Rapaz que tingiu corpo para ser aprovado no INSS como cotista racial é exonerado

Perícia civil comparou imagens dos olhos do rapaz (TV Globo/Reprodução)

Acusado de tingir o corpo para ser aprovado em concurso como cotista racial, Lucas Soares Fontes, de 24 anos, foi exonerado pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) na sexta-feira (7), tendo a portaria divulgada no Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda (10). Ele foi indiciado pelo crime de falsidade ideológica.

A Portaria 1.322 de 7/6/19 tornou sem efeito a nomeação de Lucas Soares Fontes como servidor do INSS em Juiz de Fora, na Zona da Mata. Fontes fez concurso público para técnico do seguro social realizado em 2015 e teria tingido a pele e usado lentes de contato para poder concorrer a vagas destinadas a candidatos declarados negros.

DOU/Reprodução

Lucas foi aprovado e assumiu o posto em 2017, mas foi afastado no último dia 24 de maio. O salário previsto para o cargo era de R$ 5.344,87.

O caso envolvendo Lucas Soares Fontes veio à tona nacionalmente, nesse domingo (9), depois que uma reportagem foi exibida no programa Fantástico, da TV Globo. A gravação mostra que o rapaz tem pele branca e olhos claros, e teria tingido a pele e usado lentes escuras quando foi prestar depoimento sobre o caso na Polícia Federal (PF).

Em entrevista ao programa, ele contestou as conclusões das investigações e disse ser conhecido como “moreno”. A reportagem mostrou o ex-servidor do INSS indo trabalhar normalmente, sem o suposto disfarce.

Lucas ainda declarou que a foto usada para participar do processo seletivo do INSS havia sido feita após o verão, o que justificaria o tom de pele visto na foto.

Nos últimos anos, novas regras tornaram mais rigorosa a definição de quem pode ocupar uma vaga como preto ou pardo em instituições públicas no Brasil, mas o debate sobre como tornar o processo mais eficaz continua. Segundo especialistas, a autodeclaração é subjetiva.

Foto para checagem de fenótipo

Segundo o edital do concurso do INSS de 2016, os candidatos deveriam enviar uma foto para comprovar o fenótipo de uma pessoa negra ou parda. A banca organizadora da seleção, o Cebraspe, reconheceu que ele tinha o aspecto físico de negro.

Procurada pelo BHAZ, a assessoria do INSS em Brasília informou, por telefone, que como Lucas Soares Fontes foi exonerado e o documento publicado nesta segunda-feira (10), nada teria nada a declarar. O Ministério Público Federal (MPF) em Minas, que recebeu a denúncia do INSS, informou que o inquérito civil contra o Lucas Soares não apurou nada contra ele e que já foi arquivado. A investigação civil do caso está a cargo da Polícia Federal.

O BHAZ entrou em contato com a Superintendência da PF em Minas para entender o rumo das investigações. “As investigações foram feitas com base em processo administrativo enviado pelo INSS. O inquérito foi instaurado no início de abril”, explica a delegada Fabiana Martins Machado.

Agora, Lucas Soares foi indiciado pelo crime de falsidade ideológica. “A investigação da Polícia Federal já está concluída. O processo de penalização criminal, se ele será preso ou não, fica a cargo da Justiça”, completa a delegada.

Aluno aprovado em 4 federais pelo Sisu

O administrador Lucas Soares Fontes também é suspeito de ter ingressado de forma fraudulenta no primeiro semestre do ano de 2013, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

De acordo com a instituição, ele foi admitido na UFJF por meio de processo seletivo de ingresso misto, pelo grupo A, destinado a candidatos com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita familiar mensal, que tivessem cursado o ensino médio integralmente em escola pública e que se declarassem pretos, pardos ou indígenas.

Na ocasião, Fontes entrou na universidade no curso de administração e optou por direito posteriormente.

Lucas concluiu seu curso no segundo semestre de 2017. À época, a instituição valia-se apenas das autodeclarações (acordo subscrito pelo Brasil em Durban 2001, pela ONU). Somente um ano depois da saída de Lucas Fontes foi que a UFJF instalou uma ouvidoria para melhorar os processos de avaliação sobre os cotistas.

De acordo com a instituição, por meio de nota, informou que, desde então, “recebeu 156 denúncias de fraudes nos processos seletivos de ingresso nos cursos de graduação, para as quais instaurou comissões de sindicância para apuração dos fatos. Destes, 67 processos foram julgados improcedentes e 12 foram encaminhados para processos administrativos; os demais permanecem em análise” (leia abaixo a nota da UFJF na íntegra).

Em 2013, o site da própria instituição publicou uma notícia na sua página exaltando o então estudante Lucas Soares Fontes, de 17 anos, como sendo um dos melhores candidatos a uma vaga na universidade, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), pois estava em primeiro lugar em nada menos que quatro instituições de ensino superior.

“O caso do estudante Lucas Soares Fontes, 17, chama a atenção. Ele obteve os primeiros lugares de quatro seleções para universidades e optou pelo curso de Administração da UFJF, cuja aprovação veio na segunda chamada do sistema do MEC na 14ª colocação”, diz o texto.

Segundo o texto do portal da UFJF, o estudante de Valença (RJ)  foi aprovado em quarto lugar em Direito, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em segundo em Administração na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e em outra universidade da qual não se lembra. “Decidi pela UFJF por gostar da cidade e pela qualidade do curso”, contou Fontes ao portal. O novo aluno ainda disputa vaga em Direito por meio do Programa de Ingresso Seletivo Misto (Pism) da UFJF.

Resta saber de quem investiga o caso, ou seja, da Polícia Federal, se todas essas aprovações ocorreram de forma correta ou fraudulenta.

UFJF/Reprodução

Nota da UFJF na íntegra

Lucas Soares ingressou na UFJF no curso de Direito no 1º semestre do ano de 2013 pelo processo seletivo de ingresso misto, pelo grupo A, destinado a candidatos com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita familiar mensal, que tivessem cursado o Ensino Médio integralmente em escola pública e que se declarassem pretos, pardos ou indígenas. Lucas concluiu seu curso no segundo semestre de 2017. À época, a instituição valia-se apenas das autodeclarações (acordo subscrito pelo Brasil em Durban 2001, pela ONU). Quando o candidato aderia ao programa da UFJF (PISM), ele assinava um termo em que se auto declarava pardo no ato da matrícula. Esse documento se tornava legal e a instituição o tomava como verdade. Desde quando essa reitoria assumiu a gestão da UFJF foram iniciadas discussões para o estabelecimento de parâmetros para a avaliação dessa autodeclaração. Criou uma ouvidoria especializada e, a partir de 2018, recebeu 156 denúncias de fraudes nos processos seletivos de ingresso nos cursos de graduação, para as quais instaurou comissões de sindicância para apuração dos fatos. Destes, 67 processos foram julgados improcedentes e 12 foram encaminhados para processos administrativos e e os demais permanecem em análise. A partir dos processos seletivos para o ingresso nos cursos de graduação no ano de 2019, assim como outras universidades, a UFJF instituiu a comissão de heteroidentificação que atua no momento da matrícula dos candidatos para evitar situação como essa. A UFJF destaca a importância da política de cotas e ressalta que situações como essa não demonstram estas políticas, mas sim na conduta de quem tenta burlar o processo.

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