Cidadãos de bem devem votar em Bolsonaro?

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Fernando Guadalupe Brandão*

O candidato Jair Bolsonaro confirma seu favoritismo para ser o próximo presidente do Brasil. A grande maioria de seus potenciais eleitores é formada por cidadãos de bem, alguns revoltados com a corrupção generalizada de nosso sistema político, outros procurando por esperança de uma vida melhor, com mais segurança e mais emprego. Mas será que Bolsonaro, de fato, merece a confiança de dezenas de milhões de brasileiros para ser o líder do país nos próximos 4 anos?

Bolsonaro tem uma longa história de afirmações públicas que não são compatíveis com os valores republicanos do nosso país, com os valores cristãos de mais de cem milhões de brasileiros, com os valores que todos os cidadãos de bem compartilham. Ele afirmou que “não contrataria uma mulher com o mesmo salário do que um homem, mas tem muita mulher que é competente”; que “não corro esse risco, pois meus filhos foram muito bem educados” quando indagado o que faria se um de seus filhos se apaixonasse por uma mulher negra; que “assim como você não gosta dos talibãs, a sociedade brasileira não gosta de homossexual” em uma conversa com o ator inglês Stephen Fry; e que “jamais estupraria” uma deputada com a qual ele estava tendo uma discussão “porque ela não merece”.

Dois anos atrás, ao votar a favor do impeachment da ex-presidente, Bolsonaro dedicou seu voto “à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Ustra foi julgado e condenado como torturador do regime militar. Vários depoimentos e documentos relatam a crueldade de seus métodos, em particular como ele, pessoalmente, torturou pais nas frentes de seus próprios filhos, ainda crianças. Posteriormente, Eduardo Bolsonaro, filho e coordenador da campanha do pai, postou com orgulho uma foto vestindo uma camiseta de “Ustra Vive”, se vangloriando de que a visão distorcida de seu pai – segundo o qual o torturador é, na verdade, um herói – seria agora compartilhada por toda a sociedade brasileira. Em comparação, seria preso por crime federal, na Alemanha de hoje, quem usasse uma camiseta louvando “Josef Mengele”, um notório torturador alemão do período nazista.

Muitos potenciais eleitores de Bolsonaro argumentam que, mesmo não concordando com as declarações absurdas do deputado, o voto nele se faz necessário, dada a corrupção sistêmica de nosso sistema político atual. Bolsonaro sempre foi um deputado marginalizado, tendo seu eleitorado fiel devido às suas posições ideológicas questionáveis, mas sem nenhuma influência política. Mesmo assim, ele e seus filhos, todos também políticos, multiplicaram seu patrimônio, nos últimos 10 anos, de 3 para 13 imóveis na capital carioca. Bolsonaro também foi acusado de lavar dinheiro da JBS para seu antigo partido, o PP, campeão de denúncias na Lava Jato.

Outros argumentam que, como os governos passados afundaram a economia nacional, só Bolsonaro, de outro extremo do espectro político, pode revitalizá-la (apesar do viés político do candidato oscilante: em 1999, ele disse que “Chávez era uma “esperança para a América Latina” e que “gostaria muito que sua filosofia chegasse ao Brasil”). Bolsonaro já declarou inúmeras vezes que não entende nada de economia (ou de saúde, segurança e ciência e tecnologia). Como exemplo, quando indagado sobre sua política para a rolagem da dívida pública, o candidato ficou transtornado. Bolsonaro afirma que a economia seria de total responsabilidade do economista Paulo Guedes.

O programa Roda Viva entrevistou, nos últimos dias, todos os economistas indicados pelos candidatos; o único que se recusou a ir foi Paulo Guedes. As únicas ideias concretas do plano de Paulo Guedes que vazaram recentemente foram que ele estabeleceria uma alíquota única de Imposto de Renda de 20% (aumentando o imposto atual de 96% da população) e recriaria a CPMF. O plano de governo de Bolsonaro consiste apenas em alguns slides com frases de efeito genéricas. Assim, o argumento de que, apesar de seus desvios, Bolsonaro representa nossa melhor opção, não se sustenta. A única coisa de concreto apresentada pelo candidato até agora foram seus desvios.

A participação de Bolsonaro como deputado é vexatória. Em 26 anos de congresso ele só aprovou dois projetos de lei, um deles a regulamentação da chamada “pílula do câncer”, que foi considerada ineficaz. No seu histórico consta votar contra o plano real, contra o teto salarial no setor público, contra o fim da aposentadoria para deputados e senadores, contra o fundo de combate a pobreza e contra os direitos trabalhistas para as empregadas domésticas (o único voto contra de toda a Câmera). A atuação profissional pífia de Bolsonaro vem desde seu tempo como militar, quando foi forçado a ir para a reserva. Nas palavras de seu superior coronel Carlos Pellegrino, Bolsonaro “foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”.

Mesmo após o covarde ataque sofrido pelo deputado e sua hospitalização, seus representantes diretos continuam a afrontar os valores dos cidadãos de bem. Seu candidato a vice, o general Hamilton Mourão, afirmou que “família sem pai/avo é fabrica de desajustados” (40% das famílias brasileiras com filhos não têm um homem como referência). Após o grupo “mulheres contra Bolsonaro” atingir mais de dois milhões de membros, este foi hackeado por apoiadores de Bolsonaro, que deletaram as administradoras e trocaram o nome do grupo para “mulheres com Bolsonaro”. Logo após o ataque, Eduardo Bolsonaro postou um tuíte mentiroso afirmando que quase todos os membros da página original saíram, quando descobriram que a página era contra Bolsonaro e, concorrentemente, uma nova página a favor do deputado foi criada, já com milhões de membros.

O papel do Presidente da República vai além da administração do país. Como Chefe de Estado, ele deve ser o primeiro exemplo da ética e moral que se espera de todos os brasileiros. Bolsonaro não é apto para o cargo que almeja. Nesse momento decisivo da história do nosso país, a sociedade civil, as igrejas, os meios de comunicação e as figuras públicas têm o dever de se juntar a todos os cidadãos de bem no repúdio à candidatura do deputado. Negligência nesta hora corresponderia a renegar os valores mais importantes da nossa sociedade: o respeito ao próximo, o compromisso com a verdade e o ideal que a vida de todos brasileiros tem valor igual. Se abrirmos mão deles agora, justificando que o primordial no momento é lutar pela refundação do sistema político vigente, perceberemos no futuro, amargamente, que não temos mais por que lutar. Teremos falhado todos em fazer o bem como cidadãos.

* Fernando Guadalupe Brandão é professor no California Institute of Technology (Caltech), onde ocupa a cátedra Bren de física teoria, pesquisador do Quantum AI LAB no Google e sócio-proprietário do Portal Bhaz

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