Legislativos mineiros ignoram gestantes e mãe é obrigada a trabalhar 15 dias após ter filho

Divulgação/ALMG + Arquivo/Agência Brasil

O poder responsável por zelar e atualizar as nossas leis ignora um direito básico da mulher: a licença-maternidade. Pois essa é a realidade das duas Casas legislativas mais importantes de Minas: a estadual e a da capital do Estado. O cenário, que se repete em tantas outras cidades mineiras, chegou ao absurdo de obrigar uma vereadora a voltar ao trabalho apenas 15 dias após dar à luz.

“Temos que lutar para efetivar direitos que já foram conquistados. As mulheres têm pouca inserção política, e são as mais atingidas. Ganham salários desiguais, não têm direitos garantidos… Temos 52% de mulheres na população, mas apenas 10% de representação parlamentar”, afirma ao BHAZ a cientista político Helcimara Telles.

O direito tão básico ignorado pelas Casas desde o início do século passado voltou à tona apenas neste ano após a deputada estadual Ana Paula Siqueira (Rede) descobrir, ao ficar grávida do seu terceiro filho, que o regimento interno da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) simplesmente ignorava as gestantes – e a licença-maternidade.

Ao procurar mais informações sobre regimentos de outras Casas e casos semelhantes, a legisladora estadual se deparou com um absurdo ocorrido na região metropolitana: a vereadora de Santa Luzia, Suzane Duarte Almada (PT), precisou retornar ao trabalho apenas 15 dias após dar à luz para não ser prejudicada, já que a licença não era prevista pela Câmara Municipal daquele município.

Vereadora Suzane Duarte Almada (Marcelo Barbosa/Divulgação)

“Ficou evidente que esse espaço não é visto como um lugar de mulher. Eu tinha que me virar. Nos plenários, onde não havia sala própria de amamentação, eu tinha que sair para amamentar em outro lugar; precisava também pedir para que minha irmã ficasse com minha filha na hora das reuniões”, relembra dos “desafios” que enfrentou em 2007, logo após o parto de sua filha. Hoje, a vereadora cumpre seu terceiro mandato.

Segundo Suzane, os colegas de função foram compreensivos, mas não houve qualquer movimentação para que o regimento interno fosse revisto. A petista integra hoje atualmente a Comissão Especial de Revisão da Lei Orgânica e do Regimento Interno e pretende apresentar uma proposta para a inclusão da licença-maternidade no Regimento Interno.

Atualmente, a Lei Orgânica Municipal de Santa Luzia, em seu artigo 44º, prevê que “o vereador poderá licenciar-se por motivo de doença; para tratar sem remuneração de interesse particular, desde que o afastamento não ultrapasse 120 dias por sessão Legislativa; e para desempenhar missões temporárias de caráter cultural ou de interesse ao município”.

ALMG

Na principal Casa legislativa do Estado, a deputada Ana Paula Siqueira conseguiu escapar do martírio enfrentado pela colega petista ao fazer um pedido baseado no artigo 7º, inciso 13, da Constituição Federal, que prevê “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias”. Não será necessária a convocação de um suplente, tendo em vista o período da licença.

Apesar de ter conseguido o afastamento, a deputada protocolou um requerimento para a inclusão da licença-maternidade no regimento interno da Casa. Ao BHAZ, Ana Paula Siqueira disse que o objetivo é evitar que outras parlamentares passem pela mesma situação no futuro – ou até mesmo da vereadora de Santa Luiz. “Ela [Suzane Duarte] não voltou porque queria, voltou para não perder aquele espaço. Acabou sendo penalizada por gerar uma vida”, comenta Ana Paula.

O documento protocolado pela deputada abrange também a licença-paternidade, e solicita a garantia do direito com as prerrogativas parlamentares asseguradas. Isso significa que, apesar de estar em licença, o parlamentar ainda poderá cumprir parte de suas funções caso tenha interesse, como participar de votações.

Em 1998, a então deputada estadual Elbe Brandão também precisou fazer requerimento semelhante à da Ana Paula para garantir a licença prevista na Constituição de 120 dias.

‘Não é razóavel’

Situação semelhante é a da CMBH (Câmara Municipal de Belo Horizonte). Não há qualquer menção ao direito no regimento interno, mas, por nota (leia na íntegra abaixo), a assessoria da Casa afirmou que “não há dúvida quanto ao direito das vereadoras de gozar da licença maternidade”. “Registra-se que a vereadora é inscrita no Regime Geral de Previdência Social, motivo pelo aplica-se o prazo de 120 dias que todas as trabalhadoras têm direito”.

No entanto, parlamentares e estudiosos avaliam que o tema ignorado no regimento interno evidencia como todo o ambiente político foi construído ignorando a mulher. “Você não deveria ter que recorrer a outras instâncias para ter um direito reconhecido. Inclusive a licença maternidade nossa é muito pequena se comparada a outros países. Em pleno século 21 ter que recorrer à Justiça para reconhecer um direito que já é reconhecido é absurdo”, afirma Mara Telles.

“Cada vez mais, vemos ações que são feitas para que mulheres ocupem espaços de representação pública, mas não é razoável estimular que elas ocupem esses espaços se, quando elas constituírem família e gerarem filhos, terão que enfrentar essa instabilidade”, acredita a deputada estadual Ana Paula Siqueira.

A deputada destaca que, das 27 Casas Legislativas do país, apenas dez fazem menção à licença-maternidade, como já faz a Câmara Federal. Em outras 17, o direito também não está presente nas normas internas.

Para ela, estar presente em um local onde houve uma ausência feminina por muito tempo é um indicativo de que situações sem precedentes serão comuns. “Para que as instituições políticas de fato recebam as mulheres, elas precisam estar adequadas a elas”, observa.

Já a vereadora Suzane Duarte destaca que os espaços públicos de representação devem ser organizados para acolher cada indivíduo. “Devem garantir a presença das mulheres de forma integral. Não dá para ocupar como se fôssemos os homens, temos nossas peculiaridades”, finaliza.

Mudanças no regimento

Alterações no Regimento Interno da Assembleia Legislativa podem ocorrer eventualmente. Segundo a ALMG, “as mudanças são frutos de estudos e da necessidade comprovada de atualizações, sempre por meio de Projeto de Resolução aprovado em Plenário.”

A comunicação da Casa informa ainda que, “levando em conta a relevância do tema e a crescente participação feminina na política, o presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PV), comprometeu-se a colocar o assunto em discussão e consequente votação em Plenário.”

Ana Paula Siqueira também lembra que Patrus foi ‘extremamente sensível’ com relação ao requerimento protocolado por ela. “Como não houve casos nesse meio do caminho (entre 1998 e 2019), o assunto não foi muito percebido. Há uma sensibilidade em compreender que hoje existem dez mulheres na Casa, e muito jovens”, observa a deputada, e acrescenta que espera por uma aprovação ainda nesta legislatura. “E certamente as próximas deputadas vão estar garantidas”, diz.

Nota da CMBH na íntegra:

“O direito à licença maternidade das vereadoras da CMBH decorre da própria Constituição Federal, uma vez que consiste em direito fundamental, além de estar previsto na Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte, em seu art. 80, inciso III. Dessa forma, não obstante a falta de previsão no Regimento Interno, não há dúvida quanto ao direito das vereadoras de gozar da licença maternidade. Registra-se que a vereadora é inscrita no Regime Geral de Previdência Social, motivo pelo aplica-se o prazo de 120 dias que todas as trabalhadoras têm direito.”

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