‘Grande Sertão’ se perde na extensão de Guimarães Rosa, mas atuações são destaque

Luisa Arraes vive Diadorim, enquanto Caio Blat assume papel de Riobaldo (Reprodução/Grande Sertão)

Ao lado do “Auto” de Suassuna, passa a figurar, a partir desta quinta-feira (6), o “Grande Sertão” de Guimarães na prateleira de homenagens cinematográficas de Guel Arraes à literatura brasileira. Outrora bem sucedido, o desafio de adaptar livro ao cinema soa, agora, desajustado e apelativo, enquanto as atuações seguem sendo o destaque maior das obras.

Experiente na arte de transpor palavras para as telas, a Arraes faltou, no novo longa, a sensibilidade de manter um roteiro fidedigno à obra original. Com favelas suspensas e combate incessante entre esquadrões militares e facções criminosas, o Sertão contemporâneo soa muito menos cativante que o original, mesmo sob o pretexto de que todo Sertão “é dentro da gente”, como deixado por Rosa.

Quase steampunk, a atmosfera do filme, com classes subjugadas à moda “3%”, da Netflix, pinta o ambiente impregnado pelas instalações paramilitares. É justamente daí que brilha o time de atores escalados, a começar por Caio Blat e Luisa Arraes, que dão vida a Riobaldo e Diadorim, respectivamente. Sem mistério, da dupla se desenrola o romance do filme, fio condutor de toda a trama, narrada tempos depois por Riobaldo já velho.

O destaque maior, no entanto, vai para o camaleônico Eduardo Sterblitch, que assume o papel do endiabrado Hermógenes, vilão ímpar num Sertão de muitos vilões. Com trejeitos do Coringa de Joaquim Phoenix, Hermógenes faz valer o dito no livro de 1956: tem gente, neste aborrecido mundo, que realmente mata só pra ver alguém fazer careta.

Também pelos personagens fica evidente o deslize maior da obra. Por tamanha entrega, o que parece é que eles mereciam um palco para atuarem. Já nos primeiros minutos de filme, fica claro que a linguagem utilizada soa teatral demais para a sétima arte. A cadência desajustada não se restringe a um ou dois personagens; todos falam alto e apresentam qualidades e defeitos exagerados ao extremo.

Apesar disso, a coragem de Guel Arraes em tocar noutro clássico da literatura merece, sim, saudações. Adaptar um livro para o cinema talvez seja o maior dos desafios na carreira de um diretor. De um roteirista então, nem se fale. Junto a Jorge Furtado, Arraes não só assina a roteirização, mas reimagina um universo que já nasceu construído. E assim como toda releitura, o público não poupa dedos para apontar diferenças entre essa e aquela versão.

Na brecha das diferenças, Riobaldo aparece como um professor de comunidade antes de se juntar à facção local. Diadorim, militante do grupo e amigo de infância, torna-se um amor impossível, impedido pela relutância de gênero. “Homem de mão dada com homem, só se a valentia deles for enorme”, pensa a dupla sobre o contexto em que vivem. Quando o desejo de entrega fala mais alto, o desfecho do livro se repete na tela.

Por fim, o que se tem no “Grande Sertão” de Arraes é uma obra perdida no tempo e espaço. Não se sabe exatamente em que época da contemporaneidade o filme se desenrola, e o passado de Guimarães não vai muito além dos fragmentos jogados na boca dos atores. Essa imprecisão impede uma conexão entre a realidade e o texto original, mesmo com as questões sociais do nosso tempo adaptadas no trabalho.

Resta, agora, esperar pelo próximo projeto de homenagem do diretor, e torcer pela manutenção do cordel encantado no formato já conhecido pelo público. “O Auto do Compadecida 2” chega em breve aos cinemas, em 25 de dezembro deste ano, com as novas e aguardadas aventuras de João Grilo e Chicó. Leia mais neste link.

Thiago Cândido[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais. Colunista no programa Agenda da Rede Minas de Televisão. Estagiário do BHAZ desde setembro de 2023.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!