Bloco Angola Janga: Pelo protagonismo negro no Carnaval de BH

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Angola Janga é um bloco afro de Carnaval em Belo Horizonte (Paulo Santos/BHAZ)

Nem tudo são brilhos no Carnaval de BH, e, cada vez mais, a necessidade de afirmar as raízes da folia e combater ao racismo faz-se presente. O bloco Angola Janga surgiu dessa demanda, e se firmou como um espaço seguro para negros da Grande BH manifestarem sua ancestralidade sem sofrer as consequências do embranquecimento dos blocos.

O casal Lucas Jupetipe e Nayara Garófalo eram foliões do Carnaval de BH e, a partir de 2011, viraram batuqueiros e começaram a tocar em blocos da capital mineira. Até que, em 2015, um episódio de racismo contra Lucas o levou à fundação do Angola Janga, junto com a esposa.

“Eu estava tocando num bloco famoso da cidade, que até homenageia dois cantores negros. Estava na bateria e alguém puxou o meu cabelo pensando que era uma peruca. Puxaram meu cabelo e ficaram rindo”, conta Lucas Jupetipe, que usava o cabelo black power no dia.

Racismo constante e falta de protagonismo negro

Mas esse não foi o único caso de racismo que marcou a convivência nos blocos de Carnaval de BH. “A gente percebeu um racismo muito grande com as pessoas, e iam desde os micros, de não querer ficar perto, até comentários horrorosos e muitas coisas de cunho racista”.

O tratamento racista aliado à falta de protagonismo de pessoas negras nos blocos culminou na criação do Angola Janga. “A gente precisava de um espaço seguro, assim como existe um espaço seguro para as mulheres, para as questões LGBTQIAP+. Nós resolvemos criar um espaço exclusivamente para quem se autodeclarava negro”.

“E é muito engraçado que toca-se muita música negra, mas quase não se vê pessoas negras nos blocos, e as poucas que tinham, eu sempre via elas no fundo do bloco, não estavam em espaços de liderança, nunca estavam cantando nem regendo”, aponta o cofundador do Angola Janga.

Para Lucas, o que sobrou do Carnaval foi apenas a data, pois os instrumentos e as músicas que se tocam são todas de origem negra. “Não tem como desvincular a história do Carnaval brasileiro da cultura afro”, afirma.

Significado do nome Angola Janga

O nome para o bloco também carrega simbolismos. Segundo Lucas, Angola Janga era o nome que os negros davam para os quilombos, na época do colonialismo brasileiro. “Angola Janga significa ‘pequena Angola’, então tem uma simbologia muito grande, é um pedacinho da África aqui no Brasil”.

O primeiro ensaio do Angola Janga aconteceu em novembro de 2015, debaixo do Viaduto Santa Tereza. Já nos primeiros encontros, o bloco sofreu críticas, pois algumas pessoas consideraram racismo o fato de o Angola Janga colocar apenas pessoas negras nas posições de protagonismo.

Lucas Jupetipe compara a história do Angola Janga com o Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil, fundado pelo Vovô do Ilê, em Salvador, na década de 1960. “No mesmo contexto, ele cansado de ver a negrada só no fundo dos blocos – isso quando era permitido que eles entrassem –, só segurando corda e catando latinha”.

Um dos primeiros ensaios do Angola Janga, no Viaduto Santa Tereza (Divulgação/Studio’s Black)

“Quando ele fez o primeiro cortejo, os integrantes desceram para o centro onde eram os circuitos de Salvador, sem trio elétrico nem nada. Eles fizeram um cortejo e rendeu matéria no jornal chamando o bloco Ilê Aiyê de racista. Então, quando a gente passou pela mesma coisa aqui, vimos como a história é cíclica”.

‘Quando o racismo acabar a gente abre o bloco’

O cofundador do Angola Janga questiona: “Existem 500 blocos na cidade em que qualquer pessoa branca é aceita, mas, no único bloco afro na cidade, quando você não deixa a pessoa não negra participar você é racista. E, quando puxam seu cabelo ou falam da tua cor nos outros blocos, aí não é?”.

“As pessoas perguntam se o Angola um dia vai abrir para todo mundo. A gente tem a mesma opinião do Vovô do Ilê, que é ‘quando o racismo acabar a gente abre’. Porque aí não vai ter mais problema, foi resolvido, não temos mais que segregar, não é necessário mais ter um espaço onde a pessoa negra fique segura”.

Primeiro cortejo do Angola Janga

O primeiro cortejo do Angola Janga aconteceu em 2016, saindo do monumento à Rômulo Paes, na rua da Bahia. Em todos os anos, o bloco sai no centro de Belo Horizonte, e pretende seguir a mesma tradição no Carnaval de 2024. O objetivo, segundo o cofundador, é ocupar a região central com corpos negros.

“Quando você olha os blocos que saem no hipercentro, principalmente, todos possuem maioria de pessoas brancas. Então não tem a galera negra no dia da folia. A gente precisa ocupar esse espaço onde a população negra só está de passagem ou trabalhando e no dia da folia não está lá”, diz Lucas.

No Carnaval de 2024, o Angola Janga sairá da rua da Bahia, ao lado do Anexo da Biblioteca Estadual, no dia 11 de fevereiro, às 13h.

Primeiro cortejo do Angola Janga, no Carnaval de 2016 (Divulgação/Pablo Bernado)

Angola Janga é de todos os cantos

Apesar do conceito do Angola Janga ter nascido no Centro de Belo Horizonte, o bloco é composto por integrantes de várias regiões de BH, inclusive da metropolitana. Lucas Jupetipe explica que pessoas não negras também participam, porém, não em posições de protagonismo.

“Tem muita gente não negra que participa do bloco na área de produção e de apoio, porque a gente entende que é uma luta de todo mundo. Nõs não vamos vencer o racismo só a negrada, assim como não vamos vencer o machismo só as mulheres. É uma luta da sociedade”, afirma.

A integração de novas pessoas no bloco acontece até mesmo no Carnaval, durante o desfile. “As histórias dos integrantes são muito parecidas, é de gente que viu o bloco passar e se identificou ali”.

Bateria do bloco Angola Janga (Divulgação/Flavio Charchar)

Ritmos afro e discurso ancestral

Nos desfiles, o Angola Janga toca ritmos afrobrasileiros e fala sobre negritude. “Sempre fazemos uma performance e um discurso de cunho racial, é por isso que tudo se mistura, não é so Carnaval. A gente está falando de cultura ancestral, de cultura brasileira, da própria construção identitária brasileira”.

“Atualmente, estamos com quatro cantores, e percussionistas na bateria temos em torno de 100, além do corpo de baile que também compõe, que são mais de quarenta bailarinos”, diz Lucas.

Identificação dos negros com o bloco

As mais de 20 mil pessoas que já se reuniram no Centro de BH para ver o trio do Angola Janga passar foram unidas pela identificação. O processo de renovação identitária da população negra é formado, entre outros elementos, a partir da representação e da possibilidade de se ver ocupando lugares de destaque.

“O sucesso do Angola Janga é saber refletir o outro, é simplesmente isso. A gente fala que é ancestral, nós estamos todos conectados ancestralmente. Somos só a continuaçao daqueles que foram sequestrados e atravessaram o Atlântico. É um futuro ancestral que nos conecta”, afirma Lucas Jupetipe. 

Os ensaios do Angola Janga começaram em dezembro deste ano. O público pode assistir aos encontros do bloco ficando de olho nas datas divulgadas no Instagram.

Anota aí:

Data: 11 de fevereiro
Endereço: Rua da Bahia, 1.889, Centro
Horário: 13h

Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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