Volta, geral! A torcida para que o povão volte ao Mineirão

Geral, o território dos ‘geraldinos’, ficava no andar inferior do Mineirão

A capacidade oficial do Mineirão era de mais de 130 mil pessoas, das quais aproximadamente 20 mil pessoas na geral; a torcida ficava mais próxima. E os ingressos? Com preços populares, qualquer um poderia ir ao Gigante da Pampulha com apenas algumas moedas. A modernidade, o padrão Fifa, trouxe diversas melhorias. Porém, muitas pessoas reclamam que o futebol está elitizado. Algo que era do povo, agora tem outro público.

No Mineirão pós-Copa, no espaço onde antes ficava a geral, agora há cadeiras, tal como no anel superior, o das antigas arquibancadas. As cadeiras foram uma exigência da Fifa para os jogos da Copa de 2014. A medida resultou no aumento do valor dos ingressos, como forma de se compensar a redução do número de assentos. Hoje, são 62 mil lugares no totaal. A arquibancada superior comporta 39 mil assentos e a inferior, 23 mil.

Passados três anos da disputa do Mundial, o Cruzeiro ventila a possibilidade da volta desse setor ao Mineirão. O assunto é interno e pouco comentado. “Depois da Copa do Mundo, é necessário fazer uma readequação do estádio. Muitas mudanças foram positivas e merecem ser preservadas. Porém, a cultura do futebol no Brasil é diferente da do resto do mundo”, comenta o diretor de Marketing do Cruzeiro, Marcone Barbosa, ao Bhaz.

“A volta da geral é uma dessas mudanças. Em uma conversa com a Minas Arena (administradora do estádio), foi sinalizado que isso seria possível, mas ainda não há um prazo ou projeto para a retirada das cadeiras. É algo que já vinha sendo discutido há mais tempo, mas sem nada de concreto”, relata Marcone. O diretor de Marketing lembra que o futebol é do povo. “O padrão Fifa é algo algumas vezes fora da realidade do torcedor brasileiro”, completa.

A Minas Arena, administradora do estádio, informou que não há qualquer projeto mais concreto em relação à volta da geral. “Foi um pedido das torcidas organizadas, para que as cadeiras fossem retiradas e a geral voltasse. Mas, até o momento, não existe nenhuma conversa formal”, comenta Rivelle Nunes Carlos, assessor de imprensa da Minas Arena.

Ídolos e narradores pedem a geral

“Eu tinha loucura com a geral. Quando fazia gol, ia direto para lá”, comenta Dadá Maravilha, ex-jogador do Atlético. Segundo ele, o termo ‘geraldino’, como eram chamados os torcedores da geral, foi ideia dele.

“Eu ia na geral para vibrar, olhar nos olhos no torcedor. Eles estavam ali pulando, numa alegria total”, conta Dadá. Para o esportista, a geral tem que voltar. “Sinto saudades de ver o futebol de verdade. A geral fazia parte disso”, completa o ex-jogador.

“Eu gostaria que todos os estádios brasileiros voltassem a ter a geral. Era bom ver o pessoal mais humilde nos estádios”, comenta o ex-jogador do Atlético e do Cruzeiro, Procópio Cardozo. De acordo com o ex-jogador, a volta da geral é necessária pelo aspecto social e financeiro. “O preço do ingresso hoje é quase proibitivo”, completa Procópio.

O antigo Mineirão traz diversas recordações. “As torcidas eram divididas, tínhamos ali um calor humano muito grande. Eu já fui geraldino. Lembro de um Atlético x Flamengo que assisti atrás do gol. Foi sensacional. É uma energia muito grande”, relata Mario Henrique Caixa, narrador de futebol.

Torcida na geral

“A geral representava o que é o verdeiro futebol, o esporte mais popular do Brasil. Em um ambiente como a geral, não existe classe social, religião. Só existe uma corrente e uma torcida por uma equipe”, comenta Victor, goleiro do Atlético.

“Era aquele torcedor que gritava mais, incentivava, estava mais próximo do campo. Eles se envolviam mais. Era o povão mesmo, já que os ingressos mais baratos eram destinados à geral”, comenta Léo, zagueiro do Cruzeiro.

Com a elitização do futebol, o povo foi afastado do estádio. “Os ingressos ficaram mais caros. Então, lotar o Mineirão ficou mais difícil. O futebol é um esporte popular, do povão mesmo. A torcida faz toda a diferença”, completa Léo.

“A geral era o setor que tinha o ingresso mais barato, mais popular e com as figuras mais folclóricas”, comenta Osvaldo Reis Pequetito, narrador de futebol. O espetáculo que o setor proporcionava era algo completamente diferente do que é visto hoje. “Era um show à parte. Faz muita falta no futebol de hoje. Sou a favor da volta, sei que é difícil, mas deve haver uma estrutura de reformulação”, completa Pequetito.

“O público pobre hoje não tem condições de comparecer ao estádio. Tem que pagar o ingresso, estacionamento, além de comida e bebida. Se for em família, então, fica inviável para alguém mais humilde. Eu fui torcedor de geral, cansei de ir ao estádio com R$ 10 e pagar o ingresso e a condução, hoje isso não é possível”, conta Luan Oliveira, diretor de eventos da Máfia Azul.

“O futebol hoje é um espetáculo caro, a torcida organizada é que ainda consegue manter o povão no estádio. Mesmo assim, a ‘massa’ mesmo, está afastada dos campos. Quando o clube está bem, os preços são caríssimos, mas quando o clube está mal e precisa da torcida, os dirigentes diminuem o valor do ingresso. Já paguei R$ 2 na geral. O futebol moderno é um câncer”, comenta Marcelo Augusto, diretor de Relações Públicas da Galoucura.

Exclusão

A geral era a possibilidade de um grupo com baixa renda frequentar o estádio. “Era uma maneira diferenciada de acessibilidade. O Mineirão teve uma mudança significativa no público, a classe média continua indo, mas quem vive com menos de três salários mínimos, fica muito inviável”, conta Sílvio Ricardo da Silva, professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG e coordenador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas.

Para ele, é muito forte falar em elitização, mas é evidente a exclusão de uma parcela do público que frequentava o estádio antes do fim da geral. “Fizemos um estudo sobre os torcedores que frequentam o Mineirão. Durante 2013, logo após a reforma, estivemos em todos os jogos do Campeonato Mineiro para traçar um perfil dos torcedores. Foi constatado que a maioria dos torcedores presentes eram provenientes da região Centro-Sul, que possuem uma renda maior”, comenta o professor.

Para Sílvio Ricardo da Silva, retornar com a geral ao Mineirão não é somente fazer a retirada das cadeiras. “Há um contexto mais profundo que envolve esse setor. Para trazer de volta esse público para os estádios, deve haver um barateamento dos ingressos, com preços populares, que deem acesso a todos”, completa Sílvio Ricardo da Silva.

Violência

Infelizmente, nem tudo é festa no futebol. Os episódios de violência aconteciam com frequência dentro do Gigante da Pampulha e hoje se concentram do lado de fora. “Eu, às vezes, não consigo entender porque o atleticano e o cruzeirense não podem ir juntos para o estádio. Eu ia quando era criança, e na volta, ‘zuávamos’ uns aos outros, não importava o resultado”, comenta João Leite, deputado estadual e ex-goleiro do Atlético.

“Quando você fala de futebol, de torcedor, também preciso prezar pela segurança daqueles que vão ao estádio”, comenta Victor, goleiro do Atlético.

Jogos inesquecíveis

Nos seus quase 52 anos de história, o Mineirão preserva na memória, diversos jogos marcantes. Os craques Dadá Maravilha, Procópio Cardozo e os narradores Mário Henrique Caixa e Osvaldo Reis Pequetito contam um pouco do que guardam na memória.

Dadá Maravilha

Procópio Cardozo

Mário Henrique Caixa

Osvaldo Reis Pequetito

Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).