Justiça livra funcionários da Vale da CPI de Brumadinho: ‘Quem manda é o dinheiro’

Guilherme Dardanhan/ALMG + Bárbara Ferreira/BHAZ

Os funcionários da mineradora Vale que garantem que a estrutura da barragem B1, que se rompeu deixando mais de 200 mortos em Brumadinho, em 25 de janeiro, não apresentava nenhum sinal de risco conseguiram se livrar da acareação na CPI da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) com um habeas corpus concedido pela Justiça.

Os empregados da mineradora seriam colocados frente a frente, nesta quinta (11), com o operador Fernando Henrique Coelho, que também trabalha na Vale, e que afirmou na semana passada que a barragem vazou lama meses antes do colapso. Fernando perdeu o pai na tragédia.

Em entrevista, o operador se mostrou revoltado com a ausência dos funcionários responsáveis pela barragem. “Não era pra ter morrido ninguém, era evitável. Não espero mais nada, um desembargador dá um habeas corpus; quem manda no Brasil é o dinheiro. A gente se sente impotente. A Vale que manda em tudo, na Justiça e tudo”, disse Fernando.

Os interrogados seriam a engenheira Cristina Malheiros, responsável à época pelo monitoramento da estrutura; o geólogo César Augusto Grandchamp, que assinou o laudo de estabilidade emitido pela empresa de auditoria alemã Tüv Süd; o gerente da área de geotecnia, Renzo Albieri Guimarães Carvalho, responsável pela gestão da mina; e o engenheiro Artur Ribeiro Bastos, que substituiu Cristina Malheiros após a tragédia

Crime era evitável

Segundo o deputado André Quintão (PT), que preside a CPI, a Vale deveria ter comunicado à Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre os possíveis problemas identificados na barragem. “A diretoria operacional não tomou os procedimentos devidos referentes a comunicação de eventos graves que atestavam a estabilidade da barragem e que poderiam, inclusive, redundar no plano de ação de emergência. Essa é uma situação fundamental”, disse o deputado.

O parlamentar lamentou a ausência dos profissionais da mineradora. “A ausência dos gerentes da Vale aqui prejudica no caso a afirmação de que um outro evento grave – o vazamento de lama na estrutura – teria ocorrido. Mas o Fernando foi muito firme em suas declarações”, afirmou.

Na segunda-feira (8), o BHAZ questionou a Vale sobre o depoimento do funcionário e se o nível de segurança da barragem foi alterado ao identificar problemas de vazamento na estrutura.

Em nota, a Vale se limitou a dizer que a “barragem I possuía todas as declarações de estabilidade aplicáveis e passava por constantes auditorias externas e independentes. Havia inspeções quinzenais, reportadas à Agência Nacional de Mineração, sendo a última datada de 21/12/2018″, disse em trecho.

“A estrutura passou também por inspeções nos dias 8 e 22 de janeiro deste ano, com registro no sistema de monitoramento da Vale. Em nenhuma dessas inspeções foram detectadas anomalias que apontassem para um risco iminente de rompimento da barragem”, complementou a empresa via nota.

De acordo com o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), quando “detectada anomalia” na estrutura, ela deverá evoluir para o nível 1, ou seja, quando há situação com potencial comprometimento de segurança da estrutura.  

Caso a situação não fosse controlada, a barragem poderia evoluir para nível 2, “quando o resultado das ações adotadas na anomalia referida não solucione o problema”. Neste caso, a área abaixo da barragem deveria ser isolada. Por fim, o nível 3 ocorre quando a ruptura é iminente ou está ocorrendo.

Vazamento de lama

Por conta do habeas corpus, a sessão na ALMG foi suspensa e Fernando Coelho foi dispensado do compromisso. Contudo, ele compareceu à Casa espontaneamente e foi ouvido novamente na manhã desta quinta-feira (11).

Fernando Coelho depôs na CPI na última segunda-feira (8) e relatou ter havido vazamento de lama na barragem antes da tragédia. Foi o primeiro relato sobre vazamentos na estrutura que entrou em colapso no dia 25 de janeiro deste ano.

Segundo o operador, seu pai, Olavo Coelho, foi chamado pela mineradora para conter os vazamentos, cerca de seis ou sete meses antes do fatídico dia 25. “Chamaram meu pai por volta das 22h40, pois estava brotando lama na grama. Se vazou para fora, é que por dentro estava tudo comido. Eles colocaram areia e brita para tentar fazer o paliativo”, conta Fernando.

Na época, Olavo Coelho orientou o filho a evitar o local, pois a barragem era uma “bomba-relógio”. Olavo teria dito a Fernando: “Filho, fica no ponto mais alto e qualquer barulho você corre. Aquilo – a barragem – vai estourar a qualquer hora. Está condenado, ninguém segura isso aqui mais não”, revela Fernando Coelho.

Vale condenada pela primeira vez

A Vale foi condenada a reparar todos os danos causados pelo desastre do rompimento da barragem de rejeitos na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. A decisão foi proferida pelo juiz Elton Pupo Nogueira, da 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte, durante audiência realizada na terça-feira (9).

Na sentença, foi reconhecida a responsabilidade da mineradora Vale quanto à reparação dos danos, nas variadas esferas: social, econômica e ambiental. O juiz fixou os pontos que ainda devem ser definidos no processo, que são a causa do desastre e a extensão dos danos.

O juiz manteve o bloqueio de R$ 11 bilhões da empresa, mas autorizou a substituição de R$ 5 bilhões por outras garantias financeiras, como fiança bancária ou investimento corrente à disposição do juízo.

A Vale queria a substituição integral do bloqueio em espécie, mas o magistrado entendeu que, sendo o valor bloqueado equivalente à metade dos lucros anuais da empresa, que em 2018 foram de R$ 25 bilhões, não fica prejudicado o desempenho econômico da mineradora, mantendo-se atendida a função social da empresa.

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