Desconfiai do mais trivial

Reprodução Arquivo https://alemdarena.blogspot.com.br

Pensávamos ter vencido a Ditadura. Ao menos os livros de história mencionam um período que tem início, hífen e fim. Mas ela está viva.

No dia 29 de novembro de 2016, o Brasil participou de mais um episódio do Golpe. Apenas mais um.
Neste momento, abro um parênteses: Está difícil conversar entre nós, já não conseguimos ouvir e nos fazer ouvir, vou aproveitar que isso é um texto, para ver se conseguimos fazer com que eu chegue até o final sem ser interrompida. Tomara que sim!

Os últimos anos no Brasil não foram fáceis, há um esgotamento do dito governismo, um sectarismo da esquerda e sobretudo uma falta de alternativa contundente.

Todo esse cenário, seguido do oportunismo de diversos grupos à direita, de interesses escusos na entrega do Pré-Sal, Nióbo, Minério de ferro, da facilidade de agendamento de informação feita pela mídia concessionária e a Justiça abruptamente parcial, nos leva a seguir com a lógica de um povo que não se reconhece pertencido às lutas que nos forjaram, e o pior, sendo feito de massa de manobra, afoitos por um “justiçamento” assustador.

globo-petrobras
Fonte/Reprodução: http://tudo-em-cima.blogspot.com.br/2015/08/a-historia-se-repete-como-farsa.html

Nós desconhecemos as muitas histórias de resistência do próprio povo brasileiro, e seguimos desconectados. Para além disso, a concessionária do Golpe conseguiu agendar em nossas mentes o ódio e a surdez. Não conseguimos nos fazer ouvir, mas conseguimos espalhar a hashtag do ódio (Quem aí assistiu Blackmirror?).

Todo santo dia a polícia está com a razão para avançar mais um pouco. Todo dia há uma brecha que nos faz tirarmos o foco desse avanço ilegal, a cada dia esticamos mais a violação de Direitos Humanos e nos perdermos olhando somente para nós e nossos “erros”. Não percebemos ali à frente o Golpe avançando a passos largos.

Eu sinto muito por nós, mas não vou me debruçar a fazer autocritica dessa vez, não há o que apontar quando mais de 30 mil estudantes têm a sua integridade física colocada em xeque porque meia dúzia – sabe-se lá de onde vieram e quem os enviou para aquilo – viraram um carro ou atearam fogo em outro, em Brasília.

Ora, não acho que precisamos nos esforçar muito para pensarmos se uma situação dessas não era tudo o que a polícia precisava para dispersar os 29.994 outros manifestantes da forma mais absurda que vimos desde a Ditadura Militar (a “oficial”), com direito a mirar em secundaristas menores de idade pacíficos e desarmados e dispararem 8 tiros de bala de borracha e um gás lacrimogênio a cada 29 segundos, numa repressão que durou mais de 3 horas.

Agora precisamos falar da pior parte dessa estória: A gente desconhece o teor da manifestação.
Alguém me aponte qual canal de TV aberta nos explicou o que é a PEC 55 (antiga 241).

Não foi explicado né? A gente não leu o inteiro teor disponibilizado no site do Senado porque, se tivéssemos entendido, seríamos mais pessoas naquela tarde em Brasília, estaríamos conversando sobre o absurdo daquele texto, e nenhum de nós estaria falando sobre um carro virado sabe-se lá por quem. Melhor: Não estaríamos nos culpando, culpando os manifestantes e os colocando como inimigos.

Não temos capacidade de eleger um inimigo, pois dormimos em berço esplêndido e quem nos nina tem nome: Rede Globo de televisão. Há mais de 50 anos servindo à seus escusos superiores.

A mesma que apoiou a ditadura militar ontem, a mesma do caso “Proconsult” que tentou inviabilizar Leonel Brizola porque este queria a legalidade.

A mesma emissora que, com sua narrativa, nos embala novamente quando criminaliza o povo preto de periferia, quando antecipa o Processo Penal e os julga meliantes, traficantes…

Justifica-se o Estado de Sítio no Complexo do Alemão e, com essa informação agendada, tomamos nosso café da manhã.

Globo.

A mesma que coloca em votação quem um enfermeiro deveria socorrer: “bandido” ou policial.

A mesma que chamou manifestantes (estudantes e professores) de vândalos.

É na narrativa da TV que a nossa Ditadura está estruturada. Novamente a mídia nos coloca entre “Democracia e Comunismo” – a Pedagogia do Medo.

Como se, de fato, estivéssemos próximos de algo muito aterrorizante (sequer conseguimos nos segurar enquanto democracia e direitos básicos).

comunismo

A base dessa narrativa é a intolerância às manifestações, o atravessamento aos conceitos de Justiça, de processo penal, e a habilidade de nos colocar uns contra os outros de forma “trivial”, habitual. Esterrecedor. Parecendo impossível de mudar.

Sem presidente eleito, sem obediência a Tratados Internacionais aos quais somos signatários, com repressão policial exacerbada, Tribunal de Exceção e política de corte de gastos à educação, a dúvida é se o calendário aponta 64 ou 2016.

A manchete é a mesma:

globo-golpe-64

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”

Bertolt Brecht

Luara Colpa

Luara Colpa é brasileira, colunista no Bhaz e na Carta Capital via Blog Negro Belchior. É mulher em um país patriarcal e oligárquico. Feminista e militante por conseguinte. Estuda Direito do Trabalhador e o que sente, escreve.

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