Oshkosh 2022: números de um ano recorde (2ª parte)

Mustang P51
Mustang P51, uma das atrações da Cidade dos Caças no Oshkosh 2022 (Foto: Rodolfo Hauck)

Se existe uma coisa que realmente me deixa em dúvida é como começar a relatar tudo que vi nos sete dias do EAA Air Venture em Oshkosh. Desta vez, decidi racionalizar e vou seguir contando tudo que vi ao longo dos 2.439 m utilizáveis da pista 18R/36L do Wittman Field Regional Airport e em seguida falo das redondezas.

Fightertown
Fightertown é onde ficam expostos os aviões de combate na feira (Foto: Rodolfo Hauck)

Começo pela cabeceira 18R de onde predominam as decolagens e onde está a Fightertown. Vou contar um pouco da história dos Warbirds, as veteranas e tão amadas máquinas de combate que aqui se apresentam como se fossem recém-nascidas e não máquinas com mais de 75 anos de idade. 

Começo pelos dois mais queridos: o North American P51 Mustang e o Vought F4U Corsair. O Mustang é o mais popular, talvez por ter sido o mais produzido com 16.766 unidades contra 12.571 do Corsair ou por sua beleza. Ou porque na Segunda Guerra ter tido importante papel no teatro de operações europeu, ao escoltar os bombardeiros B 17 ao coração da Alemanha. Também teve importante papel no Dia D. Enfim por uma série de atributos.

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Já o Corsair é relevante por ser um caça embarcado que operou predominantemente contra os japoneses no Pacífico. Não é tão belo, maior e mais pesado, mas nem por isso menos mortífero.

Mas vamos falar de cada um em separado e também de outros mais. Afinal estamos na Cidade dos Caças.

North American XP 51 Mustang
North American XP 51 Mustang (Foto: Rodolfo Hauck)

A história do Mustang é bem interessante. Ao contrário do que se pensa, inicialmente ele não foi concebido para atender às necessidades da Força Aérea do Exército dos Estados Unidos (United States Army Air Forces ou USAAF) que tinha em seu inventário como principal arma o Curtiss P40.

Ele nasceu por iniciativa do presidente da North American Aviation, James H. (“Dutch”) Kindelberger que incumbiu o seu designer-chefe, Edgar Schmued a criar uma aeronave que atendesse às especificações da Royal Air Force – RAF (Grã-Bretanha), que vendo potencial no projeto efetuou um pedido inicial de 320 unidades – outros 300 foram em um segundo lote.

Em 26 de outubro de 1940 o protótipo NA-73X voou pela primeira vez utilizando um motor Allison V-1710, V12 de 28.032 cilindradas desenvolvendo 1.150 hp a 3.000 rpm na decolagem. Era o mais adequado para operações a baixas altitudes, onde apresentava um desempenho satisfatório dos requisitos iniciais. Ele foi empregado em missões de reconhecimento aéreo e ataque ao solo.

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Entretanto, para as missões de interceptação e de superioridade aérea, as limitações do Allison V-1710 tornaram-se muito evidentes acima de 15.000 pés e, sobretudo, acima dos 20.000 pés. A diferença era gritante se comparado aos Rolls Royce Merlins que equipavam os ingleses Spitfires e Huricanes que apresentavam excelente desempenho em qualquer altitude, em razão do seu compressor de dois estágios que continuavam a suprir o ar necessário enquanto a aeronave ganhava altitude rapidamente.

Agora os britânicos tinham mais um avião de ótimas características e que poderia ser produzido fora da ilha. Mas com motorização deficiente e também tinha um ótimo motor que já equipava os seus caças. Era apenas uma questão de tempo até que esse casamento acontecesse.

 North American P 51B Mustang
North American P 51B Mustang (Foto: Rodolfo Hauck)

Em 30 de abril de 1942, o piloto de testes sênior da Rolls Royce, Ron Harker, foi convidado a pilotar o Mustang I. Ele ficou encantado com as características de manuseio do avião, mas sentiu que seu desempenho era muito prejudicado pelo motor e afirmou que para o Mustang o natural seria equipá-lo com Rolls-Royce Merlin 61 e pressionou o Ministério da Defesa a aprovar tal mudança. A permissão foi finalmente dada e os britânicos, em junho de 1942, começaram a adaptação do Merlin 61 em um Mustang I.

 North American P 51C Mustang
North American P51 C (Foto: Rodolfo Hauck)

Agora equipado com Rolls-Royce Merlin de 27.000 cilindradas, produzindo até 1.670 Hp a 3.000 RPM  produzido sob licença pela Packard que passou a ter a designação  V-1650 Merlin, o P51 realmente ganhou vida. As suas melhores características de manobrabilidade, capacidade de subida, mergulho, rolagem, poder de fogo, resistência e alcance puderam ser exploradas ao máximo.

Foi com eles que o Tuskegee Airmen, um grupo formado exclusivamente por pilotos afro-americanos, ganhou notoriedade ao escoltar com enorme sucesso formações de bombardeiros B17 até o coração da Alemanha nazista. Eles ganharam respeito e admiração dessas tripulações que passaram a chamá-los de Red Tails ou Red Tails Angels, assim venceram o racismo e o preconceito reinante dentro da USAAF.

North American P51 B “Malcolm Hood”
North American P51 B “Malcolm Hood” (Foto: Rodolfo Hauck)

Por suas inúmeras virtudes o Mustang foi por muitos considerado o melhor caça da Segunda Guerra, mas a versão definitiva e de maior sucesso o P-51D não nasceu da noite para o dia, passou por um longo período de gestação. Além da versão XP-51 S foram desenvolvidas as variantes A, B, C, além da versão A36 de Ataque ao Solo e os modelos CA-17/18 produzidos na Austrália sob licença pela Commonweath Aircraft Corporation e posteriormente as versões K, H, Cavaliere e o raro F-82 Twin Mustang.

Conforme as táticas de combate evoluíam algumas deficiências eram sentidas nos modelos P-51B e C. Ficou evidente a baixa visibilidade da retaguarda, dificuldade de abandonar o avião em caso de emergência e bloqueio de armas durante manobras de elevado G.

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Para visibilidade e acesso/abandono a RAF adotou como solução a instalação da capota “Malcolm Hood” (foto acima), que era uma bolha ao redor da área da cockpit do piloto. O novo capô montado sobre trilhos deslizantes facilitava a entrada e saída ao contrário do antigo que era uma porta articulada e de difícil acesso e o reposicionamento das quatro metralhadoras Browning .50 pol.

North American P-51D
North American P-51D (Foto: Rodolfo Hauck)

O P-51D chegou em março de 1944, bem a tempo de participar do Dia D (a invasão da Normandia), pela elegância das suas linhas, desempenho em todas altitudes, capacidade de subida, mergulho, rolagem, manobrabilidade, resistência, novo sistema de mira e armamento – este foi considerado a obra prima do modelo. Era impulsionado pelo Packard V-1650-7 com 1.390 hp (houve versões mais potentes) e bem armado com seis metralhadoras  Browning M2 .50 (12,7 mm).

A partir de 1943, os P-51  foram usados pela USAAF  para escoltar bombardeiros pesados em missões sobre a Alemanha. O P-51 também foi usado em outras frentes Aliadas, como o Norte da África, Mediterrâneo e Itália, além de limitado emprego contra os japoneses na Guerra do Pacífico.

North American F-82 Twin Mustang
North American F-82 Twin Mustang (Foto: Rodolfo Hauck)

O raro F-82 Twin Mustang foi desenvolvido no pós-guerra como caça de Escolta de Longo Alcance/Caça Noturno. É uma combinação interessante de dois Mustangs, porém não obteve o mesmo sucesso e combateu somente na Coreia.

Ao encerrar a sua participação em grandes conflitos, no início da Guerra da Coreia, o Mustang era o principal caça usado pelas Nações Unidas até a chegada do North American F-86 Sabre, que ocupou o seu lugar como caça baseado em terra.

Assim o Mustang passou a ser empregado como caça-bombardeiro para ataques ao solo. Mostrava sua versatilidade, mesmo na era dos caças a jato, até o início da década de 80 o P-51 e permaneceu em serviço em algumas forças aéreas. Até hoje este amado caça, agora em uso civil, está sempre presente em eventos, feiras e corridas aéreas.

Vought F4U Corsair
Vought F4U Corsair (Foto: Rodolfo Hauck)

O Vought F4U Corsair foi um avião de caça da United States Marine Corps – USMC , com capacidade de operar baseado em porta-aviões. Inicialmente foi utilizado na Segunda Guerra Mundial no teatro de operações do Pacífico e depois na Guerra da Coreia.

Como todo grande avião, o Corsair também não teve um início de vida fácil, devido às severas especificações para operação embarcado. Seu desenvolvimento foi bastante complexo.

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Em 1938, a Marinha dos Estados Unidos abriu concorrência para a construção de caças leves, monomotores para operação embarcada, com um alcance mínimo de 1600 quilômetros e velocidade de estol de no máximo 59 Knots (110 km/h).

Em resposta a Chance Vougth Aircraft apresentou o XF4U-1, um projeto desenvolvido pelo Engenheiro Chefe da Vougth, Rex Biesel e sua equipe, que por se tratar de um caça embarcado enfrentou muitos desafios, que exigiram deles muita competência, dedicação e criatividade.

Quando em 29 de maio de 1940 o protótipo equipado com um motor radial de duas fileiras Pratt & Whitney XR2800 Double Wasp de 18 cilindros, de 2.450 hp e impulsionado por uma hélice de 4,06 m de diâmetro fez o seu primeiro voo, era o avião com o motor mais potente, a maior hélice e a maior envergadura de qualquer caça no mundo até então.

Um dos grandes desafios foi com relação ao enorme diâmetro da hélice, que com os seus 4,06 m em uma configuração tradicional tocaria o solo. A solução mais fácil, em princípio, seria aumentar a altura do trem de pouso. Mas essa solução se mostrou inviável, porque exigiria um grande reforço nas hastes, aumentando peso e volume nas asas. Isso porque elas eram dobráveis e o trem de pouso recolhia para trás.

Então, as asas ganharam um ângulo negativo na região dos trens de pouso, para afastar o avião do chão e, consequentemente, deixar a hélice livre. O que conferiu ao F4U sua forma característica e inconfundível: a Asa de Gaivota Invertida.

Este arranjo permitia que o trem de pouso principal fosse curto, forte e ainda retraísse facilmente para seu alijamento ficando totalmente fechado – uma novidade para a época.

Vought F4U Corsair
Vought F4U Corsair (Foto: Rodolfo Hauck)

Em seu batismo de fogo em Guadalcanal em fevereiro de 1943 a performance do Corsair já impressionou os pilotos. O F4U-1 era mais rápido que o Grumman F6F Hellcat e só perdia em uma curva bem apertada e apenas 21 km/h mais lento que o Republic P-47 Thunderbolt. Porém, era bem mais manobrável do que este, sendo que todos estes caças usavam o mesmo motor radial R-2800.

A entrada em serviço do F4U-1 na marinha se mostrou difícil. A posição do piloto no cockpit não provia visibilidade adequada para o taxiamento da aeronave, e ainda pior, o avião tinha uma péssima tendência de “quicar” no momento do toque no pouso, podendo falhar em engatar o gancho no cabo de parada, colidir com a barreira protetora ou mesmo a perda de controle.

A cabine recuada, combinada com o nariz longo, complicava bastante a visibilidade na aproximação para o pouso. Até mesmo o enorme torque do motor Double Wasp criava alguns problemas operacionais.

No início, os pilotos da Marinha se referiam ao Corsair de maneira pouco amigável, como Hog (porco), Hosenose (nariz de mangueira) ou Bent-Wing Widow Maker (fazedor de viúvas com asas dobradas), além de Ensign Killer (matador de cadetes). Isto porque a Marinha operava o Grumman F6F Hellcat, que era um ótimo caça, mas não chegava a performance do F4U, porém mas muito mais adequado para operar em um convés de porta-aviões.

Desta forma, inicialmente apenas os Fuzileiros Navais (Marines) começaram a utilizar o F4U Corsair, já que necessitavam urgentemente de um caça melhor que o F4F Wildcat. Para eles, o pouso em porta-aviões não era tão importante, já que eles geralmente usavam bases aéreas terrestres.

Apesar das dificuldades iniciais, os Marines assumiram o novo e diferente caça. A partir daí o Corsair passou a ser um avião mais dos Fuzileiros do que da Marinha, operando apenas de bases terrestres até que as questões operacionais para uso em porta-aviões fossem resolvidas.

Uma história interessante é a dos “Ovelhas Negras” que originaram até uma série na TV. Devido à necessidade urgente de esquadrões de caças na área das Ilhas Salomão no verão de 1943, o  Fighting Squadron 214 (VMF-214) foi montado de forma pouco ortodoxa, recrutando pilotos indisciplinados mas habilidosos vindos outros esquadrões.

Sob o comando do major Gregory “Pappy” Boyington, um líder carismático o “Black Sheep” abateu 97 aeronaves japonesas e danificou outros 103, tornando o Black Sheep um dos esquadrões de maior pontuação no Pacífico Sul.

Os Corsairs do VMF-214 raramente eram voados pelo mesmo piloto todos os dias. Na verdade, “Pappy” numa demonstração de sua liderança nata sempre pilotava o avião nas piores condições em todas as missões, apenas para que um piloto sob seu comando não precisasse fazê-lo. 

Vought F4U Corsair
Vought F4U Corsair (Foto: Rodolfo Hauck)

O Corsair nunca decepcionou: potente e dotado de excelente armamento se mostrou um caça excelente, que se sobressaía tanto em missões de interceptação quanto em missões de bombardeio. Subia rápido, mergulhava e recuperava rápido, rolava com facilidade, em voo nivelado atingia 395 knots (731 Km/h). Não conseguia acompanhar o acrobático Mitsubishi A6M Zero em uma curva apertada, mas com suas seis metralhadoras AN/M2 Browning .50 pol (12,7 mm) fazia tudo mais e com mortal eficiência.

Também tinha uma capacidade de carga de bombas para um caça do seu tamanho, duas bombas de 500 quilos e uma de 1000 quilos, em algumas missões de curto alcance em detrimento de combustível e munição podia levar 2000 quilos, mas essas eram raras.

Ao final de 1944 passaram a ser equipados com 10 foguetes de 127 mm ou um foguete grande de 298 mm, e em algumas versões o armamento de seis metralhadoras foi substituído por quatro canhões de 20 mm.

Contava um alcance considerável de 1.600 quilômetros, podendo ser ampliado com o uso de tanque descartável e ainda era fácil de se acomodar em porta-aviões, graças às suas asas que se dobravam.   

Por hora ficamos com estes dois ícones. Nas próximas edições vamos contar mais sobre outros apaixonantes Warbirds.   

Texto: Rodolfo Aquino Hauck, enviado especial a Oshkosh.

Metalmoro 20

(*) Rodolfo Luiz Aquino Hauck tem 40 anos de experiência na indústria automobilística e sempre esteve envolvido com competições automobilísticas desde 1976, quando iniciou no Kart, fazendo provas de Turismo e rally. Por seis anos, foi responsável pelo desenvolvimento e preparação de carros de endurance e rally de uma montadora. Trabalha atualmente também com fotografia.

Acesse: www.aceleraai.com.br

Acelera Ai[email protected]

Jornalistas Eduardo Aquino e Luís Otávio Pires são os editores do site Acelera Aí e da seção veículos do portal Bhaz

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