“Uma geladeira com comida infinita”, “poder cuidar da minha saúde”, “um milhão de brinquedos” e “ter uma casa em cada lugar que amo”. Essas foram algumas das respostas dos mineiros, quando questionados, pelo artista Randolpho Lamonier, sobre os sonhos que gostariam de realizar caso tivessem “dinheiro infinito”. A intervenção “Sonhos de Refrigerador – Aleluia Século 2000” faz parte da exposição “Arte Subdesenvolvida”, que inaugura nesta quarta-feira (28), no 3º andar do CCBB BH.
Além do trabalho de Randolpho, a mostra reúne obras, produzidas entre 1930 e 1980, de mais de 40 artistas. Entre eles estão Cândido Portinari, Cildo Meireles, Hélio Oiticica, Lygia Clark, Paoulo Bruscky, Daniel Santiago e Anna Maria Maiolino.
Clique no botão para entrar na comunidade do BHAZ no Whatsapp
Ao todo, estão em exibição 130 obras, incluindo pinturas, livros, discos, cartazes de cinema e teatro, áudios, vídeos, além de um conjunto de documentos.
Crítica ao conceito de “Subdesenvolvimento”
A partir dos anos 1930, precisamente após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), países social e economicamente vulneráveis passaram a ser denominados “subdesenvolvidos”. No Brasil, artistas, por meio de suas obras, passaram a criticar o conceito, comentando, se posicionando e até combatendo o termo, além de apontar as condições de vida no país.
Segundo o curador da exposição, Moacir dos Anjos, o termo informou grande parte das políticas públicas, econômicas, sociais, culturais, além das produções artísticas desse período. “Esses artistas pontuam, de formas diferentes, como o Brasil é desigual, como a questão da fome atravessa esse período, a falta de moradia, educação e saúde, incluindo a ausência de um ambiente democrático para expressar seus desejos, suas vontades e suas aspirações”, disse.
Ele também explica que, após a década de 1980, houve uma transição na nomenclatura e no debate político, já que o “subdesenvolvimento” passou a ser substituído para “condição de desenvolvimento”. “O Brasil começou a ser considerado um país emergente, o que não implica que as questões do subdesenvolvimento tenham sido superadas. Mas, o subdesenvolvimento vai saindo da pauta gradativamente e, consequentemente, do universo das preocupações das políticas públicas e dos artistas”, afirmou.
Embora, ainda segundo o curador, a discussão tenha se “perdido” nos anos 1980, nos últimos 10 anos, há uma retomada dessas preocupações políticas na produção artística atual. “É muito interessante ter uma exposição que articule produções artísticas de épocas diferentes. Essas pautas não são deslocadas, há uma tradição e herança que vem lá de trás e que afirma esse posicionamento político da arte no Brasil” contou.
‘Sonhar tem sido muito difícil’
Entre os trabalhos que fazem uma reflexão, a partir de hoje, sobre as questões colocadas pelos artistas de outras décadas, está “Sonhos de Refrigerador – Aleluia Século 2000”. Localizada no pátio do CCBB BH, a intervenção, feita pelo artista mineiro Randolpho Lamonier, partiu de um convite e uma provocação do curador da exposição.
“A minha ideia foi responder o que a exposição está propondo, mas de uma forma que não falasse da ausência, mas fazendo um contraponto, um espelhamento. No caso deste trabalho, o espelhamento da ausência é o desejo”, disse o artista ao BHAZ.
A instalação apresenta um grande volume de objetos que materializam as representações de sonhos de consumo de centenas de pessoas da classe trabalhadora entrevistadas pelo artista, algumas próximas a ele, como familiares e amigos, além de outras totalmente desconhecidas nas ruas de São Paulo e BH.
“O meu questionamento buscou entender o que elas gostariam de ter e viver, caso o dinheiro não fosse problema, ou seja, se eles tivessem todo o dinheiro do mundo. Os desejos eram sonhos de consumidor, que poderiam ser conquistados com dinheiro”, afirmou Randolpho.
O artista também contou que percebeu diferenças entre os sonhos de mineiros e paulistas. Em São Paulo, o artista notou que, a maioria deles, tinha o desejo de retornar para a terra natal. Já em Minas houve uma recorrência da vontade de viajar, conhecer o mundo e diferentes lugares do Brasil.
Outro fator que chamou a atenção de Randolpho foi a forma como os mineiros compartilharam seus sonhos. Para ele, as pessoas ficaram mais “entregues” e “vulneráveis” para se abrirem mais. “Em São Paulo, as pessoas não têm muito tempo, principalmente para conversar na rua com desconhecidos. Aqui, parece que, culturalmente, as pessoas têm mais disposição para bater papo. Além disso, eu achei os sonhos muito poéticos. Acredito que faz parte da veia mais densa dos mineiros”, afirmou.
Rosemeire, 51, uma das entrevistadas mineiras, por exemplo, afirmou que, como nenhum dinheiro cura a dor de perder um filho, ela gostaria de viver na Praia de Pipa, local que o filho dela amava. “Ela podia ter falado apenas que gostaria de ir morar lá, mas quis compartilhar esse detalhe”, contou.
Além disso, o artista explicou que, com “Sonhos de Refrigerador”, procurou pensar, atualmente, sobre a capacidade que as pessoas têm em sonhar. “Sonhar tem sido muito difícil. Mesmo com uma provocação tão aberta, sugerido que a pessoa terá todo dinheiro do mundo, todos continuam sonhando em poder sair do aluguel, ter plano de saúde, pagar uma escola para os filhos. Ter uma perspectiva brilhante e exuberante, parece difícil mesmo nesse lugar da imaginação”, disse.
Exposição dividida em eixos
A mostra “Arte Subdesenvolvida” é dividida por décadas, sendo que o primeiro eixo, “Tem Gente com Fome” apresenta as discussões iniciais, entre 1930 e 1940, em torno do termo “subdesenvolvimento”.
Já no segundo bloco, “Trabalho e Luta”, existe uma série de obras de artistas do Recife, Porto Alegre, entre outras regiões do país onde começaram a surgir as greves e as lutas por direitos e melhores condições de trabalho.
O terceiro se divide em dois. Em “Mundo e Movimento”, a política, a cultura e arte se misturam, a partir de documentos do Movimento Cultura Popular (MCP), de Recife, e do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro. Na segunda parte, “Estética da Fome”, a pobreza é tema central nas produções artísticas, em filmes de Glauber Rocha, obras de Hélio Oiticica e peças de teatro do grupo Opinião.
O último eixo da mostra, “O Brasil é Meu Abismo”, com obras do período da ditadura militar e artistas que refletiram suas angústias e incertezas com relação ao futuro.
Anota aí!
Exposição “Arte Subdesenvolvida“
Local: CCBB BH
Datas: até 18 de novembro
Ingressos: gratuitos