolerância religiosa.

“A imagem mostra direitinho meu filho indo lá reclamar, eles virando de costas, minha esposa puxando eles pro lado do portão. E mostra todos vindo. O Felipe no meio do tumulto empurra o rapaz e todos vêm para cima dele. Todos estão com a bíblia na mão”, disse ao BHAZ Ronaldo dos Santos.

Ronaldo ainda explica que Felipe não estava envolvido no bate-boca em um primeiro momento, e sim o outro filho, Iago dos Santos. “Iago foi reclamar do barulho e foi até a porta. Nunca ultrapassamos o limite da calçada da igreja. E nessa questão houve a troca de palavras, ele falou que ia ligar para polícia, e virou as costas”.

“Felipe vinha saindo da nossa casa para ir na padaria com a minha esposa, nisso o Iago virou as costas, fez um gesto para a igreja, que não aprovo, mas independente disso não poderia ter feito o que fizeram. Todos saíram da igreja e foram em cima deles, e agrediram o Felipe em cima da calçada, inclusive quebraram o cartão alimentação”, relata.

O pai alega que o filho Felipe foi defender o irmão e que devido ao atraso cognitivo causado pela doença, “não tem noção do perigo”. “Ele tem uma doença rara, toma remédio controlado para convulsão, e essa pancada poderia ter desencadeado coisa muito maior. Poderia ter acarretado consequências muito maiores mesmo. O Felipe foi defender o Iago. Ele não tem noção do perigo, dessas coisas, e não tem força para nada disso, pelo tanto de remédio que toma”.

“As pessoas têm que conhecer o Felipe para entender como que ele é. É como se fosse uma criança de 10 anos tentando defender. Ele é amado muito no bairro, muito muito mesmo. Todo mundo adora o Felipe”, diz o pai, que registrou um boletim de ocorrência pela agressão.

Felipe precisou ser intubado e passou por cirurgia no último dia 29, no Hospital Municipal de Contagem. O pai, que estava preocupado com a operação, informou que tudo ocorreu bem. “A gente estava com receio porque ele já tem todas essas comorbidades, e ia passar por uma cirurgia no meio da pandemia. O risco dele é muito maior. Mas no geral, foi tranquilo, ele passou bem”.

Esclerose tuberosa

O pai não estava em casa no momento da agressão, mas afirma que os envolvidos sabiam que o filho tem necessidades especiais. “Eles sempre souberam que meu filho é deficiente. A gente sempre deixou bem claro, nós temos um filho deficiente”.

O pastor Sirlei Silva, responsável pela igreja, também não estava no local no momento da briga, mas confirmou ao BHAZ que sabia da condição de Felipe. Ele alegou, porém, que um dos envolvidos não tinha conhecimento. “Eu particularmente sabia que ele sofre de uma doença que não lembro o nome, mas as pessoas que estavam envolvidas, principalmente esse jovem, tinha três dias que estava frequentando a igreja, eu nunca tive a oportunidade com ele especificamente de sentar e explicar para ele que o rapaz era doente, porque os demais que frequentam a igreja comigo mais tempo, a maioria já sabe”, relata.

Segundo a Abet, a doença afeta cada indivíduo de maneira diferente, mas pode se manifestar por meio de crises convulsivas, tumores no coração, rins e no sistema nervoso central, como no cérebro, levando à dificuldade de aprendizagem em graus variáveis. Ao BHAZ, a presidente da instituição, Márcia da Silva, que acompanha o caso de Felipe, confirmou que ele apresenta uma dificuldade cognitiva, psicológica, de entendimento.

Apesar da idade, Felipe é fã de Homem-Aranha (Ronaldo dos Santos/Arquivo Pessoal)

“A idade neurológica e cognitiva não correspondem”, relata Márcia. “Geralmente a doença se manifesta em crises convulsivas de difícil controle, e tumor benigno de órgão vital, como pulmão, coração, rim, e cérebro”. Ela ainda explica que as pessoas que sofrem com essa enfermidade são sensíveis a barulho, e que esse é o caso de Felipe. “Eles são muito sensíveis. Eles não gostam de muito barulho, muita música, são muito sensíveis a barulho, por isso que ele foi lá e foi agredido, porque ele não aguentava o barulho”.

Ronaldo afirmou que o filho é tranquilo e nunca foi agredido. A presidente confirma que pessoas com essa doença não têm tendências agressivas. “Em geral, eles não são tão agressivos, são até dóceis, mas dependendo do contexto, se tiver igual provocando, eles se irritam, como qualquer pessoa”. A diferença, porém, é que a briga pode acarretar em uma crise convulsiva. “Eles tomam remédio como de convulsão e a confusão mexe na adrenalina. Se eles se sentirem agredidos, normalmente podem entrar em crise convulsiva”, explica.

O remédio ainda pode causar certos efeitos colaterais. “Conforme o medicamento, acontece às vezes da criança ter efeitos colaterais e ficar mais fraca”.

Conflito

Para o pastor, contudo, a família está se aproveitando da condição do filho para atacar a igreja. “Houve o fato que eles estão aproveitando da situação, que o filho dele tem uma doença rara, e nessa doença rara que eles tão usando uma forma de colocar agora a igreja para passar por um momento de escândalo”, alega Sirlei.

A agressão foi apenas o estopim do conflito entre o pastor e a família, que teve início quando a igreja mudou para o imóvel em frente à casa dos Santos, há aproximadamente nove meses. “Existe uma perturbação enorme do barulho que vem da igreja, deixa meu filho muito mais agitado. Essa igreja veio e desde o início foi assim, dessa forma o barulho, nunca teve diferente. Desde então a gente vem tentando dialogar”, disse o pai de Felipe.

Nesse intervalo, Ronaldo chegou a ligar para a polícia cerca de 20 vezes e tem até um boletim de ocorrência registrado. “Das vezes que a gente vai reclamar [para frequentadores da igreja], eles falam ‘pode chamar a polícia’. Eles sabem que a polícia não vai fazer nada. A polícia vai lá, conversa, e vão embora. Eu acho que nem é culpa da polícia”, relata.

Perturbação sonora

Em janeiro deste ano, Ronaldo entrou na Justiça com um processo contra a Igreja por poluição sonora. A tensão se escalou até a agressão do filho e até agora não há uma resposta para a queixa.

“Domingo a minha maior prioridade é sentar na minha sala e assistir televisão. Domingo é o único dia que tenho com minha família. Mas eu não consigo assistir televisão na minha casa. Domingo tem que trancar a casa toda. Eu gostaria que as pessoas se colocassem no meu lugar”, lamenta.

Além do momento de lazer, o operador alega que o barulho ainda chegou a atrabelhar os estudos do filho. “Eu tive que comprar uma cortina acústica pelo barulho para o Iago terminar o ensino médio, eu tive que mudá-lo de quarto. A gente vem nessa luta. Eu mesmo estou fazendo PET (Plano de Estudo Tutorado). Meu sonho é fazer faculdade, em Logística”, conta. “Eles nunca aceitaram que o barulho incomoda. Eles sempre alegaram que a gente tem intolerância à religião deles. Aqui no local teve uma igreja por mais de 20 anos e nunca tivemos esse tipo de problema”, diz.

‘Intolerância religiosa’

O pastor não negou a existência do barulho, mas reiterou a posição de que a igreja sofre intolerância religiosa e que os fiéis são desrespeitados pela família. “O posicionamento da igreja é igual a nota que saiu e nós colocamos. Nosso posicionamento vem de uma perseguição religiosa da parte deles, desde que nós estabelecemos no lugar eles têm uma perseguição religiosa, e nessa perseguição religiosa eles não respeitam o limite, ainda que eles possam reclamar do barulho, como eles alegam, mas não dá eles o direito de abrir o portão da casa deles, atravessar, chegar até o passeio da igreja e até a porta da igreja, e fazer ameaças, xingar, desrespeitar”, disse.

Sirlei ainda disse que acredita que a agressão vem, na verdade, da família. “Eles estão falando que foram espancados, na versão deles que foram espancados. Mas a verdade é que eles são os agressores que agridem a igreja o tempo todo”, alega. “Agora um rapaz de 26 anos que segundo ela tem uma doença rara, uma mãe sair com ele do lado de fora e colocar o filho para sair na rua para bater boca com os outros, e fazer gesto obsceno é muito fácil”. 

Postagem que o pai publicou nas redes (Ronaldo dos Santos/Arquivo Pessoal)

Sirlei ainda reclamou das postagens de Ronaldo nas redes sociais com o nome da igreja. “Comentários que faz na rede social, concordo que as vezes fica meio nervoso porque é o filho, mas não dá o direito de eles colocarem nas redes sociais, manchar o nome da igreja, porque a igreja em si não fez nada com eles. ‘Ah existe o barulho’. Existe o barulho, se eles querem que reconheça esse direito vai na Justiça e reconhece os direitos legais”, alega.

O pastor disse ainda que acredita que não existe um vínculo entre a imagem da igreja e a de seus frequentadores. “É uma igreja que recebe qualquer um. Qualquer pessoa que queira ir, deseja entrar, está vinculada. E o pastor não é responsável pelos atos das pessoas dentro da igreja. Eu, particularmente, e nenhum outro líder da igreja, é responsável pelos atos das pessoas que fazem na rua, após sair da igreja”, afirmou.

Briga nas redes sociais

Apesar de frisar a dissociação da imagem, Sirlei disse que, orientado pelo advogado, mandou uma mensagem oferecendo ajuda para o pai. “Eu procurei o senhor Ronaldo mandando mensagem, oferecendo ajuda, disponibilizando como líder da igreja, ele respondeu que eu nunca ajudei, não é agora que eu ia ajudar, que ele não precisava da minha ajuda e que ia se virar sozinho. Então é por ignorância, eles tão colocando nas redes que eu não posicionei, posicionei sim, procurei com provas via WhatsApp e ele negou a minha ajuda”, disse.

Ronaldo vê a ajuda com outros olhos. “Ele foi a igreja no sábado, fez o culto de domingo, e só procurou domingo de noite, 22h30, via WhatsApp. E a primeira coisa que se preocupou foi com a igreja, pedindo para tirar o nome dela das redes sociais”. “O meu filho foi agredido e eu não tenho direito de expor? De ficar nervoso, com raiva?”, disse, indignado.

Medo

O pai relata medo por parte do filho. “Ele está com medo. Dias depois do ocorrido, estava com diarreia. Perguntou se a polícia ia pegar eles [os agressores]. No domingo, um dos agressores estava lá e ele esperou o agressor ir embora para poder falar para mim. Não falou, de tanto medo que ele está”.

O pastor, por sua vez, também relata preocupação com próprios fiéis, já que alega que eles sofrem com desrespeito, xingamento e perseguição. Agora, o religioso também entrou com um processo na Justiça contra a família.

“Não há motivo mesmo para uma situação dessas, estamos muito chateados. Estou muito indignado”, disse Ronaldo, emocionado. “Eu não quero espalhar ódio, eu quero justiça”, diz o pai de Felipe.

Abet

Segundo a Abet, a associação é a única no Brasil criada para apoiar pacientes com esclerose tuberosa e suas famílias. Atualmente a associação oferece serviços, presenciais e à distância, de psicologia, fisioterapia, terapia ocupacional, pedagogia, medicina e musicoterapia. Para isto, conta com a colaboração de empresas privadas e doações de particulares. Na capital mineira, o endereço mudou recentemente para a rua do Ouro, 1121, no bairro Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. Outras informações podem ser vistas aqui.

Direito de resposta

Após a publicação desta reportagem, a Igreja Pentecostal Redenção Missionária enviou um pedido de Direito de Resposta – embora o representante tenha sido procurado em diferentes ocasiões.

“A igreja pentecostal redenção missionária, esclarece que houve a ocorrência de vias de fato entre jovens frequentadores da igreja, o Sr. Iago Santos e demais familiares. No momento da ocorrência conforme vídeo, pode-se observar a presença do jovem Felipe, todavia a referida imagem não demonstra a suposta agressão que teria culminado na fratura no nariz do jovem, e inclusive vizinhos que presenciaram os fatos, alegam que a referida lesão não se deu face a agressões dos jovens frequentadores da igreja, mas que Felipe ao tentar realizar um golpe conhecido como voadora, teria caído e batido fortemente o rosto no chão, e que a queda seria a causa para a fratura”, defende um trecho.

“No que tange ao subtítulo Medo, sobre a afirmação do senhor Ronaldo que o filho estaria com medo, nunca houve nenhuma ameaça ao jovem por parte da igreja, mas após a ocorrência dos fatos a igreja pentecostal redenção missionária, durante a celebração dos cultos teve ameaças aos seus membros, por pessoas desconhecidas da comunidade, face aos atos de calúnia e difamação que vêm sendo praticados pelo Sr. Ronaldo Lopes dos Santos, seus familiares e amigos nas redes sociais, o proprietário da loja onde fica estabelecida a igreja requereu o termino antecipado do contrato de aluguel, com medo de represálias da família e demais amigos e seguidores dos mesmos nas redes sociais, tendo em vista que até mesmo o portão da casa do proprietário e da igreja foram depredados durante a noite, e até o presente momento não se sabe a autoria dos fatos”, diz em outro momento.

“Por fim a igreja pentecostal redenção missionária através de seu departamento jurídico informa que já foram tomadas as medidas legais cabíveis frente aos crimes de: Calúnia, difamação, injúria, intolerância religiosa e danos morais, e aos demais atos que vêm sendo cometidos pela família do Sr. Ronaldo Lopes nas redes sociais e na comunidade do Bairro Funcionários Contagem, no que tange os direitos a intimidade, a inviolabilidade da imagem e a reputação da igreja pentecostal Redenção Missionária, seus membros e frequentadores”, sinaliza no pedido de direito de resposta.

Nota de Secretaria do Meio Ambiente de Contagem na íntegra

A Patrulha pela Vida esteve na Igreja Pentecostal  Redenção Missionária, situada na Rua Joaquim José Diniz,  503  Bairro Funcionários, no dia 03/06/2021 e foi emitido um Auto de Fiscalização – AF nº 3655/2021  determinando o prazo de 05 (cinco) dias para apresentação de um laudo de ruídos e para realizar ações mitigadoras para diminuir os impactos negativos na comunidade adjacente ou, não sendo possível, se instalar em local mais adequado para desempenhar as atividades da Igreja.

Aguardaremos o prazo e a manifestação do responsável para ações posteriores, conforme tempo regulamentar, previstos na Lei 3.789/2003, regulamentada pelo Decreto 11.292/2004.

Atenciosamente,
Eclair Pedra

Diretoria de Fiscalização Ambiental

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!