‘Exterminar a esquerda’: Entramos no ‘300 do Brasil’, grupo secreto e extremista liderado por Sara Winter

(Reprodução/Twitter/@_sarawinter)

Por Jessica de Almeida, especial para o BHAZ

“Você não é mais um militante. Você agora é um militar!”. É assim que são incitados os participantes do acampamento 300 do Brasil, que completa, nesta sexta-feira (12), 40 dias de vigília no Ministério da Justiça, em Brasília (DF). O movimento é liderado por Sara Winter, ativista que tomou o noticiário nos últimos dias por ser alvo de operação contra fake news e ameaçar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

As intimidações da ativista a um representante maior do judiciário, com quem ela disse que gostaria de “trocar soco” e cuja paz na vida acabaria, chocam qualquer democrata, mas é apenas mais um avanço na escalada de Sara. Nos bastidores, o grupo liderado por ela falava em “treinamento especializado” para “exterminar a esquerda através de ataques estratégicos baseados em ativismo e inteligência”.

A reportagem acompanhou por duas semanas, através de um grupo no aplicativo Telegram, como Sara Winter e seus pares da extrema-direita se organizavam e traçavam as estratégias sustentados por um financiamento que ultrapassou os R$ 80 mil. Entre outros pontos, os organizadores prometiam tomada de poder, treinamentos com especialistas em revolução e propagavam provocações – “corruptos e esquerdistas nunca antes experimentaram a raiva e a indignação do povo como agora”- a ameaças – “é justamente o que queremos: meter medo, tomar o poder para o povo!”.

Parte desses bastidores, escondidos meticulosamente – o endereço do QG (quartel-general) do grupo, por exemplo, é guardado a sete chaves -, é revelada nesta reportagem especial.

Cronologia do ódio

A ofensiva de Sara Winter ganhou um novo patamar no dia 20 de abril, quando criou um grupo após publicar, no Twitter, a promessa de “ucranizar o Brasil porque quem manda no Brasil somos nós”. No mesmo dia, a reportagem conseguiu ser aprovada para integrar o movimento que, pouco depois, mudaria o cenário do estacionamento do Ministério da Justiça.

As configurações do grupo não permitiam interação entre participantes ou envio de mensagens se não por parte da organização. Sequer era possível saber quem eram os demais integrantes. Os primeiros chamados eram comuns para um grupo que pretendia crescer: era preciso convidar amigos para participar e divulgar materiais nas redes sociais. Em seguida, as instruções foram de documentários com técnicas de ativismo e escritos do ideólogo Olavo de Carvalho. 

A primeira vez em que Sara Winter é mencionada no grupo (falaremos dela mais adiante), em 21 de abril, é para desmentir uma matéria publicada pelo portal Diário do Centro do Mundo, que aponta a youtuber como líder da ação. 

Reprodução/Os 300 do Brasil/Telegram
Reprodução/Os 300 do Brasil/Telegram

Recrutamento e treinamento

Em menos de uma semana após a criação do grupo, a organização mencionou, pela primeira vez, que treinaria os integrantes e estabeleceu o perfil dos participantes do treinamento, indicando, inclusive, a possibilidade de serem detidos. “Atenção – Grande treinamento dos 300 do Brasil”, inicia a mensagem.

“O que vocês vão aprender: técnicas de revolução não violenta e desobediência civil, técnicas de estratégia, inteligência e investigação, organização e logística de movimentos contra revolucionários”, afirma, em outro trecho, após dizer que os interessados passariam por uma análise para “evitar infiltrados de todos os tipos”. 

Um acolhimento foi montado à frente do estádio de futebol Mané Garrincha para receber caravanas que chegavam, segundo a líder, de várias partes do Brasil. Até para a divulgação de informações práticas o objetivo de extermínio era lembrado. 

Reprodução/Os 300 do Brasil/Telegram

Os organizadores do movimento liderado por Sara Winter definiram até mesmo o perfil de quem eles procuravam para “exterminar a esquerda”. “Pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (contamos com corpo jurídico gratuito)”.

O treinamento ocorreu no dia 2 de maio em local que só seria revelado pessoalmente, mas as mensagens apontam para uma espécie de quartel-general, pois uma das orientações era de que “Fotos e vídeos estão terminantemente proibidos dentro do QG”. Para participar, a organização exigia documentos com foto, recolhimento de celulares e ímpeto para a guerra. 

Reprodução/Os 300 do Brasil/Telegram

Financiamento

Para subsidiar as ações, o grupo lançou um financiamento coletivo pela plataforma Vakinha, com meta inicial de R$ 50 mil. No dia 27 de maio, o valor já ultrapassava os R$ 80 mil quando a plataforma decidiu suspender a arrecadação. “Ainda sobre o caso dos 300 do Brasil, nosso jurídico concluiu uma nova análise, facilitada pelos eventos recentes, e recomendou a retirada da vaquinha”, publicou, no Twitter, sem entrar em detalhes.

Dez dias antes, no entanto, a mesma Vakinha tinha afirmado ao BHAZ que a arrecadação dos 300 não violava os termos da plataforma. “O critério para uso do site é legal e devidamente embasado nos termos, que até o momento não foram violados pelos criadores da campanha, de acordo com o departamento jurídico da companhia, que está estudando o caso continuamente”.

Entre os doadores estavam empresários, advogados, funcionários públicos, informais e até Danielle Janene, filha do ex-deputado José Janene (PP-PR), um dos mentores do esquema bilionário de corrupção na Petrobras, conhecido como Petrolão.

Reprodução/Vakinha

Danielle chegou a ser denunciada, em 2015, no âmbito da Operação Lava Jato, por associação criminosa, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e estelionato. A denúncia foi arquivada pela juíza substituta da operação no Paraná, Gabriela Hardt. 

Ainda sobre a arrecadação, a organização do movimento 300 prometia uma prestação de contas contínua, o que nunca ocorreu. 

“Você vai vim para passar perrengue em Brasília? Muito provavelmente sim. Mas a gente não vai deixar você passar tanto perrengue assim”, afirma Sara Winter em um dos poucos vídeos enviados ao grupo dos 300 no Telegram. “Temos uma Vakinha para fornecer uma refeição ao dia, pelo menos para as pessoas, tá?! A gente já recebeu bastante doação de água”, complementa.

“Onde você vai tomar banho, lavar sua roupa e descansar de vem em quando? Muito de vez em quando porque tem muita coisa para fazer. Temos um QG, quartel-general, ou centro administrativo, como você quiser falar. Onde fica? Não vou falar porque não quero gente indo lá, não quero esquerda indo lá estragar tudo”, diz, em outro trecho, reforçando a preocupação em manter o esquema sigiloso.

Confrontos

No primeiro fim de semana de maio, enfermeiros fizeram um ato simbólico em Brasília para homenagear as vítimas da Covid-19 e foram confrontados por bolsonaristas. No dia seguinte, jornalistas foram agredidos ao cobrir uma manifestação pró-Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios.

Sara Winter reconheceu, na última semana, em entrevista à BBC News Brasil, a existência de armas dentro do acampamento montado pelo grupo em Brasília. 

Quem é Sara Winter

A líder dos 300 do Brasil, a youtuber Sara Winter, é conhecida por ter formado, em 2012, a célula brasileira do grupo “neofeminista” ucraniano Femen. Na época, Sara usava a nudez como forma de protesto e fez diversas aparições no Brasil e em outros países. Em Belo Horizonte, por exemplo, Sara e outras duas integrantes se manifestaram dentro de uma loja da rede Marisa e, em outro momento, na Praça da Estação. 

A frase “você não é mais um militante, você agora é um militar”, inclusive, foi aprendida por ela durante os treinamentos que fez na Ucrânia, antes de trazer o movimento para o Brasil. É o que conta no documentário A Vida de Sara, lançado este ano. 

A “ex-feminista” também revelou no filme que viajou ao país europeu para receber treinamento sobre como protestar de topless e lidar com o enfrentamento com a polícia. A viagem, de acordo com ela, foi financiada pelo próprio Femen, embora, em uma live recente, ela tenha dito que recebeu dinheiro “da esquerda”. 

Sara deixou o movimento um ano depois, em 2013, e em 2015 passou a propagar ideias antifeministas. Se tornou uma forte militante contra a descriminalização do aborto em maio de 2016 e anunciou uma “parceria política” com o então deputado federal Jair Bolsonaro. Na época, Bolsonaro gravou um vídeo com ela, chamando-a de “curada do feminismo”. 

Sara chegou a se candidatar para o cargo de deputada federal pelo Democratas nas eleições de 2018. Apesar de criticar o sistema político tradicional, recebeu R$ 25 mil do DEM para tocar a campanha. Não foi eleita. 

Tornou-se coordenadora nacional de políticas da maternidade, por convite da ministra de Mulheres, Família e Direitos Humanos Damares Alves. Sara pediu exoneração do cargo no mesmo ano para se dedicar a agendas particulares e palestras. 

Além disso, passou a praticar tiro na Loja do Pescador e Militar, localizada em Taquatinga (DF).

‘Natural do homem ter mais raciocínio lógico’

Os treinamentos secretos não são as únicas atividades dos 300 do Brasil. De acordo com o grupo, há aulas de geopolítica, economia e palestras. Em uma delas, ocorrida no dia 16 de maio e protagonizada pela própria Sara Winter, o assunto é “divisão natural do trabalho”. Na ocasião, a youtuber diz que não há mais mulheres trabalhando com tecnologia por questões biológicas. 

“Por que há mais homens do que mulheres na área da tecnologia? Porque é natural do homem ter mais raciocínio lógico. É natural das mulheres, por causa da progesterona, ocitocina e hormônios que as mulheres produzem, serem mais interessadas em trabalhos de cuidado e educação do que de construção e raciocínio lógico”, diz.

Em outro momento, Sara diz que feminismo e pedofilia fazem parte de um projeto “maligno”. “Não existe feminismo radical e feminismo bonzinho. Nem comunismo radical e comunismo bonzinho ou pedofilia radical e pedofilia boazinha. Todos são braços de um mesmo mal”, afirma sem desenvolver. 

Nos vídeos publicados pelos 300 do Brasil no Instagram, nenhuma pessoa está de máscara ou mantendo a distância mínima recomendada pelos órgãos internacionais ou Ministério da Saúde. O produtor do documentário a Vida de Sara, Matheus Bazzo, inclusive, tem usado o Instagram para minimizar os impactos da Covid-19, falando em números forjados e histeria generalizada.

Na mesma semana em que afirmou à BBC a existência de armas no acampamento, Sara desmentiu a própria fala em uma live. “Todas as pessoas que disseram que nós temos armas. Você pode ir lá agora e procurar uma arma de fogo ou branca. Não vai achar”, contradiz-se. 

Busca e apreensão

A Polícia Federal cumpriu, no fim de maio (27), mandados de busca de apreensão relacionados à investigação conduzida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que apura fake news e ameaças à Corte. O blogueiro Allan dos Santos, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, o empresário Luciano Hang e Sara Winter são alguns dos alvos. 

Depois da apreensão de um tablet, notebook e celular, a youtuber foi às redes sociais fazer ataques ao ministro do STF, Alexandre de Moraes. Intimada a depor, ela se recusou a prestar esclarecimentos e continuou a usar as redes sociais para fazer ataques aos poderes legislativo e judiciário.

Dias depois, Sara e outros integrantes do acampamento fizeram um ato em frente ao STF com máscaras e tochas, fazendo com que os termos “os 300”, “Sara Winter”, “Brasília” e “Ku Klux Klan” (grupo supremacista norte-americano que também usava tochas e máscaras em manifestações) fossem o assunto mais comentado no Twitter. 

Foi questão de tempo até que Sara fosse expulsa do DEM, mas segue liderando o acampamento montado no estacionamento do Ministério da Justiça.

Acampamento na mira

As promotorias de Justiça Militar do Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) ajuizaram, no dia 13 de maio, uma ação civil pública contra os 300 do Brasil. O MPDF argumenta que, diante da pandemia e do reconhecimento do estado de calamidade pública, “é necessário tornar efetivo o distanciamento social”. 

O órgão demonstrou preocupação com as mensagens de convocação dos participantes, somadas à declaração de que haveria armas no acampamento. Na ação, o MP estadual diz que “a presença de milícias armadas, conforme noticiado nos veículos de comunicação, na região central da Capital Federal, representa inequívoco dano à ordem e segurança públicas”. 

O documento solicita a aplicação do decreto estadual do Distrito Federal que proíbe a aglomeração de pessoas; o encaminhamento dos integrantes à Delegacia de Polícia, por infringirem uma medida sanitária; a desmobilização do acampamento, a busca e apreensão de armas de fogo e a revista de integrantes. 

A Justiça negou o pedido, alegando que “não é o momento (ainda) de sacrificar totalmente a liberdade de reunião e manifestação no espaço público”. Os promotores do MPDF recorreram da decisão, mas a Justiça negou novamente. 

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